Os candidatos a herdeiro dos votos de Bolsonaro para 2026
Os primeiros aspirantes a representar a direita daqui a quatro anos se movimentam — mas ainda é muito cedo para dizer que o ex-presidente está fora do jogo
Até poucas horas antes do anúncio do resultado final da eleição, Jair Bolsonaro não tinha qualquer dúvida sobre sua vitória, exceto, claro, se houvesse fraude no processo de votação. Não houve fraude alguma, o ex-capitão foi o primeiro presidente da história que não conseguiu a reeleição e pouco se sabe sobre o que aconteceu nos sessenta dias que se seguiram até ele embarcar para a Flórida, nos Estados Unidos, às vésperas do fim do mandato. Além da família, pouquíssimas pessoas tiveram acesso ao Palácio da Alvorada, onde o presidente permaneceu a maior parte do tempo após a derrota. No início, Bolsonaro parecia transtornado, falava pouco, não se alimentava direito, a imunidade caiu, uma infecção grave atingiu uma de suas pernas e perguntava repetitivamente aos interlocutores o que havia acontecido. Depois do baque, lhe sugeriram visitar os acampamentos montados em frente aos quartéis, o que ele (acertadamente) recusou. Um desses interlocutores conta que o presidente não tinha plano B, foi embora sem revelar o que pretende fazer de agora em diante e não disse quando voltará — e se voltará. Evidentemente, tem muita gente interessada em saber seus planos.
As urnas revelaram um Brasil literalmente dividido ao meio. Lula, o vencedor, teve 60 milhões de votos, o equivalente a 51% dos eleitores, enquanto Bolsonaro, o derrotado, registrou 2 milhões de votos a menos — uma diferença quase irrisória em termos proporcionais. O resultado ainda será alvo de estudos e análises, mas uma conclusão parece certeira: parte considerável dos brasileiros que votaram em Lula fez isso porque não queria mais Bolsonaro no Planalto, assim como outra parte também considerável dos eleitores de Bolsonaro votou nele para tentar impedir o retorno de Lula ao poder. Resumindo: se fosse possível somar os votos de um e de outro tendo como critério a rejeição, se constataria que a maioria não queria nem Lula nem Bolsonaro. Isso abre uma janela de oportunidades para aliados, ex-aliados e até mesmo adversários políticos do ex-presidente.
Não é de hoje, por exemplo, que o general Hamilton Mourão alimenta planos para se candidatar à Presidência da República. Quando ingressou na política, pelo nanico PRTB, em 2018, ele tentou se viabilizar como opção para o eleitorado de direita. Usava como trunfo o fato de ter sido punido por ter defendido o impeachment de Dilma Rousseff. Como vice-presidente de Bolsonaro, Mourão passou quatro anos sob a sombra e a desconfiança do ex-capitão, que enxergava nele um adversário. Na semana passada, o general, no exercício da Presidência, convocou uma cadeia de rádio e televisão para divulgar uma mensagem institucional de fim de ano. Aproveitou para criticar “lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país e deixaram que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um clima de caos e de desagregação social”. Por mais que o general negue, ninguém tem dúvida de que o petardo foi dirigido a Bolsonaro. Eleito senador, Mourão se posiciona como um candidato a herdeiro da direita. Será difícil, mas a apresentação foi feita.
Uma pesquisa do Datafolha mostra que apenas 56% dos eleitores de Bolsonaro se dizem de fato bolsonaristas. O restante, um universo de mais de 25 milhões de pessoas que escolheram o ex-capitão no segundo turno, poderia, em tese, endossar outros nomes. A constatação de que existe uma avenida de eleitores órfãos de uma candidatura identificada com o anti-PT coloca desde já a próxima eleição no radar também de bolsonaristas sem muita convicção ou raiz, como o novo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o senador eleito Sergio Moro (União-PR). Festejado como o maior exemplo do potencial de transferência de votos do ex-presidente, Tarcísio nunca havia disputado um cargo eletivo na vida e, na estreia, amealhou mais de 13 milhões de votos. Recentemente, ele despertou a ira do círculo próximo ao ex-mandatário ao declarar que não se considerava “bolsonarista raiz” e que achava um erro alimentar a tensão entre os poderes. Entre políticos, a aposta é que Tarcísio já pensa em voos próprios em 2026, o que ele nega. Moro, que se elegeu senador pelo Paraná, também é visto como um potencial presidenciável mais por ambição pessoal do que por vontade de seu partido, o União Brasil, que já aderiu ao governo Lula.
Embora existam pretendentes, a vaga ainda não está vazia. O PL, partido de Jair Bolsonaro, tem planos para o ex-presidente. A legenda já providenciou um escritório para ele, está selecionando especialistas em determinados assuntos para auxiliá-lo e rascunhando estratégias de ação para mantê-lo em evidência nos próximos quatro anos e desidratar movimentos de aspirantes a herdeiros de seu legado. “Bolsonaro poderia vestir o figurino de líder de uma oposição e tentar liderar as pessoas nas ruas, inclusive para fazer a deslegitimação do novo governo ou campanhas para o impeachment de Lula”, diz o pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Jonas Medeiros, estudioso de movimentos conservadores. Essa transformação, no entanto, não será necessariamente automática: “É um movimento delicado porque o grande ativo do ex-presidente é exatamente se apresentar como antissistema, e não como uma figura institucionalizada”, acrescenta.
Desconfiado por natureza, Bolsonaro ainda não deu pistas se topará ou seguirá conselhos da equipe. O fato é que, no rastro do ex-presidente, o PL se transformou no maior partido do país. Se ele, por alguma razão, decidir que não pretende mais disputar o Planalto, o partido já discute reservadamente um ousado plano B: estimular Michelle Bolsonaro a assumir o lugar do marido em 2026. Evangélica, a ex-primeira-dama teve um desempenho considerado pelos liberais como acima da média em sua estreia em palcos políticos durante a campanha. Já está definido que ela comandará a ala feminina do PL tão logo retorne dos Estados Unidos. Imaginar a simples hipótese de uma candidatura de Michelle à Presidência da República pelo maior partido do país parece um desatino — e a lógica permite afirmar que realmente é. Mas é recomendável não esquecer que Jair Bolsonaro começou assim.
Publicado em VEJA de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823