Carta ao leitor: Caixa de Pandora
A depender da escalada do conflito entre Estados Unidos e Irã, o impacto econômico no Brasil pode ser imenso, com desdobramentos nos índices de crescimento
“Até agora, está tudo bem”, tuitou Donald Trump, logo após os ataques de mísseis iranianos a bases americanas em Al-Asad, no Iraque. A parte sábia do post do presidente dos Estados Unidos é justamente a primeira: o “até agora”. Depois de dar a ordem para o assassinato do general Qasem Soleimani, Trump desencadeou um processo sobre o qual não tem total controle e que pode resultar em cenários devastadores não apenas para as nações diretamente envolvidas como também para países e pessoas do mundo inteiro. Aberta a caixa de Pandora, pode-se afirmar, com algum grau de certeza, que dificilmente haverá um conflito de proporções mundiais, embora essa possibilidade não possa ser descartada. Mas a decisão de eliminar o segundo homem mais importante da hierarquia do Irã numa emboscada no país vizinho, claramente um ato de guerra, elevou indubitavelmente a tensão global para níveis históricos de preocupação e temor. O discurso de Trump no dia seguinte ao do bombardeio iraniano, na quarta-feira 8, foi uma boa tentativa de diminuir a temperatura da crise, mas não se sabe até que ponto surtirá efeito.
As razões que levaram a uma resposta institucional dos Estados Unidos às ações hostis do Irã ainda são nebulosas. O secretário de Estado americano Mike Pompeo diz que Soleimani preparava algum ataque e era preciso evitá-lo. Se o objetivo era interromper algo, o tiro saiu pela culatra. O resultado mais imediato é que o Irã, nação que de fato patrocina o terrorismo no mundo, ganhou combustível (com uma causa e um mártir) para preparar várias ações nesse sentido. Evidentemente, Soleimani não era o herói que os iranianos celebraram após sua morte. Assassino cruel, ele foi o responsável por diversos atos terroristas, inclusive pelo assassinato de 85 pessoas em Buenos Aires, em 1994. Sua morte, contudo, dada a maneira como aconteceu, uniu o país, abafou a oposição ao regime dos aiatolás e recrudesceu o sentimento antiamericano ao redor do globo. Em termos de política internacional, é difícil precisar o que Trump ganhou ao eliminar Soleimani. Portanto, são cabíveis as teorias de que sua intenção real era desviar a atenção do processo de impeachment que sofre nos Estados Unidos e pavimentar a reeleição, em novembro deste ano.
Nesta edição, VEJA analisa as consequências da crise na geopolítica mundial e também no Brasil. O governo de Jair Bolsonaro se encontra numa posição delicada. Ao mesmo tempo que demonstra alinhamento automático com os Estados Unidos nas questões internacionais, o Brasil tem no Irã um relevante parceiro comercial, com exportações de frango, milho, soja e outras culturas na casa dos 2 bilhões de dólares. A depender da escalada do conflito, o impacto econômico no país pode ser imenso, com desdobramentos no preço da gasolina e nos índices de crescimento — o que seria uma lástima, uma vez que os sinais internos são promissores. No Itamaraty, teme-se até algum tipo de ação mais violenta de terroristas ligados ao Irã com presença na área da Tríplice Fronteira (Paraguai, Brasil e Argentina). Diante de tal cenário, os próximos dias serão fundamentais para uma compreensão mais clara dos futuros movimentos. Tomara que o presidente americano e seu par iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, encontrem um ponto de retorno. O mundo espera e torce por isso. Afinal, como disse Benjamin Franklin: “Nunca houve uma guerra boa ou uma paz ruim”.
Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669