Planilha de transportadora de valores mostra 187 pagamentos da Odebrecht
Repasses estão vinculados a 57 codinomes criados pela empreiteira para ocultar a identidade do beneficiário final da propina
Uma planilha da transportadora de valores que operou para a Odebrecht em São Paulo indica que ao menos 187 entregas de dinheiro a políticos, marqueteiros e agentes públicos foram consumadas na capital paulista, entre setembro de 2014 e maio de 2015. O arquivo, que é mantido sob sigilo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), revela os nomes dos intermediários que teriam recebido propina ou caixa dois de campanha e os endereços onde os valores, delatados há dois anos pela empreiteira, foram pagos.
A planilha foi entregue à Polícia Federal por Edgard Venâncio, ex-gerente operacional da Transnacional, empresa contratada pelo doleiro Álvaro José Novis para fazer os pagamentos da Odebrecht em São Paulo. O material é considerado um importante elemento de prova pela força-tarefa da Lava Jato, uma vez que alguns acusados que já foram presos, como o ex-marqueteiro do PT João Santana, confirmaram as datas e os valores que estão na planilha em delações premiadas.
A reportagem cruzou os dados do arquivo da Transnacional com as planilhas fornecidas aos investigadores por Novis e as que foram apreendidas no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht. Os 187 pagamentos cujas datas, valores e senhas coincidem estão vinculados a 57 codinomes criados pela empreiteira para ocultar a identidade do beneficiário final da propina. Somente entre setembro de 2014 e maio de 2015, foram pagos 97,5 milhões de reais em São Paulo.
A maior quantia no período foi direcionada ao codinome “Feira”, atribuído a João Santana. Foram 26 entregas, no valor total de 18 milhões de reais, feitas para William Ali Chaim, operador do PT, e André Santana, assistente do publicitário. Chaim recebeu a maior parte dos repasses no apartamento 1.301 de um flat em Moema, onde ficou hospedado entre agosto e novembro de 2014. Além do endereço e do nome de Chaim, que está preso, a planilha da Transnacional traz o número de telefone celular dele.
O arquivo revela que emissários de políticos de todas as regiões do país viajaram a São Paulo para receber dinheiro da empreiteira em quartos de hotéis ou imóveis próprios. É o caso de Lourival Ferreira Nery Júnior, assessor do senador Ciro Nogueira (PP-PI). O nome dele aparece 11 vezes na planilha, ao lado de cifras que chegam a 6 milhões de reais e dos codinomes “Piqui” e “Aquário 2”, vinculados ao senador. O local dos pagamentos foi um apartamento usado pelo filho de Nogueira em Perdizes, zona oeste da capital. À PF, dois ex-motoristas da Transnacional reconheceram o prédio como um dos locais de entrega.
Distribuição
Na lista da transportadora há pagamentos cujas senhas estão vinculadas aos codinomes atribuídos aos ex-senadores Romero Jucá (MDB-RR), 1,5 milhão de reais, e Edison Lobão (MDB-MA), 1 milhão de reais; ao ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), 1,6 milhão de reais; ao ex-deputado federal e presidente do Corinthians, Andrés Sanchez (PT-SP), 1 milhão de reais; e ao senador Jader Barbalho (MDB-PA), 1,2 milhão de reais. No caso do ex-senador José Agripino Maia (DEM-RN), a planilha mostra dois pagamentos ao assessor dele à época, Raimundo Junior, em um hotel na Consolação, região central. Os repasses somam 1 milhão de reais.
Na lista, aparecem ainda nove entregas para o policial militar Sérgio Rodrigues Vaz, que era motorista de Jayme Rincón, tesoureiro da campanha do ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB). A maior parte dos 4,8 milhões de reais pagos, segundo a planilha, foi entregue no apartamento de Rincón, na região da Avenida Paulista. Uma portadora do senador cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS) chamada Elizabeth Oliveira teria recebido cinco entregas de 500.000 reais em três hotéis da Vila Olímpia, na zona sul.
No mesmo bairro, os policiais militares que faziam as entregas à paisana pela Transnacional levaram, conforme os registros, nove encomendas no valor total 4,5 milhões de reais na sede da empresa de Bruno Martins Gonçalves Ferreira, que trabalhou na campanha da deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. As senhas são as mesmas que aparecem na planilha da Odebrecht vinculadas ao codinome “Coxa”, atribuído a Gleisi.
Já no Brooklin, o documento cita um pagamento de 1,8 milhão de reais relacionado ao codinome “M&M”, relacionado ao ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB). O dinheiro teria sido entregue na casa de Eduardo de Castro, assessor do ex-secretário e tesoureiro Marcos Monteiro.
‘Delações sem comprovação’
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o ex-governador Marconi Perillo (PSDB), os ex-senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Edison Lobão (MDB-MA) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), afirmou que não há provas dos pagamentos ilícitos delatados pela Odebrecht. “São delações sem nenhum tipo de comprovação. Estamos num momento interessante de fazer o enfrentamento dessas delações que foram feitas sem nenhuma responsabilidade e homologadas sem que o Poder Judiciário tivesse exercido o poder real de controle. Até agora, de seis denúncias que foram feitas no STF, conseguimos rejeitar cinco.”
A defesa do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que “ignora os fatos noticiados” e que ele “nunca recebeu qualquer valor a título de contribuição de campanha eleitoral que não tenha sido devidamente declarado nos termos da legislação eleitoral vigente”.
O ex-senador José Agripino Maia (DEM-RN) não se manifestou, assim como as defesas do publicitário João Santana e do ex-governador Beto Richa (PSDB). O criminalista Antonio Figueiredo Basto, que defende o senador cassado Delcídio Amaral, não quis comentar.
O senador Jader Barbalho (MDB-PA) rebateu o conteúdo da planilha. “Não existe a menor possibilidade de isso ter acontecido. Considero esse assunto uma pilhéria. Um deboche.” A defesa da deputada Gleisi Hofmann (PT-PR) disse que já se manifestou anteriormente sobre o caso e que não tem “comentários adicionais”.
O advogado João dos Santos Gomes Filho, que defende Andrés Sanchez, disse que testemunhas não reconheceram o homem apontado como intermediário do petista. “É lamentável que uma prova de conhecimento negativa seja obnubilada por uma tentativa de fixar um endereço”, afirmou.
A defesa de Álvaro José Novis, que fez acordo de colaboração, afirmou que “ele era apenas o operacional financeiro” e “não sabia quem era o destinatário final das entregas”. O mesmo alegou a defesa do gerente da Transnacional Edgard Venâncio. A Odebrecht afirmou que “tem colaborado de forma eficaz com as autoridades em busca do pleno esclarecimento dos fatos narrados pela empresa e ex-executivos”.