Padrinho do candidato do PT na Bahia, Rui Costa vira alvo de dossiê
Circularam em Brasília fotos, documentos e insinuações maldosas sobre uma transação imobiliária envolvendo o governador - sem provas das irregularidades
Campeão de votos em 2018 e com excelentes índices de aprovação, no início do ano o governador Rui Costa, da Bahia, tinha no horizonte uma eleição praticamente assegurada para o Senado. O PT, no entanto, queria priorizar a campanha de Lula, o que significava fechar determinadas alianças e abrir mão de uma candidatura própria ao Congresso. Prevaleceu o interesse do partido. Ficou combinado que o sacrifício do governador será devidamente recompensado em caso de vitória do ex-presidente. Costa, enquanto isso, lança mão de sua popularidade para cabalar votos para Lula e para Jerônimo Rodrigues, o candidato que ele escolheu para suceder a ele no governo estadual. No primeiro turno, o ex-presidente teve 70% dos votos dos baianos, resultado que já era mais ou menos esperado. Jerônimo, porém, surpreendeu, conquistou 49% dos votos e vai disputar o segundo turno com ACM Neto (União) na condição de favorito. Credita-se ao empenho de Rui Costa o sucesso de seu afilhado político. Por causa disso, o governador também se transformou em alvo dos adversários.
E o tiro foi dado. Na semana passada, circulou em Brasília um dossiê com fotos, documentos e insinuações maldosas sobre uma transação imobiliária envolvendo o governador. Em maio deste ano, Costa comprou por 2,5 milhões de reais um apartamento num bairro chique de Salvador. De acordo com os documentos cartoriais, pagou 2,1 milhões à vista e financiou o restante em 180 meses. O dossiê insinua que o governador não teria como justificar a origem dos recursos usados na transação. Quando disputou a reeleição em 2018, ele declarou à Justiça Eleitoral que seus bens se resumiam a um imóvel avaliado na época em 632 000 reais. Indagado, Rui Costa não se pronunciou até o fechamento desta edição. Mas não é apenas isso o que chama a atenção no negócio. Há outros detalhes curiosos.
Localizado no 4º andar do Edifício Mansão Bahiano de Tênis, em Salvador, o imóvel onde Costa passou a viver com a família tem 305 metros quadrados, varanda gourmet, quatro suítes, closet e jardim. Consultado por VEJA, um corretor da Graça Empreendimentos Imobiliários, a proprietária do prédio, informou na última terça-feira que o apartamento mais caro do condomínio vale 16 milhões de reais. Uma unidade comum, como a adquirida pelo governador, custa em média 4 milhões de reais, dependendo do andar. Quanto mais alto, mais caro. Se o corretor de plantão não se enganou, Costa fez um excelente negócio, conseguindo um desconto de quase 40% no valor venal. O outro detalhe curioso que está sendo explorado pelos adversários do petista é que a Graça Empreendimentos pertence ao grupo Moura Dubeux, uma das maiores incorporadoras do Nordeste. Cinco meses antes do negócio, por coincidência — ou não —, a empresa resolveu a seu favor um litígio que mantinha com o governo da Bahia.
Desde 2021, o Moura Dubeux tentava obter uma autorização para erguer um prédio de 21 andares num dos bairros mais valorizados de Salvador. A área é tombada e, por lei, qualquer edificação precisa ser aprovada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), repartição vinculada ao governo do estado. Ao analisar o pedido da construtora, o Ipac desautorizou o empreendimento, por entender que o projeto ultrapassava “os critérios considerados aceitáveis para preservar o conjunto paisagístico” da região. No despacho, assinado por João Carlos Cruz de Oliveira, diretor-geral do órgão, o instituto adverte que um prédio naquele bairro poderia ter no máximo doze andares, nove a menos do que a construtora pretendia. No início deste ano, algo ainda não muito bem explicado aconteceu. O Ipac mudou completamente o entendimento inicial sobre a altura do edifício e liberou a construção.
Eis a explicação do instituto: “Observando-se as simulações da inserção da volumetria do empreendimento apresentadas pelo requerente, entendeu-se que sua implantação não acarretaria impedimentos de visibilidade do conjunto tutelado, apenas se integra numa relação de ambiência adjacente à poligonal tombada, já caracterizada por verticalização e elevada descaracterização”. Em resumo, a altura do prédio não era mais um problema. Fora as coincidências — e a estranha mudança de entendimento do instituto —, não há prova objetiva de irregularidades envolvendo Rui Costa, a empreiteira ou a compra do apartamento. Em nota, a Moura Dubeux informou que a venda do apartamento para Rui Costa “seguiu o valor vigente à época” e que tinha esse preço por ser uma unidade localizada em andar mais baixo. Questionada sobre a mudança de posicionamento do IPAC, a incorporadora comunicou que o prédio que pretendia levantar no bairro de Rio Vermelho “se encontra fora” da área considerada tombada.
O caso, no entanto, deve ser usado pela campanha de ACM Neto para desgastar a imagem do governador e, por tabela, a do adversário Jerônimo Rodrigues, um professor universitário que foi secretário estadual da Educação na gestão do padrinho. A eleição, que parecia definida em favor do PT, ainda não acabou.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811