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A globalização das séries

O êxito mundial de 'La Casa de Papel 'é só a ponta de um fenômeno bem-vindo da era do streaming: a explosão das tramas de todas as cores nacionais

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h29 - Publicado em 20 jul 2018, 06h00
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(VEJA/Divulgação)

O espanhol Álex Pina notou os primeiros sinais de que havia criado uma patologia televisiva altamente contagiante no último Carnaval do Rio. “Quando vi imagens de foliões usando nossas máscaras de Salvador Dalí, pensei: ‘A série pegou no Brasil’ ”, disse o criador de La Casa de Papel a VEJA, na semana passada. Logo em seguida, veio a comprovação de que o seriado criminal sobre um bando que invade a casa da moeda da Espanha com o insólito intuito não de roubar, mas de imprimir dinheiro, se alastraria como uma pandemia (apesar do roteiro bobinho). “Torcedores surgiram com fantasias vermelhas num jogo de futebol na Arábia Saudita. E as máscaras invadiram uma festa de música eletrônica na Alemanha”, diz. Para a felicidade do roteirista, a impressora não para de fazer dinheiro: La Casa de Papel é a série não falada em inglês mais vista pelos 125 milhões de usuários da Netflix. Em 12 de julho, a plataforma de streaming anunciou um acordo de exclusividade mundial com Pina. A onipresença das máscaras de Dalí ilustra uma nova revolução no entretenimento: a globalização das séries.

Faz sentido estender o termo usado para celebrar a integração econômica planetária ao fenômeno em curso na TV. Nunca tantas produções oriundas de países tão diversos estiveram ao alcance de dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Atualmente, os espectadores podem consumi-las não só com avidez, mas de forma simultânea (veja o quadro à esquerda).

O paralelo com a explosão das rotas mercantilistas, no século XVI, é inevitável. A Espanha exporta com sucesso La Casa de Papel e outras séries para o Brasil, o restante da América Latina e boa parte da Europa. Dark, suspense produzido na Alemanha, também “viaja bem” — para usar a expressão com que os executivos de TV se referem aos campeões de audiência no exterior. “Dark é um dos títulos mais vistos pelos brasileiros na Netflix”, informa Erik Barmack, executivo que comanda a área de língua não inglesa da plataforma. O intercâmbio também se dá no caminho inverso: O Negócio, produção da HBO que retrata o mundo da prostituição de luxo em São Paulo, foi apreciada na Europa; primeira aposta nacional da Netflix, a ficção científica 3% fez sucesso nos Estados Unidos — terra de um papa do gênero como J.J. Abrams. Samantha, que traz Emanuelle Araújo na pele de uma ex-estrela infantil, mal estreou na plataforma e já exibe bom desempenho na América Latina.

Trocas assim não são pontos fora da curva, mas parte de uma tendência robusta alimentada pelas mudanças tecnológicas. “Pense na televisão de antigamente. As pessoas podiam ver no máximo uma ou duas dezenas de séries, pois não havia espaço para o mundo inteiro na programação. Agora são milhares”, diz Barmack. Por décadas, de fato, a maioria dos países consumia essencialmente sua eventual safra local de séries ou grandes produções importadas de língua inglesa — em geral, vindas da máquina de entretenimento de Hollywood, com toda a sua facilidade de distribuição mundial. O acesso a seriados de outras cores culturais tornou-se mais trivial com a popularização da TV paga, dada a quantidade cada vez maior de canais que tinham de preencher seu espaço com mais e mais atrações. Nesse caldo de crescente variedade internacional, uma empresa como a HBO passou a investir em tramas com sua grife em vários países — daí êxitos como O Negócio. Mas foi o advento dos serviços de streaming, com a Netflix à frente, que rompeu fronteiras definitivamente.

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Há espaço para Deus e o mundo no catálogo da plataforma — e a possibilidade de disponibilizar esse manancial inesgotável para milhões de pessoas em 190 países pôs a TV, enfim, na era da “cauda longa”. Segundo o conceito do britânico Chris Anderson, a infinita capacidade de veicular e armazenar conteúdo na internet define a forma de consumir cultura e entretenimento na era digital. Se o efeito disso já era nítido na babel de vídeos do YouTube, com sua amplidão caótica e muitas vezes amadorística de opções, impacto equivalente agora ocorre na indústria dos seriados graças às plataformas de streaming.

Não à toa, um dos novos esportes dos espectadores é garimpar curiosidades — algumas só exóticas, outras de qualidade surpreendente — no feirão transnacional da Netflix. Entre os milhares de títulos, há um melodrama egípcio (Secret of the Nile), um gélido policial da Islândia (Trapped) ou um excelente drama político made in Croácia (O Jornal). Com sua imensa base de dados sobre os hábitos dos espectadores, a Netflix devota-se no momento ao desdobramento natural do fenômeno: a criação de uma genuína indústria mundial das séries. Da Alemanha à Índia, a companhia já produz tramas originais em 21 países. O Brasil está bem colocado aí: cerca de uma dezena de projetos são anunciados. Para não ficar de fora da aldeia global, cada país se vira como pode.

Publicado em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592

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