Tarcísio aposta nas ações de infraestrutura para alavancar campanha em SP
O candidato de Bolsonaro ao governo do maior colégio eleitoral do país é hoje um dos poucos nomes da Esplanada que têm algo a mostrar na corrida
Quando chegou à cerimônia de filiação de Jair Bolsonaro ao PL na última terça, 30, em Brasília, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, foi um dos mais assediados. Entre um e outro pedido de fotografia, acabou sendo cobrado a anunciar quanto antes a sua candidatura ao governo de São Paulo. Logo no início do discurso, o presidente o exortou a cumprir o que entende ser uma missão: garantir palanque no maior colégio eleitoral do país. “Uma enorme esperança para São Paulo”, disse o capitão. O auxiliar ainda não admite publicamente que aceitará o desafio — preferia tentar o Senado por Goiás. O entorno do presidente, porém, já conta com o “sim”, tanto é que recentes movimentos fizeram o PL desfazer uma aliança com o PSDB paulista para poder lançar Tarcísio como candidato de oposição aos tucanos. E a escolha de seu nome tem uma justificativa óbvia: alavancado pelo programa de concessões e investimentos que a sua pasta vem tocando, Tarcísio é hoje um dos poucos nomes da Esplanada dos Ministérios que têm algo a mostrar em uma campanha.
Recentemente, já com um pé no palanque, ele fez sucesso nas redes sociais com um vídeo no qual aparece quebrando o martelo que bateu para selar o leilão de concessão por trinta anos das rodovias Dutra e Rio-Santos. O contrato prevê redução de 35% na tarifa de pedágio e 15 bilhões de reais de investimentos. O pacote de possíveis ativos eleitorais inclui também as futuras concessões dos aeroportos de Congonhas e Campo de Marte, ambas em São Paulo, e a privatização do Porto de Santos, o maior do país. No último dia 16, aliás, Tarcísio, em uma agenda que lembrou a de um candidato, esteve no porto para entregar três obras de melhorias, que consumiram 600 milhões de reais. O rol de atrativos que ele terá em mãos inclui ainda novos empreendimentos ferroviários, que poderão atrair 117 bilhões de reais em quase três dezenas de projetos privados (veja o quadro).
O mesmo pacote que pode estimulá-lo a entrar na eleição é também motivo para cautela. O ministro teme que vestir agora o figurino de candidato possa atrapalhar seus planos de colocar de pé até o início do ano que vem tudo o que está em andamento na pasta. “Ele tem sido uma ilha em meio a essa barafunda ideológica que envolve o governo”, afirma Eduardo Grin, cientista político da FGV. “Vamos ver se conseguirá compreender o jogo da política.” O tempo é curto. Como Tarcísio tem até 2 de abril para renunciar ao cargo caso queira ser candidato, ele teria só quatro meses pela frente. E tem muita coisa acontecendo. A consulta pública da privatização do Porto de Santos, por exemplo, deve ser lançada em dezembro. A concessão dos aeroportos espera o aval do Tribunal de Contas da União (TCU) ao edital do leilão. A MP do Marco Legal das Ferrovias, que atraiu os investimentos privados, passou no Senado, mas aguarda análise dos deputados. O programa BR do Mar, que amplia a navegação de cabotagem, foi aprovado na semana passada pelo Senado, mas, como teve alterações, voltou à Câmara.
Ironicamente, o maior cabo eleitoral de Tarcísio é também um de seus principais problemas. Com a popularidade do presidente em queda, ancorar a campanha ao governo na disputa nacional pode dar errado. Segundo pesquisa da Quaest de novembro, 56% dos paulistas avaliam a gestão federal de forma negativa. Há ainda resistência dentro do próprio bolsonarismo. O núcleo dos radicais quer como candidato o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que compunha a ala ideológica do governo e infla os seus seguidores a manter acesa a chama da sua candidatura. Um aperitivo foi a reação em massa a uma fala de Tarcísio no sábado 27, defendendo a exigência de vacinação para a entrada no país de visitantes oriundos da África, em razão da nova variante do coronavírus. A declaração foi lida como uma defesa do passaporte da vacina, sempre combatida pelo bolsonarismo. Tarcísio se incomodou tanto que, em um gesto incomum, se justificou no Twitter — respondeu a pelo menos sessenta seguidores que fizera uma sugestão para evitar o fechamento das fronteiras e reiterou que era contra a vacinação obrigatória. Dar satisfação aos radicais foi um péssimo começo de campanha para quem gosta de ser visto como um técnico eficiente e de posicionamento político moderado.
Engenheiro de formação, Tarcísio chegou ao governo após ser diretor no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) na gestão Dilma Rousseff. A ironia é que assumiu o cargo em meio a uma faxina no Ministério dos Transportes que mirava suspeitas de corrupção envolvendo o PR, antigo nome do PL. Com a cassação da petista, continuou no governo Michel Temer na coordenação de projetos do Programa de Parcerias de Investimentos. Como Bolsonaro, Tarcísio é capitão da reserva formado pela Academia Militar das Agulhas Negras. Atuou entre 2005 e 2006 na missão da ONU no Haiti. Deixou o Exército em 2008 para ser analista da CGU.
A entrada de Tarcísio na disputa paulista tende a impactar o jogo, mesmo com o bolsonarismo vivendo dificuldades. Seu principal ativo será uma cartilha já conhecida dos governos do PSDB, que comandam São Paulo há 25 anos, baseada na indução do investimento privado em infraestrutura por meio de concessões e privatizações. A agenda tem apelo em um estado que responde por quase um terço do PIB. Mas há um teto. “Tem muita cidade do interior em que o sustento vem de órgãos públicos. Não é uma pauta atraente a ponto de mobilizar uma campanha por uma pessoa que não é tão conhecida”, acredita o professor de marketing político Marcelo Vitorino, da ESPM.
É exatamente o eleitor tucano que Tarcísio iria buscar, já que sua identificação com Bolsonaro afasta os votos mais à esquerda, um campo que tem como pré-candidatos Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Márcio França (PSB). Para abrir espaço no flanco adversário, Bolsonaro bateu o pé e fez com que o PL voltasse atrás no apoio prometido ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB). “Bolsonaro precisa de um candidato forte, que dê palanque para ele, que faça campanha, que fale dele nos debates”, prega o deputado Capitão Augusto, um dos líderes do PL em São Paulo. A missão não será fácil, já que uma parte da bancada do partido na assembleia se sentiu preterida das discussões e está desconfortável por integrar a base da gestão tucana e ser orientada a apoiar um forasteiro — Tarcísio tem domicílio em Brasília. Some-se a isso a capacidade que Garcia demonstra para costurar acordos com prefeitos e vereadores no comando da azeitada máquina tucana. “Quem faz campanha de governador é deputado. Se ele sente o cheiro de que não vai dar certo, ele abandona a campanha”, afirma Vitorino.
O fato de Tarcísio representar uma cartada arriscada de Bolsonaro ilustra os erros que cometeu no estado, onde teve 68% dos votos em 2018. Além de não ter fortalecido lideranças eleitas na mesma onda, ele desprezou potenciais aliados, como o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, terceiro colocado na última eleição ao governo. Tarcísio é, portanto, a aposta que resta a Bolsonaro para virar o jogo. Só falta combinar com o seu ministro. No evento do PL, perguntado diretamente se iria também se filiar ao partido, respondeu laconicamente: “Hoje não”. Para quem deve ser escalado para tentar destronar o PSDB em São Paulo, não poderia existir postura mais tucana.
Com reportagem de Reynaldo Turollo Jr.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767