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Prisão de Queiroz aumenta movimento por impeachment dentro da OAB

Para Felipe Santa Cruz, a detenção do ex-assessor na casa do advogado de Bolsonaro exige investigar se o presidente participou de obstrução de Justiça

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 jun 2020, 14h31 - Publicado em 29 jun 2020, 14h02

Há meses, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, vem sendo questionado se a entidade vai ou não apresentar um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Até semanas atrás, seu discurso era cauteloso. Costumava repetir que o impedimento de um presidente não pode ser banalizado. “É um processo doloroso e traumático, porque provoca ruptura política e social”, disse a VEJA em mais de uma ocasião.

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A acusação do ex-ministro Sergio Moro, que afirmou em abril, ao deixar o governo, que Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal diversas vezes — o que abriu a suspeita de que as interferências tinham o objetivo de proteger a família presidencial — fez com que a OAB instaurasse um procedimento na Comissão de Estudos Constitucionais da entidade para apurar se as revelações do ex-juiz da Lava Jato podem levar a provas de que o presidente cometeu crime de responsabilidade.

Mas mesmo após a abertura do procedimento, Santa Cruz se manteve parcimonioso. Em maio, afirmou que a OAB deve ser sempre a última entidade a entrar com um pedido de impeachment, dada a relevância e gravidade do processo. Nos últimos dias, porém, seu discurso mudou de tom. O advogado permanece colocando os verbos na condicional e faz questão de lembrar diversas vezes que é preciso ter serenidade para aguardar a produção de provas de possíveis crimes cometidos por Bolsonaro. No entanto, fala abertamente da possibilidade de implicação do presidente com os enroscos de Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, em uma chácara do advogado Frederick Wassef, que tinha Flávio e o próprio Bolsonaro como clientes. Segundo Santa Cruz, a prisão do Queiroz levanta uma linha de investigação que não pode ser descartada: a de que Flávio e a Presidência da República tenham remunerado o advogado para que ele mantivesse Queiroz guarnecido, longe da Justiça.

O senhor considera que aumentaram as chances de impeachment do presidente Jair Bolsonaro? Tudo depende de investigação e produção de provas, mas tenho de reconhecer que a temperatura aumentou nas últimas semanas. A OAB tem 1,267 milhão de advogados e acaba refletindo o sentimento da sociedade. Tudo o que veio a público, e alguns elementos que dizem respeito à advocacia, que nós vamos ter de apurar na OAB, como a conduta do agora ex-advogado do Flávio Bolsonaro e do presidente (Frederick Wassef). Temos vários deveres de casa para fazer e se trata de um trabalho técnico. Não adianta andar na frente dos fatos. Continuo achando, como cidadão, que é muito difícil travar um debate sobre impeachment nesse ambiente de pandemia, com tantas pessoas morrendo e isoladas, ainda que seja um debate necessário.

Quando o senhor diz que a temperatura aumentou nos últimos dias, entendo que está se referindo à prisão do Queiroz. Mas não é possível vincular o fato ao presidente Bolsonaro. Afinal, o Queiroz era assessor do filho do presidente. Perdoe discordar, mas entendo que há possibilidade de conexão, sim. Os fatos investigados (relacionados à “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio) são anteriores ao exercício da Presidência da República, isso é fato. A lei não permite que o presidente responda por isso, porque não são fatos correlatos ao mandato dele. Mas, quando se olha na história da humanidade, o caso mais célebre de pedido de impeachment é o do presidente americano Richard Nixon, cujo fator decisivo foi a obstrução de Justiça. O crime que está sendo averiguado aqui é o de obstrução de Justiça em investigações que envolvem a família Bolsonaro. Essas investigações envolvem o filho do presidente e agora envolveu o advogado dele e do próprio presidente. É óbvio que a gente tem de aguardar o resultado das apurações feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

“O crime que está sendo averiguado aqui é o de obstrução de Justiça em investigações que envolvem a família Bolsonaro. Essas investigações envolvem o filho do presidente e agora envolveu o advogado dele e do próprio presidente”

A investigação dirá o que aconteceu e o que não aconteceu, mas há um elemento importante, que não pode ser desprezado, que é a força da Presidência da República. A prisão do Queiroz na casa do Wassef levanta uma hipótese de investigação que é a de, além do Flávio, a Presidência da República ter remunerado um advogado para que ele mantivesse Queiroz guarnecido, longe da Justiça. O Ministério Público de Contas já pediu investigação de contratos do governo com uma empresa da ex-mulher e da filha do Wassef. Vamos lembrar que o Wassef dizia publicamente que é advogado do presidente e que esteve 17 vezes nos palácios presidenciais. Isso tudo passou a ser considerado nessas últimas semanas. Se os autos verificarem que o presidente da República participou, de alguma forma, de uma manobra para obstruir a Justiça de modo a proteger a família dele, ele cometeu um crime de responsabilidade. No curso do inquérito há sinais claros de obstrução de justiça. Como eu disse, as provas dirão quem participou dessa obstrução. Estou falando em tese sobre algo que merece ser apurado.

