Por que Doria terá de seguir ao lado do ‘inimigo’ Araújo na saga eleitoral
O candidato afastou da coordenação de sua campanha o presidente do PSDB, mas sabe que ele terá papel decisivo por causa da posição que ocupa na sigla
O PSDB encolheu consideravelmente no plano nacional depois do fiasco de Geraldo Alckmin nas eleições de 2018, mas a direção do partido parece não ter aprendido a lição, tanto é que vem acelerando quase que definitivamente rumo ao abismo no pleito deste ano. Trata-se de um impressionante caso de suicídio político movido a vaidades e disputas de poder entre seus caciques. Ao vencer as prévias dos tucanos no fim em outubro, João Doria ganhou o direito de encabeçar a chapa da sigla e, de forma oficial, portanto, virou a esperança da legenda para reconquistar o Palácio do Planalto depois de quase duas décadas. Mal começou a batalha para tentar se viabilizar à sucessão de Jair Bolsonaro, Doria vem perdendo mais tempo no esforço de tentar preservar sua posição de candidato do que em conquistar votos dos eleitores, em meio a um ninho de traições e de desconfianças dentro do PSDB.
Boa parte desse fogo amigo é disparada pelo presidente do partido, Bruno Araújo. Nos bastidores, ele já era considerado o principal inimigo íntimo de Doria e o racha se oficializou no último dia 15, quando o ex-governador o afastou da coordenação de sua campanha. Os dois já não se bicavam havia muito tempo, desde que o grupo de Doria tentou um desastrado movimento em 2019 para tomar o comando nacional do PSDB das mãos do próprio Araújo. Nas prévias do ano passado, o presidente tucano deu o troco, trabalhando firme a favor do governador gaúcho Eduardo Leite, que acabou derrotado, mas até hoje sonha em virar o jogo. Apesar desse histórico pouco amigável, o vencedor das prévias convidou Araújo para coordenar sua campanha presidencial, em um gesto que buscava o apaziguamento interno da sigla. “Esse foi um dos maiores erros políticos da carreira de Doria”, afirma um tucano próximo ao ex-governador paulista. De fato, como se viu, a estratégia de boa vizinhança não funcionou. Araújo aceitou a função meio que a contragosto, mas em pouquíssimo tempo a relação se deteriorou de vez.
Em meio a dificuldades iniciais de uma caminhada que começa com Doria tendo 2% das intenções de voto e mais de 60% de rejeição nas pesquisas, o presidente do PSDB se mostrou um coordenador apático e continuou dando apoio indisfarçável às tentativas de Leite de driblar as prévias e viabilizar sua candidatura. Mas a gota d’água dessa relação conflituosa se deu quando chegaram aos ouvidos de Doria críticas feitas a ele por Araújo em encontros privados. Na tarde do último dia 14, o ex-governador foi informado por um amigo que Araújo esteve no restaurante Nino Cucina, no Itaim Bibi, em São Paulo, com Leite e o ex-prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Jr. A conversa do trio teria girado ao redor de encontrar formas de fazer um dos aliados de Doria fora do PSDB, o presidente do MDB, Baleia Rossi, embarcar no projeto de Leite. Com toda a razão, Doria se sentiu traído, chamou os auxiliares mais próximos e, no dia seguinte, anunciou o afastamento de Araújo — que foi comentado com um irônico “ufa” pelo presidente tucano nas redes sociais.
Araújo confirmou a reunião, mas disse que o almoço foi para convencer o gaúcho a arrefecer sua tentativa de se candidatar à Presidência. Mesmo derrotado, Leite continua a operar nos bastidores e tem o apoio do deputado Aécio Neves (MG), adversário feroz de Doria que, desde o término da votação, tem pressionado Araújo a intervir no resultado para favorecer seu protegido. O presidente do partido resiste à pressão por entender que um “golpe” dificilmente poderia ser explicado ao eleitorado tucano, mas também não assume o seu papel de líder e conciliador. Resultado; o PSDB permanece esfacelado e, a pouco mais de cinco meses da eleição, mostra-se frágil.
Araújo e Doria voltaram a se falar já no sábado seguinte à demissão. Ambos sabem que, independentemente de ocupar ou não cargo na campanha, Araújo tem um papel a ser exercido por causa de sua posição na legenda: é ele quem decidirá como os recursos dos fundos partidário e eleitoral serão distribuídos neste ano. Além disso, será com ele que MDB e União Brasil deverão acertar uma coligação — e quem serão os nomes da chapa que pode ser a última esperança do centro para enfrentar os favoritos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
Enquanto isso, Doria vai atuando no sentido de reduzir danos a seu projeto. Passou a última semana gravando propagandas partidárias que serão exibidas na TV a partir do dia 26. Uma das mensagens que sua equipe quer mostrar ao país é que o ex-governador paulista veio de uma família de baianos e que venceu na vida graças à obstinação e ao trabalho. Em paralelo, a ordem no comitê tucano foi submergir o pré-candidato e retirar a sua imagem do noticiário, tida como desgastada. Doria viajou a Brasília e à Bahia no começo do mês, mas nos últimos dias preferiu reuniões fechadas. Encontrou o ex-presidente Michel Temer e conversou com Leite. Na próxima semana, vai se envolver diretamente nas negociações com Baleia Rossi, Simone Tebet e Luciano Bivar para tratar da tríplice aliança da terceira via — a ideia é definir um nome até 17 de maio. Araújo também participará, como dirigente do PSDB. Será um inimigo íntimo com quem Doria terá de trabalhar se quiser chegar à eleição. Para uma candidatura que já enfrenta muitas dificuldades, é apenas mais uma.
Publicado em VEJA de 27 de abril de 2022, edição nº 2786