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Repercussão política e privilégios: a 1ª vez de Lula na cadeia

Líder sindical que confrontava a ditadura, petista ficou preso por 31 dias no Dops, mas teve autorização para sair e recebeu TV para ver jogo do Corinthians

Por André Siqueira
Atualizado em 13 abr 2018, 19h15 - Publicado em 5 abr 2018, 23h02

O juiz Sergio Moro determinou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apresente voluntariamente à Polícia Federal de Curitiba até as 17h desta sexta-feira, 6, para dar início ao cumprimento de sua pena – ele foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF4) a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá.

Não será a primeira vez de Lula na cadeia. O ex-presidente já foi preso quando ainda era líder sindical em ascensão e um dos nomes mais conhecidos da oposição à Ditadura Militar (1964-1985).

Em 19 de abril de 1980, no 17º dia de uma greve de operários que parou o ABC Paulista, ele foi detido pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão de repressão política do regime. Na época, Lula era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, um dos berços do PT, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade em 2014, Lula disse que sua detenção foi produto de um processo de longo prazo. ”Eles [agentes da ditadura] me vigiavam no cinema. Na assembleia, a gente notava que eles estavam lá. Às vezes, disfarçados no bar do sindicato. Na minha casa, por exemplo, eles paravam a perua na porta e passavam a noite”, afirmou.

Em Lula, o Filho do Brasil, livro que inspirou o filme homônimo, a jornalista Denise Paraná também fala sobre a vigilância ostensiva à qual o sindicalista e sua companheira, Marisa Letícia, estavam submetidos. ”Eram quatro ou cinco homens dentro de Veraneios, vigiando. E quando Lula ou Marisa saíam de carro, para qualquer lugar que fossem, eram seguidos”, diz um trecho do livro.

Lula era aconselhado por seus aliados a deixar o país, mas nunca aceitou a ideia, relata a jornalista no livro. Então com 34 anos, o ex-presidente foi enquadrado pela ditadura na Lei de Segurança Nacional (LSN), que definia quais crimes eram subversivos e atentavam contra a ordem político-social do país. 

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A prisão

Na madrugada daquele sábado, por volta das 6h, a polícia bateu à porta da casa em que Lula vivia com Marisa Letícia. Ele teria reagido com naturalidade. ”Sentou na cama e, calmamente, pediu um café. Já esperava por aquele momento e não parecia assustado”, relata outro trecho do livro.

Para o petista, sua prisão foi uma ”burrice” dos militares e deu sobrevida ao movimento. ”Eles nos prenderam e conseguiram criar um clima de guerra”, acrescentou.

Prisão do Lula no DOPS
Lula, quando foi preso em 1980 com base na Lei de Segurança Nacional (Evanir Silveira/Folha Imagem)

Na mesma intervenção que levou o petista à prisão, foram detidos outros sindicalistas, como José Cicote (que mais tarde elegeu-se deputado federal e vice-prefeito de Santo André), Djalma Bom (deputado federal e vice-prefeito de São Bernardo do Campo) e José Maria de Almeida (quatro vezes candidato à Presidência da República pelo PSTU) e os advogados José Carlos Dias e Dalmo Dallari, membros da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, um dos principais organismos de resistência à ditadura.

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Bem tratado

No Dops, Lula e os demais presos não foram torturados, prática comum durante a ditadura. À Comissão da Nacional da Verdade, o petista disse que foi bem tratado pelo então delegado Romeu Tuma, então chefe do Dops e posteriormente senador por São Paulo (1995 a 2010). ”Saí algumas vezes, durante a noite, para ver a minha mãe, que estava com câncer”, disse o ex-presidente. O sindicalista foi liberado para despedir-se de Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como “Dona Lindu”, em seu enterro, no cemitério da Vila Pauliceia.

Lula fichado no DOPS após ser preso, em 1980
Lula fichado no DOPS após ser preso, em 1980 (//Instituto Lula)

O líder sindical gozou de privilégios na cadeia. ”O fato de ser sindicalista e estar brigando por melhores condições de vida criou uma simpatia muito grande entre os investigadores”, relatou o petista. Lula conta que ele e seus companheiros dispunham de rádios e jornais, por exemplo. Tuma ameaçou suspender os benefícios, quando o petista promoveu assembleias com os investigadores. ”Ele fez um escarcéu dizendo que eu não iria ter tratamento especial, que iria tirar rádio e jornal, mas ele saiu e o rádio continuou ligado”, conta o petista.

À Comissão Nacional da Verdade, o petista contou ainda que Tuma atendeu ao seu pedido e disponibilizou uma televisão para que o petista, corintiano fanático, pudesse acompanhar um jogo do seu time do coração contra o Botafogo-RJ.

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A morte da mãe

Durante o período em que esteve preso, Lula também teve um habeas corpus negado, em 2 de maio de 1980. Em resposta, um grupo de mulheres realizou uma passeata exigindo a libertação dos sindicalistas, que, para reforçar as manifestações, iniciaram uma greve de fome, da qual o petista participou a contragosto. ”Sempre fui contra greve de fome, judiar do meu próprio corpo não é comigo, mas o pessoal decidiu”, explicou à comissão. De dentro da prisão, conta ter recebido recados de Frei Chico, seu irmão e um dos seus principais aliados, aconselhando-o a encerrar a greve – ele refutou a sugestão porque temia ser tachado como “traidor”.

O receio advinha dos desdobramentos da greve realizada na fábrica da Scania, em 1978. Na ocasião, cerca de 2 000 trabalhadores cruzaram os braços reivindicando aumento salarial. Lula conduziu as negociações e foi acusado pelos companheiros de ter fechado um acordo prejudicial à categoria. A decisão pelo fim da greve foi tomada pelos trabalhadores, em assembleia geral no interior da igreja matriz de São Bernardo do Campo. A categoria decidiu voltar aos trabalhos. Não houve aumento salarial nem acordo com o governo. O movimento enfraqueceu-se e esvaiu-se, como previu Lula.

O ex-presidente foi mantido preso até 20 de maio. Condenado pela Lei de Segurança Nacional, foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar, mas cassado do cargo de presidente do sindicato.

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