O recuo desastroso de Fabio Wajngarten na CPI da Pandemia
Trechos da gravação da entrevista a VEJA mostram que, para preservar Bolsonaro, o ex-secretário distorceu informações
O depoimento do ex-secretário de Comunicação da Presidência, o empresário Fabio Wajngarten, era aguardado com enorme expectativa pelos senadores que compõem a CPI da Pandemia. Em entrevista a VEJA, no mês passado, ele havia responsabilizado o Ministério da Saúde pelo atraso da chegada ao Brasil das vacinas contra a Covid-19. O motivo? Incompetência do Ministério da Saúde. Wajngarten revelou que, em novembro de 2020, soube que a farmacêutica Pfizer tinha enviado uma carta ao governo brasileiro oferecendo seu imunizante, que estava na fase final de testes nos Estados Unidos. O documento havia sido encaminhado para várias autoridades, entre elas o presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Nenhum deles, porém, teria movimentado uma única palha para comprar a vacina. Diante do descaso, o secretário tomou a iniciativa de entrar em contato com a empresa, discutiu detalhes do contrato, conseguiu abatimento no preço e o compromisso de antecipação da entrega dos primeiros lotes. Mesmo depois de tudo isso, o acordo não prosperou. Havia gente dentro do próprio governo tentando sabotar o negócio.
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Para os parlamentares, as revelações de Wajngarten tinham cheiro de pólvora, eram o que havia surgido de mais contundente e promissor até então para sustentar o enredo de que houve negligência no combate ao coronavírus. Na quarta-feira 12, o empresário prestou depoimento à CPI da Pandemia. Ele sabia que a oposição, que é absoluta maioria na comissão de inquérito, tentaria usar suas declarações para desgastar o presidente da República. Se na véspera o ex-secretário de Comunicação era considerado um potencial homem-bomba, durante a sessão ele se apresentou como um soldado leal ao antigo chefe. Wajngarten fez o que pôde para poupar Bolsonaro e, para surpresa geral, não hesitou em defender e até elogiar o general Eduardo Pazuello, seu desafeto. Com o recuo, Wajngarten preservou razoavelmente o governo, mas acabou se complicando de tal forma que por muito pouco não teve a prisão decretada pelos integrantes da CPI. Ele foi salvo por uma intervenção do presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), que exortou os colegas a não promover um julgamento sumário.
O depoimento de Wajngarten, que durou cerca de oito horas, pode ser dividido em duas frentes. Na primeira, ele explicou — ou tentou explicar — como se envolveu no caso da compra das vacinas da Pfizer. O ex-secretário repetiu basicamente o que já dissera na entrevista a VEJA: confirmou que foi alertado sobre a existência da carta da farmacêutica, pela falta de resposta do governo e, por conta própria, decidiu agir por reconhecer a gravidade da pandemia e a necessidade de compra de vacinas. O relato foi considerado por Omar Aziz a mais importante informação colhida pela CPI até aquela altura. O senador não disse claramente, mas a informação corroborava a tese de que o governo foi negligente. Primeiro a fazer perguntas, o senador Renan Calheiros, relator da comissão, tentou esclarecer a origem de outras posturas irresponsáveis ou negacionistas do governo. Questionou, por exemplo, quem aconselhava o presidente a dar declarações que sabotavam as recomendações sanitárias e os esforços de contenção da pandemia. Em seu primeiro erro, Wajngarten respondeu a Renan que perguntasse a Bolsonaro. A reação e a reprimenda dos senadores foram imediatas.
O erro capital de Wajngarten, no entanto, ocorreu na segunda frente de seu depoimento: quando foi abordada a entrevista a VEJA na qual ele declarou que “houve incompetência” e responsabilizou o Ministério da Saúde pelo atraso da imunização da população. Perguntando sobre as declarações dadas à revista, Wajngarten alternou respostas. Disse que a incompetência era da burocracia da máquina pública. Depois, afirmou que não havia acusado nominalmente o ministro Pazuello, o que é verdade. Até que, sentindo-se acuado, passou a tentar reescrever o que declarara. Tal postura ocorreu diversas vezes, mas ficou clara num diálogo com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). “O senhor confirma que de fato não passou a informação para a revista VEJA acerca da incompetência do ministro Pazuello?”, perguntou a parlamentar. “Jamais. Jamais adjetivei, rotulei, emiti opinião, até porque o meu contato com o ex-ministro Pazuello, conforme dito, foi de bom-dia, boa-tarde, boa-noite. Nada além disso”, respondeu Wajngarten. A senadora, então, insistiu: “Ou seja, a manchete da revista VEJA, segundo a sua opinião, ela não é verdadeira?”. Com a resposta, o ex-secretário caiu na armadilha que ele mesmo ajudara a montar. “A manchete serve para vender a tiragem, a manchete serve para trazer audiência, a manchete serve para chamar atenção, conforme a gente conhece”, declarou, insinuando que a revista havia inventado a declaração estampada na capa. VEJA, então, publicou em seu site o trecho da entrevista em que ele fala com ênfase da tal incompetência do Ministério da Saúde. O áudio foi levado à sessão pela senadora Leila Barros (PSB-DF). Foi demolidor para o depoente. Vários senadores pediram a sua prisão por mentir ao plenário.
