Marcos Rogério pode abrir caminho para o ‘Rei dos Precatórios’ no Senado
Se o projeto de disputar o governo de Rondônia for vitorioso, senador dará lugar a suplente milionário que foi o maior doador de sua campanha
Quem assiste às sessões da CPI da Pandemia, que deve votar o seu relatório final na quarta, dia 20, já constatou que Jair Bolsonaro tem uma diminuta tropa disposta a protegê-lo, sendo que o soldado mais escandalosamente dedicado à causa é o senador Marcos Rogério (DEM-RO). Com voz de locutor, com a qual ganhou a vida no rádio, ele atormenta os oposicionistas com seguidos questionamentos sobre o foco no governo federal e provocações como tentar convocar depoentes que corroboram coisas como tratamento precoce e ataques à vacina e ao distanciamento social. Na Casa, fora da CPI, sua atuação se baseia na defesa de armas e pautas conservadoras, como o questionamento de ações pró-diversidade (tenta derrubar decisão do STF que equipara homofobia a racismo e tem projeto para permitir que religiosos se recusem a celebrar casamentos de pessoas do mesmo sexo). Também atua em favor de agricultores ao propor legalizar terras da União já ocupadas, enquanto tenta qualificar invasões de propriedades por sem-terra como atos terroristas.
Ex-deputado federal por oito anos e senador de primeiro mandato, Rogério se prepara para alçar um novo voo: quer disputar o governo de Rondônia em 2022, alavancado pelo bolsonarismo que abraçou no Congresso. Nas pesquisas locais, o senador aparece na segunda colocação, atrás do governador Marcos Rocha (PSL). Evangélico da Assembleia de Deus, Rogério, apesar de associado cada vez mais ao bolsonarismo, diz não esperar engajamento do presidente na eleição. “A defesa que faço do governo é fruto de minhas convicções políticas”, jura.
Se o seu projeto for vitorioso, o Senado perderá o ex-radialista, ex-repórter de TV e ex-fotógrafo de casamentos que fustiga a oposição no papel de “pit bull” do governo e ganhará o milionário “Rei dos Precatórios”. Quem assumirá o posto é o advogado Samuel Pereira de Araújo, primeiro suplente em sua chapa e, não por acaso, o maior doador da campanha (855 000 reais). Araújo fez fortuna (53 milhões de reais) com operações envolvendo precatórios. Dono de empresa de factoring, ele compra os papéis com descontos e briga no Judiciário para obter valores muito maiores, o que está dentro da legalidade. Mas esse tipo de negócio já lhe rendeu um problema na Justiça. Em dezembro de 2018, foi apontado como autor de ameaça de morte contra o presidente do TJRO, Walter Waltenberg, por uma disputa sobre precatório. A representação do promotor Geraldo Henrique Guimarães está no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Posteriormente à denúncia, em carta ao CNJ, o magistrado tentou pôr panos quentes na história: disse que era amigo de Araújo e que o áudio no qual relatava a ameaça não passara de brincadeira. Em janeiro deste ano, Waltenberg morreu vítima de Covid-19.
Há um certo mistério sobre como o “Rei dos Precatórios”, hoje filiado ao PSDB, virou mecenas e suplente do senador. Marcos Rogério diz que a parceria com Araújo foi fruto de uma negociação dentro da composição político-partidária. Já o PSDB tem outra versão. “A indicação é pessoal do Marcos”, garante Expedito Junior (PSDB), candidato ao governo pela coligação. Antes disso, Araújo e Rogério haviam sido companheiros no PDT — o primeiro se tornou suplente de deputado estadual em 1998 e o segundo foi deputado federal. Araújo assinou a ficha para entrar no PSDB um dia antes do prazo final estipulado para concorrer ao pleito de 2018.
Para um parlamentar conhecido pelo discurso moralista e conservador, Marcos Rogério já teve o constrangimento de ter de devolver dinheiro ao Senado quando se descobriu que pagava para a ex-mulher um aluguel de 4 600 reais mensais por um imóvel em Ji-Paraná (RO), onde supostamente tinha um escritório político. Na eleição, a empresa com a qual Rogério mais gastou foi a Supergraf, de Izaias Alves Pereira Júnior, investigado pela Polícia Civil por participação em um esquema de financiamento de campanhas em troca de indicações de funcionários fantasmas em gabinetes. A saia-justa mais recente envolveu o assessor Marcelo Guimarães Cortez Leite, demitido em setembro por Marcos Rogério depois de ele ter sido alvo de uma operação da PF sobre tráfico de drogas. Na semana passada, durante um bate-boca na sessão da CPI da Pandemia, Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou o episódio. Marcos Rogério retrucou: “Ninguém monitora o que um assessor ou outro faz ou deixa de fazer”. Agir como “pit bull” é fácil. Difícil é explicar a coincidência de possuir tantas ligações polêmicas.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760