Datas: José Murilo de Carvalho, Sixto Rodríguez e Léa Garcia
O intérprete do Brasil, o músico redescoberto e a atriz de 'Orfeu Negro'
O compositor Tom Jobim (1927-1994), que sabia das coisas da vida, cunhou uma frase que não para de ecoar: “O Brasil não é para amadores”. Para traduzir as mazelas de um país intraduzível, só mesmo por meio da inteligência de historiadores capazes de ver as camadas debaixo do superficial. Um deles foi José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras. Com uma vasta coleção de textos acadêmicos e livros de prosa delicada — “o hábito de contribuir com artigos para a imprensa tornou minha escrita mais enxuta e elegante” —, Murilo de Carvalho foi pioneiro ao detalhar a participação das elites nos governos do Império e, depois, junto ao Exército. “As Forças Armadas intervêm em nome da garantia da estabilidade do sistema político; as intervenções, por sua vez, dificultam a consolidação das práticas democráticas”, escreveu em um artigo celebrado. “Estamos presos nessa armadilha e não conseguiremos escapar dela se não construirmos uma economia forte, uma democracia includente e uma República efetiva.” Entre seus trabalhos mais reputados estão A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil, Cidadania no Brasil: o Longo Caminho e Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que Não Foi. Tinha 83 anos. Morreu em 13 de agosto, no Rio de Janeiro, em decorrência de Covid-19.
“De mendigo a mendigo”
Eis a história de um talento que nunca teve a merecida relevância, jogou fora as oportunidades que lhe ofereciam, mergulhou no ostracismo — e foi então retirado das sombras com um documentário vencedor do Oscar, Procurando Sugar Man, de 2012. O americano de Detroit, Sixto Díaz Rodríguez, que se apresentava apenas como Rodríguez, cantava os dramas de cidadãos comuns, largados nas ruas. Seu primeiro álbum, de 1970, Cold Fact, foi muito elogiado pela crítica, mas ignorado pelo público. Faria sucesso na Austrália e especialmente na África do Sul, onde chegou a ser comparado a Bob Dylan. Cold Fact dividia espaço nas lojas de discos com Abbey Road, dos Beatles, e Bridge Over Troubled Water, com Simon & Garfunkel. Rodríguez, contudo, terminaria em bares escuros, de costas para o público barulhento. Até que o documentarista Malik Bendjelloul (1977-2014) o redescobrisse. “Minha história não é a de mendigo a milionário, mas de mendigo a mendigo”, disse em uma entrevista de 2019. Tinha 81 anos. Morreu de causas desconhecidas, em 8 de agosto, em lugar não revelado.
Manhã, tão bonita manhã
Em Orfeu Negro, filme de 1959 dirigido pelo francês Marcel Camus, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, um motorista de ônibus que dá titulo ao longa baseado numa peça de Vinicius de Moraes cai de amores por Eurídice — desce do Olimpo da favela para o inferno do asfalto em busca da mulher amada. A atriz Léa Garcia, no papel de uma prima da protagonista encantou o mundo — e por pouco não ganhou a premiação máxima na França. Depois, ao longo de seis décadas faria sucesso no teatro e na televisão, ao empurrar as portas do preconceito racial. Ela tinha 90 anos. Morreu em 15 de agosto, em Gramado, onde seria homenageada.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855