Preparando a saída
Ameaçada de morte e alvo de ataques, a ministra Damares Alves avisou ao presidente Bolsonaro que quer deixar o governo
A ministra Damares Alves é a estrela mais vistosa da constelação de evangélicos do universo político. Há alguns dias, ela se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro para discutir seu futuro. Depois de fazer um balanço das atividades do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares comunicou que vai deixar o cargo. Alega que está cansada e precisa cuidar da saúde, que anda debilitada. Desde que assumiu o comando da Pasta, há quatro meses, a ministra enfrenta uma rotina estressante — mas com um ingrediente incomum: Damares recebe ameaças de morte. Com isso, ela abandonou sua residência, em Brasília, e passou a morar num hotel, cujo endereço é mantido em segredo. Por recomendação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), Damares também não costuma antecipar a agenda, circula pela cidade escoltada e um segurança fica postado na entrada de sua sala durante todo o expediente.
A saída da ministra e pastora evangélica do governo não significa perda de influência dos religiosos. VEJA apurou que, na conversa com o presidente, Damares informou que deixará o ministério apenas quando tiver concluído a revisão dos principais programas da Pasta, o que inclui um pente-fino que já detectou inúmeras fraudes e o treinamento da equipe que vai tocar o trabalho sem ela. A ministra explicou ao presidente que não tem mais condições físicas e emocionais para suportar por muito mais tempo as demandas que o cargo impõe. Damares tem hipotireoidismo e asma, além de sofrer de enxaqueca crônica, só contornada com altas doses de analgésicos. Pelo lado emocional, tem reclamado aos seus interlocutores mais próximos que está abalada com os ataques e ameaças. Bolsonaro, ao ouvir as queixas, desdenhou: “Você vai sair, mas daqui a quatro anos”. A ministra avisou que permanecerá no cargo, no máximo, até dezembro deste ano.
Damares Alves faz parte da tríade de ministros considerados os mais extremistas do governo Bolsonaro — ao lado do chanceler Ernesto Araújo e do chefe da pasta da Educação, Abraham Weintraub, dois discípulos de Olavo de Carvalho, guru da direita radical. Fora dos círculos pentecostais, antes de ser nomeada ministra, era uma desconhecida advogada militante que, em vinte anos como assessora parlamentar na Câmara dos Deputados, se dedicou a trabalhar por projetos de interesse da bancada evangélica. Damares foi chefe de gabinete do deputado João Campos, autor do projeto que estabelece regras para a “cura gay”. A ministra também cuidava da articulação política contra a aprovação de projetos em favor do aborto, da descriminalização das drogas e da criminalização da homofobia. Simultaneamente, como pregadora, era uma vigorosa crítica do que considerava uma erotização precoce de crianças por meio de cartilhas escolares que abordavam temas como a homossexualidade — proposta que ficou conhecida como “kit gay” e se transformaria numa das principais bandeiras de campanha do candidato Bolsonaro. A aproximação dela com o futuro presidente começou nesse período (veja a entrevista).
No governo, porém, a sintonia da ministra com Bolsonaro não é tão fina quanto parece. Eles têm concepções opostas em alguns temas afeitos à Pasta. Bolsonaro é a favor da redução da maioridade penal. Damares considera que “prender crianças” não resolve o problema da criminalidade. Também rejeita a castração química de estupradores, proposta que Bolsonaro já defendeu como deputado. Por outro lado, ela está envolvida num embate com a esquerda, principalmente o PT, o que agrada ao presidente. Seu ministério está promovendo uma ampla revisão dos processos da Comissão de Anistia nos governos de Lula e Dilma Rousseff. O órgão pagou 10 bilhões de reais em indenizações a 39 000 pessoas que se disseram perseguidas ou prejudicadas durante a ditadura militar. A suspeita, até hoje não comprovada, é que a entidade foi conivente com fraudes milionárias.
É sua integridade emocional, porém, que move a ministra a querer deixar o governo. Em dezembro passado, ela começou a sofrer ataques no site de um grupo que se autointitulava Sociedade Secreta Silvestre. A Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) detectaram as ameaças. Na véspera da posse, uma bomba caseira foi deixada próximo a uma igreja distante cerca de 50 quilômetros do centro de Brasília. O artefato não explodiu por uma falha do equipamento, mas tinha, segundo os peritos, considerável poder de destruição. O grupo que reivindicou a tentativa de atentado era o mesmo que havia postado as ameaças à ministra, inclusive divulgando imagens da montagem da bomba, o que fez com que as autoridades levassem as ameaças a sério. Por recomendação da Abin, Damares mudou de endereço e de rotina, mas os ataques não cessaram.
As mensagens postadas falam na morte da ministra “na frente da igreja para impressionar seu povo”, além de conterem estímulos para machucá-la e envenená-la. Por questão de segurança, Damares foi até aconselhada a não ingerir alimentos sem saber sua origem. O mesmo grupo também ameaçou Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente. A polícia chegou a prender três suspeitos de integrar o grupo, que difundia as ameaças através da chamada deep web, um território da internet comumente usado para a prática de crimes, como a pedofilia. Mas eles foram soltos em janeiro por falta de provas. As investigações continuam. Na quinta-feira 2, em Aracaju, Damares foi alvo de protestos ao receber o título de cidadã sergipana. Segundo uma pesquisa do instituto Datafolha, ela é uma das ministras mais populares do governo, ficando atrás apenas de Sergio Moro, da Justiça, e Paulo Guedes, da Economia.
Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633
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