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Raquel Dodge: os desafios que a nova procuradora herda de Janot

Dos inquéritos contra o presidente Michel Temer até o futuro da Operação Lava Jato, nova chefe do Ministério Público tem muito trabalho pela frente

Por Guilherme Venaglia
Atualizado em 17 set 2017, 11h17 - Publicado em 17 set 2017, 10h21

Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) terá a sua primeira mudança de comando em quatro anos. Raquel Elias Ferreira Dodge, de 57 anos, será a primeira mulher a chefiar o órgão, assumindo o cargo apenas quatro dias depois de Rodrigo Janot ter denunciado pela segunda vez o presidente Michel Temer (PMDB), agora por obstrução de Justiça e organização criminosa. Com 30 anos de Ministério Público Federal e postura distante do atual chefe do órgão, ela assume em um cenário de crise política e institucional.

Pela frente, ela terá inquéritos e delações colocando sob suspeita membros dos Poderes Executivo, Legislativo e, mais recentemente, Judiciário. É a primeira vez que um presidente da república é denunciado durante o mandato — não uma, mas duas vezes. A última dessas denúncias, feita na quinta-feira, será responsabilidade de Raquel.

A nova procuradora-geral deverá decidir também sobre quais políticos pedirá investigação e, dependendo do resultado destes inquéritos, quais enfrentarão acusações formais. Entre eles há alguns com notável influência, como os ministros da Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria Geral da Presidência da República), os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL).

Como nova presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Raquel deverá lidar também com interesses corporativos, os altos salários e benefícios da carreira no MPF, que incluiu em sua proposta de orçamento para 2018 um generoso aumento de 16,7% para os procuradores, muito acima das expectativas de inflação para o próximo ano (em torno de 4%). Caberá a ela trabalhar para que o Ministério do Planejamento inclua o reajuste no orçamento — pauta extremamente impopular.

Além disso, estarão em suas mãos decisões que influenciarão diretamente a Operação Lava Jato, que está na fase de apresentação de provas e depoimento das testemunhas. A defesa e manutenção da operação é o principal desafio em face da opinião pública. Seu papel, de não deixar que as investigações sejam abafadas por políticos que não desejam perder privilégios é uma das maiores responsabilidades de Raquel.

Lava Jato no STF
No balanço de gestão, Rodrigo Janot dedicou o primeiro capítulo para falar do combate à corrupção, em especial a Lava Jato (Procuradoria-Geral da República/Reprodução)
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A nova procuradora-geral assume o cargo em meio a um período em que o MPF está dividido e deverá trabalhar para que haja uma reconciliação entre os grupos: Raquel teve menos votos na eleição para o cargo que o candidato de Janot (Nicolao Dino), mas, mesmo sendo a segunda colocada na lista tríplice, foi a escolhida por Michel Temer. Dodge foi apontada como a preferida pelos caciques do PMDB por ser de ala contrária à de Janot — e vai precisar, além de vencer as desconfianças, mostrar que será a procuradora-geral de todos.

Com a árdua tarefa pela frente, Dodge pouco poderá mudar a respeito do que Janot já fez. “Ela terá o papel institucional de chefe do Ministério Público da União. Não muda nada a respeito de processos e denúncias já feitos. Nesses casos, a nova procuradora-geral terá que sustentar os argumentos apresentados inicialmente [por Janot]”, explicou o advogado Daniel Falcão, professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Ela assume o comando do MPF pelos próximos dois anos, período em que devem se desenrolar dois inquéritos contra o presidente. Um deles, em relação à delação dos executivos da JBS, resultou em duas denúncias apresentadas por Janot, sobre as quais Dodge pouco influenciará, a não ser cumprir os ritos programados quando solicitada pela Justiça. Já em relação ao outro, que apura acusações contra o presidente na edição de um decreto para o setor portuário, aí caberá à nova procuradora-geral avaliar as provas a serem colhidas pela Polícia Federal e decidir se Temer enfrentará uma terceira denúncia.

Crise com o Congresso

Janot chegou a cogitar buscar um terceiro mandato. Na disputa por uma vaga na lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), as chances eram boas – tanto que seu aliado na disputa de 2017, o procurador-geral eleitoral Nicolao Dino, venceu a votação, mas foi preterido por Temer. No entanto, essa era apenas a primeira barreira: mesmo que fosse o mais votado, dificilmente conseguiria convencer  o presidente da República a indicá-lo e, caso ocorresse essa remotíssima possibilidade, ainda teria que obter a aprovação de um Congresso no qual é bastante mal visto.

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Contar com a animosidade de senadores e deputados investigados pode ser um bom sinal, porque indicaria que o procurador-geral da República está aplicando a lei de forma irrestrita. Por outro lado, nas últimas semanas, Janot distribuiu denúncias e passou a imagem de açodado contra grupos políticos inteiros no Legislativo. “Sempre que o procurador-geral for bastante atuante, ele vai ter problema com políticos. E é natural que o Congresso não reaja bem”, aponta Falcão.

