Deslize da Lava-Jato
Depois de uma investigação que não conseguiu uma única prova além das acusações dos delatores, Gleisi Hoffmann, presidente do PT, é absolvida pelo STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) escancarou o primeiro grande tropeço nas investigações da Lava-Jato conduzidas por Brasília. Na terça-feira 19, por unanimidade, os ministros absolveram a senadora Gleisi Hoffmann, atual presidente do PT, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Gleisi foi acusada por delatores de receber 1 milhão de reais em propina do esquema de corrupção na Petrobras. Os ministros, no entanto, entenderam que a Procuradoria-Geral da República não apontou no processo nenhuma prova capaz de corroborar a acusação dos colaboradores. O veredicto serve de alerta à Polícia Federal, cuja investigação não conseguiu colher uma única evidência além das delações, e ao Ministério Público, que acabou apresentando uma denúncia inepta.
Incluída na primeira lista de suspeitos elaborada pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, Gleisi foi acusada pelo doleiro Alberto Youssef como destinatária de 1 milhão de reais em propina. Outros dois colaboradores da Justiça, Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e o advogado Antônio Carlos Pieruccini, que fazia bicos como entregador de dinheiro para Youssef, confirmaram o envio dos recursos à senadora. Fora isso, o máximo que os investigadores conseguiram anexar ao processo foram extratos telefônicos mostrando que os supostos corruptos e corruptores se comunicaram entre si. Além disso, anexaram um papelucho de um dos delatores com a anotação “1,0 PB”, julgando que isso poderia ser prova de que o valor (“1,0”) foi encaminhado a pedido do ex-ministro petista Paulo Bernardo (“PB”), marido de Gleisi. O STF achou que os extratos telefônicos e o bilhete não provavam coisa nenhuma.
Para que fosse caracterizado o crime de corrupção, a Procuradoria-Geral da República precisava ter demonstrado não apenas que Gleisi recebeu 1 milhão mas que deu uma contrapartida qualquer. No julgamento, o subprocurador-geral da República Carlos Vilhena até que tentou fazer essa conexão fundamental. Ele justificou que a senadora dava suporte político ao então diretor Paulo Roberto Costa e que, pelos altos cargos que ocupava, Gleisi deveria ter “estancado a sangria” da Petrobras. Problema: em 2010, ano do repasse de propina, Gleisi ainda não era parlamentar, não ocupava nenhum cargo público e , até onde se sabe, tampouco tinha ascendência sobre a estatal petroleira. “O Ministério Público não conseguiu provar nem a perspectiva da prática de algum ato inerente a seu futuro ofício parlamentar”, observou o decano Celso de Mello, revisor do processo.
Sem provas para enquadrar a senadora nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, dois ministros — Edson Fachin e Celso de Mello — ainda entenderam que existia pelo menos a prova de que o 1 milhão de reais havia chegado à campanha de Gleisi e, portanto, consideraram a senadora culpada pelo crime de falsidade ideológica eleitoral — ou seja, caixa dois. Os outros três ministros da turma do STF que julgou o caso — Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski — discordaram, achando que não havia evidência concreta nem mesmo de caixa dois. De novo, tudo se sustentava apenas nas acusações dos delatores. “O reforço de provas materiais é raquítico e inconclusivo. A presunção de inocência impõe à acusação o ônus de comprovar as acusações”, afirmou Gilmar Mendes.
O julgamento favorável a Gleisi Hoffmann não encerra as pendências da senadora com a Justiça. Ela e o marido, Paulo Bernardo, são alvo de outras três ações. A principal delas envolve suspeitas de desvio de 100 milhões de reais do Ministério do Planejamento. Ao contrário do caso que foi julgado, essa investigação reuniu documentos que mostram o caminho do dinheiro desviado, da origem ao destino final. Com isso, é possível que ela renda uma condenação. A lição que fica no caso de Gleisi é ululantemente óbvia: a Polícia Federal e o Ministério Público, para combater a impunidade, precisam trabalhar direito.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588