Os planos dos candidatos para a guerra na TV, que pode definir a eleição
Ao contrário de 2018, os debates, as entrevistas e os programas eleitorais serão fundamentais para revelar o que pensam os presidenciáveis
É inegável a influência da televisão nas campanhas presidenciais realizadas após a redemocratização. O PT reclama até hoje da edição do último debate na TV, em 1989, entre Lula e Fernando Collor de Mello, que, segundo o partido, foi feito para prejudicar o petista. Em 2014, a propaganda eleitoral de Dilma Rousseff, comandada pelo marqueteiro João Santana, hoje a serviço de Ciro Gomes (PDT), dedicou minutos preciosos para desconstruir com mentiras a candidatura de Marina Silva, que despontava como uma ameaça à reeleição da então presidente. A estratégia deu certo: Marina perdeu musculatura, Dilma foi reeleita, e as feridas daquela ofensiva ainda não cicatrizaram, tanto que Marina resiste a declarar apoio a Lula na atual campanha. Em oito eleições diretas desde o fim da ditadura militar, o poder da TV só foi posto em xeque uma vez, em 2018, quando Jair Bolsonaro venceu por um partido nanico e com apenas oito segundos na propaganda eleitoral. Deputado do baixo clero, ele ganhou embalado pelas redes sociais, e sua consagração parecia um prenúncio de que a campanha televisiva perderia importância ou seria relegada a segundo plano. Nada disso ocorreu.
Em 2022, os presidenciáveis mais bem colocados nas pesquisas apostarão pesado na TV. Há consenso entre eles de que uma campanha, para ter sucesso, precisa combinar bem o material veiculado na televisão com as mensagens postadas nas redes sociais. Um meio tem de complementar o outro, até porque, em muitos casos, eles atingem públicos diferentes. Os próprios coordenadores da campanha à reeleição de Bolsonaro são entusiastas dessa estratégia. À frente de uma coligação que reúne PL, Progressistas e Republicanos, o presidente terá a segunda maior fatia na TV entre os concorrentes (veja o quadro). Serão dois minutos e 38 segundos por bloco na propaganda eleitoral, além de 207 inserções ao longo da programação. Esse tempo será usado para atingir dois objetivos: vender as realizações do governo, como o novo valor do Auxílio Brasil e a recente redução do preço da gasolina, e insuflar o antipetismo, rememorando denúncias de corrupção contra Lula e o PT.
Por mais que prefira as redes sociais, Bolsonaro está comprometido com o projeto de buscar votos na TV. Na última segunda-feira, 22, o presidente abriu uma rodada de entrevistas do Jornal Nacional, da Rede Globo, com os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas. Durante o programa, Bolsonaro defendeu sua atuação na pandemia, reconhecidamente negacionista, traçou um cenário otimista na economia e evitou confrontos com representantes de outros poderes e com os entrevistadores. Uma parte de seus assessores disse que o resultado foi bom porque o chefe manteve o equilíbrio e, assim, não se afastou do eleitor indeciso, que quer moderação e está cansado de sua retórica beligerante. Antes da entrevista, havia o temor de que o presidente se irritasse e até deixasse a bancada ou que partisse para cima da emissora caso fossem abordados os pagamentos de Fabrício Queiroz, o operador da rachadinha, à primeira-dama Michelle. O tema nem sequer foi tratado. “Foi extremamente positivo”, disse um ministro a VEJA. Essa análise não é consensual.
Para outros assessores, Bolsonaro perdeu uma oportunidade de ouro para encurtar a desvantagem em relação a Lula, já que o Jornal Nacional é líder de audiência em horário nobre na TV aberta.
“Foi um zero a zero perdendo pênalti”, lamentou um aliado do presidente. As intenções de voto trazidas pela televisão são um grande desafio para a campanha à reeleição. Pesquisa Genial/Quaest divulgada em 17 de agosto mostrou que 44% dos entrevistados se informam sobre política pela televisão, 25% pelas redes sociais, 17% por rádio, jornais impressos e WhatsApp, e 10% por sites, blogs e portais de notícias. Na estratégica faixa de renda de zero a dois salários mínimos, a fatia da TV é ainda maior, de 50%, enquanto a das redes sociais cai para 22%. Entre quem se informa sobre política pela televisão, Lula tem 52% das intenções de voto e Bolsonaro marca 25%. Já entre aqueles que se informam pelas redes sociais, Bolsonaro lidera por 47% a 37%. Ou seja: o presidente precisa ganhar terreno na televisão.
