O xadrez do Judiciário contra Jair Bolsonaro
Sucessão de decisões judiciais sinalizam que STF e TSE montam arsenal contra o presidente da República
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro ataca o Supremo Tribunal Federal (STF) por considerar que seu governo é alvo de um ativismo judicial exacerbado, ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiriam, em conversas reservadas, manter abertas e sem previsão de julgamento ações que pedem a cassação da chapa presidencial. A ideia original era enterrar no final do ano passado todos os questionamentos contra a vitória eleitoral de Bolsonaro, mas o ministro Alexandre de Moraes, que conduz no STF duas investigações que podem atingir o bolsonarismo – os inquéritos sobre fake news e promoção de atos antidemocráticos – afirmou a outros integrantes do TSE que o melhor a se fazer era esperar que provas dos casos possam dar robustez ao julgamento do presidente na Corte Eleitoral.
Entre juízes, a afirmação de Moraes foi interpretada como um recado de que ele busca no acervo do inquérito das fake news, que contêm dados como a quebra de sigilo de empresários apoiadores de Bolsonaro, eventuais elementos para embasar os pedidos de cassação. Na prática, o movimento também representa uma constante espada sob a cabeça do presidente, uma arma que poderia ser acionada futuramente caso os ministros considerem necessário. Em fevereiro, o Tribunal Eleitoral rejeitou duas ações que pediam a cassação do presidente, mas ainda tramitam na Corte outros casos que discutem o disparo massivo e ilegal de mensagens pela campanha bolsonarista, tema que, no limite, pode levar o presidente e o vice Hamilton Mourão a perderem o cargo por abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação.
No TSE, Alexandre de Moraes também mandou um outro recado ao bolsonarismo ao votar recentemente para incluir a prática de rachadinha entre os crimes que tornam um político inelegível. O caso poderia ser aplicado ao senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, se ele for condenado no processo a que responde por peculato e organização criminosa por suspeitas de ter embolsado parte do salário dos funcionários quando era deputado estadual.
Não é de hoje que o Judiciário nutre desconfiança em relação ao presidente. Desde os primeiros meses de governo, ministros do Supremo consideraram necessário criar um movimento de resistência aos arroubos do ex-capitão e mandar indicativos a Jair Bolsonaro. O Supremo fez chegar ao Palácio do Planalto, por exemplo, a informação de que pode colocar em votação a qualquer momento um pedido para que o Ministério Público seja obrigado a abrir uma investigação contra o chefe do Executivo por genocídio. Embora com remotíssimas chances de prosperar, a ideia voltou a ser considerada após o ministro Edson Fachin – atacado recentemente com impropérios desferidos pelo deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) – pedir que o caso seja levado ao Plenário físico (e consequentemente televisionado) para debate.
Há pouco mais de quatro meses, a ministra Cármen Lúcia havia rejeitado a mesma ação, que envolvia acusações de que o presidente teria sabotado o acesso de índios e quilombolas a água potável. Agora, é do interesse do próprio Supremo alimentar o discurso de que o presidente pode estar próximo do banco dos réus. Também partiu de Cármen Lúcia um despacho protocolar, mas que entre apoiadores do presidente, foi tomado como mais uma provocação do Supremo contra seu governo: a magistrada abriu prazo para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), se manifeste sobre a análise de pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
Na última semana, duas outras decisões do Supremo reforçaram a intenção dos ministros de se posicionarem contra determinadas políticas adotadas por Bolsonaro. Em dois despachos, a ministra Rosa Weber suspendeu grande parte das novas regras de Executivo para a posse e porte de armas e a compra de munição e impediu, por exemplo, a possibilidade de civis terem até seis armas em casa, de crianças a partir de 14 anos poderem praticar tiro esportivo e de munições não serem mais controladas pelo Exército. O caso foi colocado para apreciação dos outros dez ministros. Edson Fachin votou e concordou com Rosa, Alexandre de Moraes pediu vista.