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Com o país mergulhado na crise, Macri estabelece a maior taxa de juros do mundo e promete uma dura combinação de corte de gastos com aumento de impostos

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h23 - Publicado em 7 set 2018, 07h00

O presidente argentino Mauricio Macri viveu na semana passada o momento mais delicado da sua presidência, que em breve completará três anos. Em um discurso transmitido pelo YouTube e pelos canais de televisão na segunda 3, ele justificou as decisões tomadas nos dias anteriores. Para conter a saída de dólares e a brutal desvalorização do peso, o Banco Central elevou os juros a nada menos que 60%, a maior taxa do mundo. Uma nova rodada de negociações foi iniciada com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para conseguir o adiantamento de parte de um empréstimo de 50 bilhões de dólares, que já estava combinado. Para tanto, Macri está propondo reduzir a zero o déficit fiscal do ano que vem, façanha que será obtida com uma dolorosa combinação de cortes nos gastos e aumento de impostos. São remédios amargos, que podem elevar a pobreza para além dos 30%. “Para mim, não é fácil. Quero que saibam que estes foram os piores cinco meses da minha vida depois do meu sequestro”, disse o presidente, referindo-se às duas semanas em que ficou em cativeiro, em 1991, depois de ser surpreendido por três homens armados. “Sei que o maior esforço é o que estão fazendo cada um de vocês e sua família: é o que fazem quando se levantam e veem que a situação está difícil, que o bolso aperta, que as coisas custam muito.”

A história dos países da América Latina está repleta de presidentes que anunciam medidas impopulares e correm para Washington para mendigar um acordo com o FMI. O Brasil não vive essa realidade há mais de uma década, mas durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) turbulências externas e fragilidades internas forçaram o governo a pedir socorro três vezes ao Fundo. “Na primeira, em 1998, havia uma resistência em subir os juros por causa da reeleição. Na última, em 2002, evitou-se uma crise maior, acabando com as incertezas”, diz o economista argentino Roberto Luis Troster. Nenhum dos três acordos com o Brasil chega ao que a Argentina obteve na última rodada: 50 bilhões de dólares. Depois, o boom das commodities ajudou o Brasil a se proteger, acumulando uma reserva cambial de 380 bilhões de dólares. “É um colchão que a Argentina não tem”, diz Troster.

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Resistência - Funcionários públicos demitidos protestam em Buenos Aires (Damian Dopacio/Noticias Argentinas/AFP)

A bem da verdade, o governo argentino tem condições de arcar com as dívidas no curto prazo, mas, se o peso continuar se desvalorizando (90% da dívida pública líquida do país está em dólar), a capacidade de honrar compromissos futuros pode ficar ameaçada. É uma tempestade com múltiplas causas. O aumento dos juros nos Estados Unidos levou investidores a fugir de países emergentes. Além disso, a fragilidade da Turquia, que se recusa a subir os juros ou a cortar os gastos, a recessão brasileira, a maior seca dos últimos cinquenta anos na Argentina e as incertezas em relação à permanência de Macri após as eleições do ano que vem fizeram com que as medidas combinadas com o FMI em maio já precisassem ser reforçadas para apaziguar os investidores. Foi daí que surgiu a necessidade de adiantar as parcelas do FMI e a promessa do déficit fiscal zero.

No discurso da segunda, Macri condenou várias vezes o hábito tão arraigado na América Latina de viver além dos próprios recursos. “Qualquer estratégia de desenvolvimento deve começar por aí, com um Estado que gaste menos do que arrecada”, disse. Para diminuir os gastos, Macri anunciou a redução do número de ministérios, de 23 para dez, o que tem mais efeito psicológico do que prático.“É uma medida adotada muito mais para mostrar que ele está fazendo o dever de casa”, diz a economista Patrícia Krause, da seguradora de risco Coface, em São Paulo. O orçamento para obras públicas será cortado pela metade. Milhares de funcionários públicos vão ser demitidos.

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Depressão – Desvalorização do peso e inflação devem elevar a pobreza novamente para além dos 30% (Marcos Brindicci/Reuters)

Mas o essencial no pacote será a elevação dos impostos nas exportações. Macri, que criticou esse tipo de recurso nos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003 a 2015) por inibir a produção, agora o adota. “O setor agroindustrial e agropecuário de exportação apoiou claramente Macri quando ele prometeu reduzir ou acabar com esses impostos”, diz o cientista político argentino Julio Burdman. “Esse retorno das taxas certamente vai gerar muita resistência por parte dos que sofrem na própria carne esses ajustes.” Para evitarem essa oneração extra, produtores de trigo podem armazenar os grãos e atrasar a venda. Fazendeiros que plantam milho estão se preparando para o cultivo da próxima safra e podem ficar receosos de semear.

Mas a maior oposição deve vir mesmo é da população. Na Argentina, isso geralmente se dá na forma de saques, greves e bloqueios de estradas e avenidas. As três principais organizações piqueteras — Confederação dos Trabalhadores da Economia Popular (CTEP), Corrente Classista e Combativa (CCC) e Bairros de Pé — já anunciaram que farão manifestações e bloqueios de estradas e avenidas nos próximos dias. Também vão aderir à próxima greve geral, a ser organizada pela tradicional Confederação Geral do Trabalho (CGT). Para tentar conter a rebeldia social, Macri prometeu ajudar os mais pobres com bônus e o congelamento do preço dos alimentos da cesta básica — medida igualmente adotada nos governos Kirchner e que também era condenada pelo atual mandatário. “Embora essas medidas possam mitigar os efeitos do ajuste, elas não chegarão a equiparar a dimensão negativa do aumento inflacionário e da desvalorização do peso”, diz o cientista político argentino Roberto Chiti, da consultoria Diagnóstico Político, em Buenos Aires. Entre as categorias que mais estão aderindo às paralisações, encontra-se o funcionalismo público, que sofre com o aumento da inflação e está sem reajustes nos salários. Macri pode até estar fazendo a coisa certa do ponto de vista econômico, mas a dimensão social do seu ajuste ameaça sua reeleição e o plano que ele traçou para colocar a economia nos eixos. Será um teste para ele e para a Argentina.

Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599

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