Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Sob pressão, Cid se divide entre ser fiel a Bolsonaro e risco de prisão

O ex-ajudante de ordens é a testemunha que assombra o antigo chefe — situação da qual, ultimamente, ele tem se esforçado para se desvencilhar

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h17 - Publicado em 15 mar 2024, 06h00

Em sua edição da semana passada, VEJA trouxe trechos inéditos do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, em que ele revela à Polícia Federal detalhes das reuniões ocorridas no final de 2022 no Palácio da Alvorada, onde teria sido discutido um plano para anular as eleições e prender autoridades como o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Os detalhes da trama teriam sido comunicados aos comandantes militares. Dois deles, o do Exército e o da Aeronáutica, desestimularam a empreitada golpista. O da Marinha teria colocado as tropas à disposição. Contextualizadas, as informações não deixam margem a dúvidas sobre as intenções golpistas do ex-presidente, o que, num primeiro momento, pode resultar numa acusação contra ele pelos crimes de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e golpe de Estado. Mauro Cid, por isso, é a testemunha que assombra o antigo chefe — situação da qual, ultimamente, ele tem se esforçado para se desvencilhar.

CONSPIRATA - Jair Bolsonaro e os ex-chefes militares: trama desvendada
CONSPIRATA - Jair Bolsonaro e os ex-chefes militares: trama desvendada (Estevam Costa/PR)

Na segunda-feira 11, o ex-ajudante de ordens prestou um novo depoimento, o sexto desde que assinou um acordo de colaboração com a polícia. O conteúdo é mantido em sigilo, mas consta que o coronel teria dado informações que preencheram lacunas importantes da trama golpista. No papel de colaborador, Cid não pode mentir. Se o fizer, perde os benefícios legais que conseguiu e pode, em último caso, voltar à prisão, onde já esteve por 129 dias, acusado de falsificar cartões de vacinação. Há, porém, algo estranho acontecendo em relação ao comportamento do ex-ajudante de ordens. Recentemente, ao reclamar da pecha de delator, ele não só protestou contra o título como ainda defendeu Jair Bolsonaro. “Não sou traidor, nunca disse que o presidente tramou um golpe. O que havia eram propostas sobre o que fazer caso se comprovasse a fraude eleitoral, o que não se comprovou, e nada foi feito”, afirmou. A declaração não faz nenhum sentido quando confrontada com os fatos que ele revelou à polícia.

Os depoimentos do coronel combinados com os documentos colhidos pelos investigadores compõem um mosaico repleto de evidências de que Bolsonaro e seus principais auxiliares realizaram um minucioso estudo que visava contestar as eleições, prender autoridades que se colocassem contrárias à iniciativa e, se necessário, usar a força militar para garantir o sucesso da operação. Para a PF, já há evidências mais do que suficientes para indiciar o ex-presidente no inquérito que deve ser concluído até o meio do ano — e o testemunho de Cid é peça-chave para unir as várias pontas da apuração. Um recuo do coronel neste momento, além de comprometer todo o trabalho, lhe traria uma infinidade de problemas. Para manter os benefícios, os termos pactuados da colaboração devem ser cumpridos à risca. O acordo estabelece que, em caso de condenação, a pena máxima para o ex-ajudante de ordens seria de dois anos — uma considerável diminuição para quem tinha no horizonte a perspectiva de sentenças que, somadas, podem chegar a mais de uma década de cadeia.

NÃO SERÁ PROMOVIDO - Múcio e Tomás Paiva: governo fechou questão sobre a promoção do ex-ajudante de ordens
NÃO SERÁ PROMOVIDO - Múcio e Tomás Paiva: governo fechou questão sobre a promoção do ex-ajudante de ordens (Vinícius Schmidt/Metrópoles/.)
Continua após a publicidade

Vale ressaltar que, desses dois anos de prisão, Cid já cumpriu quase a metade, somando os quatro meses em que ficou detido preventivamente mais o período de uso da tornozeleira eletrônica, que é computado como tempo de cumprimento de pena. O coronel também garantiu no acordo que seus familiares serão poupados de qualquer punição, assim como seus ex-­auxiliares que foram presos. Ou seja, um recuo agora pode complicar a vida dele, da família e de alguns de seus colegas de farda. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre os atos golpistas do dia 8 de janeiro, definir ao final da investigação o “prêmio” concedido ao ex-ajudante de ordens, que será deverá ser proporcional à relevância de sua contribuição para o esclarecimento do caso. Não foi por coincidência que, antes da oitiva de segunda-feira, a polícia fez correr a informação de que qualquer omissão ou mentira do coronel poderia levar ao cancelamento do acordo.