Mas isso seria gravíssimo… É claro que estou falando em tese, mas as provas que podem ser produzidas com o material apreendido na operação, como os celulares, podem vir a mostrar se houve ou não participação do presidente nessa manobra para obstruir a Justiça. É possível que tudo isso venha à luz nos próximos meses. Nesse exato momento deve estar acontecendo a perícia do celular do Queiroz. O que cabe é cobrar a investigação do Ministério Público, que é extremamente competente. Por isso, digo é preciso ter serenidade para aguardar as apurações e não andar na frente dos fatos.

Como o senhor avalia a postura do advogado Frederick Wassef? Cabe ao Tribunal de Ética da OAB de São Paulo fazer essa apuração. O que se sabe é que os advogados da OAB de Campinas, que acompanharam a diligência, concluíram que ali (na casa de Wassef, onde Queiroz foi preso) não era um escritório de advocacia. Esse é o ponto central. Não encontraram nenhum elemento que indicasse que ali funcionava um escritório, além da placa. Não havia uma pasta de cliente, um caderno com anotação de visitas, nada. Isso é muito grave, em tese, porque o sigilo dos nossos escritórios serve para defender a sociedade, não para ser utilizado para outros fins. A prerrogativa da inviolabilidade e do sigilo servem para criar um espaço sagrado, onde o cliente pode confessar, falar livremente, seja ele culpado ou não, com o advogado que é responsável por sua defesa técnica perante o Judiciário. O sigilo é algo muito valioso para nós e para o direito de defesa. Os colegas estão cobrando uma apuração que não deixe dúvidas sobre o que aconteceu nesse caso, para que não se desprestigie o próprio instituto do sigilo dos escritórios de advocacia.

Ouvi de vários juristas que a OAB só entraria com um pedido de impeachment caso tivesse chances reais de ele ser aprovado pelo Congresso. Considerando que o presidente Bolsonaro mantenha-se blindado, com o apoio do Centrão, a Ordem deixaria de apresentar o pedido na Câmara por não ter chances de aprová-lo, ainda que considerasse que o presidente cometeu crime de responsabilidade? Não, nós não nos omitiríamos. Caso houver entendimento de que houve crime de responsabilidade, encaminharemos para a Câmara e lamentaremos o não processamento, caso isso ocorra. Mas acho que devemos ter serenidade e aguardar os fatos, porque todos os dias o presidente dá elementos para gente discutir se há ou não um crime de responsabilidade. Por isso, digo que a temperatura subiu também pelo conjunto da obra desse governo.

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O que significa o “conjunto da obra”? Significa que esse é o governo com a política mais danosa da história para o meio ambiente. Nossa imagem está tão devastada para o mundo quanto a Amazônia. Nosso agronegócio corre risco. É um governo que não governa, que só faz tensionar a própria democracia; que trabalha nos bastidores pela ruptura democrática. A democracia tem o direito de se defender; não pode ficar inerte diante de um governo que parece agir todos os dias para uma situação de “quanto pior, melhor”, para criar uma situação de caos econômico e social que gere a possibilidade dele aí se arvorar em um governante autoritário. Nossa política de relações externas, que é lamentável, está acabando com o Itamaraty; veja que colocaram um racista à frente da Fundação Palmares, acabando com a política de igualdade racial; no campo educacional estamos vendo uma política de destruição da universidade pública. Esse conjunto de péssimos elementos nos autoriza a ter muito cuidado e muita objetividade para apurar o que é crime e o que não é. Isso, sem contar o maior pecado desse governo, que é a atuação diante da pandemia. Temos duas vezes a quantidade de mortes por Covid-19 da nossa região por conta da irresponsabilidade, do discurso dúbio do presidente, do esvaziamento que ele promoveu no Ministério da Saúde durante a pandemia. De todos os possíveis crimes do presidente, talvez esse seja o mais claro: o presidente jogou a população brasileira à própria sorte. Enquanto isso, trabalha com uma agenda político-eleitoral.

Há um prazo para que a Comissão de Estudos Constitucionais apresente o parecer sobre se a OAB deve ou não levar em frente a elaboração de um pedido de impeachment? Ainda não temos uma data. Continuo achando que, por mais graves que sejam os fatos que estão surgindo ou que venham a surgir, essa é uma discussão muito complexa para ser feita durante a pandemia, sem o Congresso estar reunido, sem o Conselho da OAB estar reunido. Após a apresentação do parecer (feito por 15 professores de direito constitucional), caso ele seja pela continuidade, vamos ouvir as 27 seccionais e, só então, levar à votação do Conselho Federal da Ordem, que é igual ao Senado: tem 81 conselheiros, sendo três por estado e três do Distrito Federal.

Como ocorre o processo nas seccionais? Todas as seccionais têm um conselho. No Rio de Janeiro, por exemplo, são 160 conselheiros seccionais que votam em plenário. No último processo, que foi o do ex-presidente Michel Temer, todas as seccionais averiguaram jurídica e politicamente que havia indícios de crime. Nesse caso, a Câmara não abriu o processo. Cada estado e o Distrito Federal faz sua votação.

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