Segundo o professor, a principal mudança que deve vir com a chegada de Raquel Dodge ao comando da PGR diz respeito às delações premiadas. O perfil da nova procuradora-geral é de ser mais exigente em relação à obtenção de provas e concessão de benefícios. “Na formulação dos acordos, ela deve ter uma postura diferente. Cobrar mais dos delatores que entreguem de forma mais clara as provas do que estão acusando, além de dificilmente firmar superacordos, como o que tinha concedido imunidade aos colaboradores da JBS”, afirmou Falcão, usando como base a trajetória de Dodge em funções anteriores.

Retrovisor quebrado

Mesmo que discorde completamente dos acertos que Janot fez recentemente contra acusados, a trajetória recente do MPF joga contra a tese de que ela vai ter voz ativa para tentar anular delações firmadas anteriormente. É da natureza do cargo de procurador-geral uma grande liberdade para definir seus próprios procedimentos e critérios, mas sem se intrometer no “legado” do antecessor.

Isso não significa que Dodge não tomará nenhuma posição a respeito das delações que estão na corda bamba, como elencou reportagem de VEJA. A diferença é que deve ser cautelosa ao máximo e deixar as decisões finais no colo do Supremo Tribunal Federal (STF). A exceção, é claro, é a colaboração dos delatores do grupo J&F. A suspensão dos benefícios de Joesley Batista e Ricardo Saud já foi pedida ao STF por Janot e tem tudo para continuar no mesmo caminho enquanto estiver nas mãos de Dodge.

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Ser procurador-geral da República implica, também, assumir a presidência do CNMP, o órgão cuja responsabilidade é regular a atuação do Ministério Público em todo o país. Com três anos e meio de existência, a Lava Jato mantém forças-tarefas em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro e depende da PGR para ter  o orçamento necessário. Pouco depois de ser nomeada, Dodge já se manifestou a favor da ampliação do orçamento para os procuradores curitibanos, o que acabou sendo confirmado.

Com o peso da indicação de Temer, Dodge tem tudo para querer afastar a imagem de “coveira” da Lava Jato, principalmente no que diz respeito à própria existência da operação. Após três anos e 42 fases, a investigação ainda parece longe do fim, desatando novos nós e incluindo novos personagens. A procuradora-geral precisa do apoio dos colegas para ter poder de fogo no cargo e qualquer movimento pode aumentar o fosso entre a sede da MPF em Brasília e as forças-tarefas, com influência sobre demais procuradores e opinião pública.

Uma por todos

O Ministério Público Federal não tem hierarquia. Apesar de ser a nova chefe do órgão, Raquel Dodge simplesmente não tem poder para determinar o que outros procuradores devem ou não fazer nas ações penais a que são atribuídos. Por conta disso, precisa contar com o apoio espontâneo e com o espírito de corpo para garantir que seus interesses sejam, de fato, atendidos.

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Resultado da votação que estabeleceu a lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República (PGR) (Associação Nacional dos Procuradores da República/Reprodução)
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A lista tríplice que o presidente da República pode, ou não, acatar amenizou os problemas que ocorriam quando procuradores-gerais não estavam em perfeita sintonia com a maior parte dos seus comandados. Como exemplo, o professor Daniel Falcão cita a gestão de Geraldo Brindeiro, que ocupou a função durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. “O Ministério Público ganhou poderes depois da Constituição de 1988, mas é uma corporação. Se o pessoal não vestir a camisa, o poder do procurador-geral fica esvaziado”, explica.

Dodge precisa conquistar os colegas. Ela estava na lista encaminhada a Temer, mas foi escolhida sem ser a mais votada. Dos 1.108 procuradores que foram às urnas e poderiam optar por até três opções, mais de 47% preferiram não apontar o nome de Dodge. Uma das formas que os chefes do MPF mais utilizam para garantir o apoio no cargo, no entanto, pode ser altamente danoso para as contas públicas: concessão de aumentos de salário e benefícios pelo CNMP. Em julho, o órgão aprovou um aumento de 16,3% nos vencimentos dos membros do MP, um impacto de 116 milhões de reais em 2018.

Uma coisa é certa. A partir desta segunda-feira, ela estará constantemente observada pela opinião pública, pelos políticos que influenciaram sua escolha e pelos procuradores que poderão dar ou não a tinta para a sua caneta. Na agenda, fatos e desafios que ela não pediu e nem criou, mas que aceitou enfrentar ao ser nomeada pela PGR.

Vídeo: Janot sobre apuração da delação da JBS: ‘um dos dias mais tensos’

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