A entrevista com o ex-secretário de Comunicação da Presidência foi realizada no dia 19 de abril. VEJA divulga os principais trechos das conversas (CLIQUE AQUI PARA OUVIR). Os áudios mostram os detalhes narrados pelo próprio Wajngarten de como ele se envolveu nas negociações com a Pfizer — na CPI, ele disse que não teve papel nenhum nas negociações — e revelam o que ele tentou esconder. No depoimento, o ex-secretário tentou se esquivar das acusações de que teria invadido competências de outros colegas de governo. Na entrevista, ele resume sua participação de maneira mais objetiva. Depois de receber a informação sobre a carta, o ex-secretário contou que ligou para ao presidente da empresa e, nas palavras dele, abriu “as portas do Palácio” (no depoimento, aliás, ele tenta mitigar seu envolvimento, afirmando que não participou da negociação, apenas agiu para aproximar as partes). Na sequência da gravação, ele acrescenta que foram realizadas “infinitas reuniões” com os representantes da empresa, fala de prazos de entrega das vacinas, que elas seriam entregues em boa quantidade e preços especiais (na CPI, ele falou em três encontros e fugiu das outras perguntas).
A Cronologia dos Fatos
Na época, um dos obstáculos alegados pelo governo para não fechar o acordo com a farmacêutica americana era o fato de que as vacinas precisam ficar acondicionadas a uma temperatura de 70 graus negativos. Para convencer o presidente de que isso não era um problema, o ex-secretário contou que levou até o gabinete de Jair Bolsonaro uma das geladeiras fornecidas pela empresa. “Eu fui o primeiro que vi a caixa, a tão falada caixa que segurava a menos 70 graus. Eu levei para o presidente ver. Eu expliquei que não era um bicho de sete cabeças”, disse na entrevista.
Na entrevista, Pazuello não é apenas o general “corajoso” descrito no depoimento à CPI. Wajngarten culpa Pazuello por sua saída do governo. Segundo ele, depois do entrevero que teve com o ministro por causa das vacinas da Pfizer, começaram a circular insinuações de que seu voluntarismo teria explicações pouco republicanas. Na gravação, o ex-secretário disse que nunca trocou mais que “um boa-tarde” com o ex-ministro, nunca promoveu contra ele “nenhum ataque” mas acabou virando alvo da fúria de um assessor direto de Pazuello. “Aí me surge um marqueteiro genial chamado Markinhos Show, que resolve soltar notas em todos os jornalistas de Brasília para atacar tudo e todos”, afirmou, creditando a esse fato a sua demissão do governo. Markinhos Show vem a ser o publicitário Eraldo Arnoud Marques, assessor e homem de confiança do então ministro da Saúde. Ao acusar Markinhos Show de tentar incriminá-lo, Wajngarten, outra vez, acusou Pazuello indiretamente. O general vai depor na CPI na próxima quarta-feira.
Embora, em tese, Fabio Wajngarten tenha facilitado a vida de Eduardo Pazuello na comissão, o mesmo não se pode dizer que aconteceu em relação ao governo. Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ex-secretário forneceu ao Congresso indícios contundentes de que o presidente Bolsonaro e sua equipe foram omissos. O caso da Pfizer revelou a falta de liderança e a bagunça administrativa que predominava na execução das políticas mais sensíveis de combate à pandemia. O presidente da República não pode ser convocado a depor, mas a CPI já estuda a possibilidade de aprovar requerimentos para convocar os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Braga Netto, da Defesa. Ambos também receberam cópias da carta enviada pela farmacêutica americana. Na entrevista a VEJA, Wajngarten disse que muitas das decisões do presidente foram motivadas por “informações erradas”. “O presidente disse que compraria todas as vacinas desde que aprovadas pela Anvisa. O resto tudo é mau assessoramento e informação distorcida que levaram a ele”, atestou. Indagado pelos senadores sobre quem passava essas informações erradas, o ex-secretário primeiro tentou voltar atrás e depois disse que não sabia, uma nova omissão que irritou ainda mais os integrantes da CPI.
O clima, que já estava tenso e polarizado, esquentou de vez no final da sessão com a chegada do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho mais velho do presidente da República. Percebendo que o aliado estava em apuros, Flávio declarou que Wajngarten não mentiu. Depois, atacou o senador Renan Calheiros: “Imagina a situação: um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como o senador Renan Calheiros. Olha a desmoralização. Estão perdendo a visão do todo”. Renan reagiu à altura: “Tomo isso como elogio. Vagabundo é você que roubou o dinheiro do pessoal do seu gabinete”. Diante do risco de agressões físicas, Omar Aziz suspendeu a sessão. Flávio conseguiu o que queria. Deu uma declaração feita para incendiar os bolsonaristas nas redes sociais e acabou momentaneamente com o debate sobre a prisão de Fabio Wajngarten. O Senado pediu ao Ministério Público do Distrito Federal que investigue se o depoente mentiu à CPI. A entrevista concedida em abril mostra que, de fato, informações foram omitidas e distorcidas em seu depoimento.
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O depoimento e a entrevista
Algumas contradições entre o que o ex-secretário disse à CPI e a entrevista que concedeu a VEJAno mês passado
INCOMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Wajngarten disse aos senadores que não havia usado a palavra incompetência para se referir à demora do Ministério da Saúde em comprar as vacinas da Pfizer.
Na entrevista a VEJA, ao ser indagado sobre isso, o ex-secretário repete duas vezes: “Incompetência. Incompetência”
NEGOCIAÇÃO COM A PFIZER
O ex-secretário disse que não participou de negociações com a Pfizer.
Na entrevista, ele conta que a negociação resultou até na redução do preço das doses. “Virou 9,60, 9,80, 9,60, 9,30, 9 e não sei quanto…”
REUNIÕES NO PLANALTO
Wajngarten afirmou que houve apenas três reuniões entre ele a Pfizer e que o presidente “nada sabia”.
Na entrevista, ele fala em “infinitas reuniões” — e tudo com o aval de Bolsonaro
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738