O plano para isso já está traçado e é tocado por uma equipe profissional de comunicação e marketing, com direito a gravações em estúdio de ponta — muito diferente do que aconteceu na eleição passada. Com as propagandas na TV, Bolsonaro quer resgatar os eleitores “arrependidos”, um contingente de 15% que votou nele em 2018 e tem forte inclinação antipetista, mas agora busca outro candidato. Hoje, esse grupo estaria menos sensível aos arroubos, lacrações e despautérios do presidente. A forma de trazê-lo de volta será repetir na propaganda eleitoral o “Bolsonaro do Jornal Nacional”, mais contido e sereno, com acenos retóricos à estabilidade. Pelo roteiro traçado, as peças de TV também contarão com a participação da primeira-dama Michelle, considerada um ativo importante para conquistar votos entre as mulheres e os evangélicos, e destacarão a agenda de costumes e a defesa da família e da religiosidade. Boa parte dessa tática já está sendo testada no universo digital, numa prova de que haverá uma simbiose com a TV (leia a reportagem na pág. 24). A participação no Jornal Nacional, por exemplo, repercutiu imediatamente nas redes sociais. Segundo a Quaest, 9 milhões de pessoas foram impactadas com postagens sobre a entrevista durante a sua exibição. Do total de menções a Bolsonaro, 35% foram positivas e 65% negativas.
No quesito repercussão, o desempenho de Ciro Gomes foi melhor. Em sua quarta candidatura presidencial, o ex-ministro deu entrevista ao Jornal Nacional na terça-feira 23. Contrariando seu temperamento mercurial e sua propensão à arenga, ele se apresentou como um grande conciliador e vendeu uma série de propostas. Entre elas, taxar grandes fortunas para bancar um programa de renda mínima que pagaria 1 000 reais a 60 milhões de brasileiros. Durante a entrevista, 2 milhões de pessoas foram impactadas com postagens nas redes sociais, sendo que 54% das menções a Ciro foram positivas. O pedetista, que só terá 52 segundos na propaganda eleitoral, aproveitou a oportunidade para convidar o eleitor a conhecer seu canal de televisão na internet. Bem-humorado, brincou que concorrerá com a Globo. Também estavam previstas entrevistas de Lula e Simone Tebet (MDB), que ocorreriam após o fechamento desta edição de VEJA. Com apenas 2% de intenções de voto, a senadora conta com seu tempo na propaganda da TV, o terceiro maior entre os concorrentes, para se tornar mais conhecida — 70% do eleitorado não sabe quem ela é.
Suas peças apresentarão o seu currículo e terão como temas centrais a fome e o combate à pobreza. “Você não tem como comparar a Simone com o presidente Bolsonaro ou com o ex-presidente Lula, que são pessoas com grande capacidade de comunicação nas redes, muitos seguidores e uma movimentação muito grande de conversa sobre eles. Mas na televisão não é assim, e fica estabelecido um equilíbrio de forças e um diálogo mais democrático”, diz Felipe Soutello, marqueteiro da senadora. A propaganda eleitoral na TV começa no próximo dia 26. Lula deu o tom de sua estratégia num vídeo divulgado nas redes sociais no dia 16, quando foi iniciada oficialmente a campanha. Nele, o petista promete lutar contra a fome e a alta da inflação, que desgastam a imagem do rival Bolsonaro. Como de costume, os dois líderes das pesquisas usarão suas peças para exaltar as próprias virtudes, reais ou imaginárias, e estimular a rejeição ao adversário. Outro ponto em comum: para fugir do contraditório, ambos pretendem participar de poucos debates na TV, reduzindo a possibilidade de comparação das biografias, ideias e propostas. Lula e Bolsonaro podem até se beneficiar dessa iniciativa, mas, se ela se confirmar, haverá um perdedor incontestável: você, eleitor.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804