Mauro Cid, porém, está assustado. Desde que assumiu o papel de colaborador, ele tem recebido recados pouco amigáveis e notícias nada alvissareiras. No fim do ano passado, por exemplo, encaminhou ao Exército a documentação necessária para a sua promoção a coronel. A avaliação acontecerá no próximo mês e, por alguma razão, o tenente-coronel ainda alimentava a esperança de ascender dentro da força. O Ministério da Defesa, no entanto, já comunicou que isso não acontecerá. O assunto já foi tratado em uma conversa entre o ministro José Múcio e o comandante da Força, general Tomás Paiva, que sacramentou o que pode ser o fim da carreira militar do ex-ajudante de ordens. Cid também teme pela segurança dele e da família e, talvez por isso, tenta poupar o ex-presidente ao afirmar agora que ele nunca tramou golpe, apesar de todas as evidências. Na versão do tenente-coronel, o decreto que previa subverter o regime democrático seria apenas um plano de contingência a ser colocado em prática, caso ficasse comprovada a suspeita de que as eleições haviam sido fraudadas. Se essa afirmação se resumir a uma tentativa de aplacar a ira do ex-chefe e seus apoiadores mais radicais, Cid pode estar trilhando uma rota perigosa. As cláusulas do acordo de colaboração, como se viu, são muito objetivas. Além de não poder mentir, o coronel só terá direito aos benefícios se as informações repassadas à polícia tiverem efetividade, ou seja, ajudarem a desvendar a trama — e não o contrário.

EPÍLOGO - Alexandre de Moraes: “prêmio” a Mauro Cid vai depender da efetividade da colaboração do tenente-coronel
EPÍLOGO - Alexandre de Moraes: “prêmio” a Mauro Cid vai depender da efetividade da colaboração do tenente-coronel (Ton Molina/Fotoarena)
Continua após a publicidade

Nas redes sociais, Cid tem recebido ameaças e mensagens enigmáticas sobre a rotina de seus familiares que, compreensivelmente, lhe tiram o sono. Além disso, generais que acompanham o caso de perto já advertiram que, de fato, o colega tem de se cuidar. “O grande medo da família é que me coloquem como traidor. Daqui a pouco tem um maluco aí querendo fazer alguma coisa comigo”, desabafou Cid recentemente. Nas tratativas com a Polícia Federal, ele expressou uma preocupação com possíveis retaliações e deixou clara a intenção de sair do Brasil. Como não é possível, solicitou segurança especial. Desde maio do ano passado, quando foi preso, soldados do Exército patrulham as proximidades da casa onde ele mora, no Setor Militar, em Brasília. Temores à parte, Cid sabe que está solto apenas porque decidiu revelar fatos que viu de perto, fatos que, por mais que ele tente minimizar, demonstram que seu ex-chefe e setores militares no mínimo flertaram com a ideia de um golpe, o que é crime.

Por mais estranho que pareça, Jair Bolsonaro continua tratando Mauro Cid como um “bom garoto”, continua ressaltando que o considera como um filho, mesmo depois das revelações que o deixaram numa situação jurídica extremamente delicada. Atentar contra o Estado democrático de Direito, vale repetir, pode resultar em até vinte anos de prisão. Na outra ponta, o tenente-coronel continua repetindo que sempre cuidou do capitão como se ele fosse seu pai, que espera que essa tormenta acabe o mais rápido possível e que acredita até na possibilidade de o ex-chefe voltar a ocupar a cadeira de presidente da República. “Se isso acontecer, tenho certeza de que ele não vai me esquecer”, diz. Uma coisa é certa: diante dos fatos que já são conhecidos e confirmada a hipótese de um eventual recuo, é possível que os dois — coronel e capitão — terminem de fato essa história novamente juntos — mas não será no Palácio do Planalto.

Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.