O papel que cada filho de Bolsonaro vai desempenhar na campanha do pai
Embora ajudem, eles também trazem pontos que serão explorados pelos adversários
Jair Bolsonaro é um pai zeloso na defesa dos interesses de seus filhos. Como presidente da República, ele começou a se desentender com o então ministro da Justiça, Sergio Moro, ao considerar que o ex-juiz não só não prestava solidariedade ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), investigado no caso da rachadinha, como defendia o avanço da apuração, especialmente quando pediu ao Supremo Tribunal Federal a revogação de uma decisão que restringia o compartilhamento de relatórios do Coaf com o Ministério Público. O atrito entre chefe e subordinado levou ao pedido de demissão de Moro, que deixou o cargo acusando Bolsonaro de interferir indevidamente na Polícia Federal com o objetivo de — não verbalizando, mas insinuando — proteger seus familiares. No Planalto, o ex-capitão também tentou emplacar o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no cargo de embaixador do Brasil em Washington. Antes de desistir do plano, o mandatário não escondeu a sua motivação: “Se eu puder dar um filé-mignon para o meu filho, eu dou sim”. Apesar de oficialmente despachar no Rio de Janeiro, onde exerce o mandato de vereador, Carlos Bolsonaro também conta com o olhar especial do pai, que o levou na recente viagem à Rússia e, por causa dele, demitiu o ex-ministro Gustavo Bebianno, que exerceu papel fundamental na eleição.
Parte de um pequeno grupo que goza da confiança e da intimidade do presidente, Flávio, o Zero Um, Carlos, o Zero Dois, e Eduardo, o Zero Três, construíram carreiras políticas sob as asas do pai e têm hoje grande visibilidade nacional. Na campanha de 2022, cada um deles desempenhará uma função estratégica para o projeto de reeleição, como a costura das alianças partidárias, a conquista do voto conservador e a organização da militância nas redes sociais. É neles e nos caciques do Centrão que Bolsonaro aposta as fichas para conquistar um novo mandato. Com uma diferença: afeito a teorias da conspiração e atormentado por suspeitas de traição, o presidente tem consciência de que só a sua prole ficará ao seu lado até o fim, independentemente do que aconteça até o dia da eleição. “Como ele tem de tomar conta do país, a coisa mais cara para ele é o tempo. Então, eu pego as instruções com ele, vou para as reuniões políticas e depois reporto o que foi conversado. Ele sabe que pode confiar 100% em mim, até porque sou sangue dele”, diz Flávio, que é o coordenador da campanha à reeleição.
Considerado o filho mais talhado para a negociação política, o Zero Um é visto como o único “profissional” do clã. Foi ele quem iniciou a negociação que resultou na adesão oficial dos partidos do Centrão ao governo, o que garantiu um mínimo de estabilidade à gestão Bolsonaro. Flávio também recebeu do pai a incumbência de prospectar nomes que possam exercer a função de marqueteiro da campanha, que responderá pela propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Ao contrário de 2018, quando o ex-capitão centrou forças nas redes sociais para garimpar votos, os bolsonaristas consideram que neste ano o desempenho na TV também será crucial para o resultado da eleição. Os números dão razão a eles. Segundo pesquisa da Quaest, 51% dos entrevistados dizem se informar sobre política principalmente pela TV. Entre eles, 53% declaram voto em Lula e apenas 17% em Bolsonaro. A ideia é usar a propaganda para tentar equilibrar o jogo. O tempo a que cada candidato terá direito na propaganda depende do tamanho de suas respectivas coligações partidárias. Bolsonaro planeja uma aliança que reúna o PL, seu partido, o PP, legenda do ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), e o Republicanos.
Até aqui, está encaminhada a união de PP e PL, mas Flávio ainda não conseguiu fechar com o Republicanos. Recentemente, o senador conversou com o presidente da sigla, deputado Marcos Pereira, que reclamou do fato de seu grupo não receber o mesmo tratamento — e as mesmas benesses — de seus colegas do Centrão. Pereira cobrou isonomia e informou que só anunciará o rumo do Republicanos na sucessão presidencial em abril, depois de encerrados os prazos para a troca de partidos e para a desincompatibilização daqueles que pretendem concorrer. A legenda hoje é de médio porte e deve receber 282 milhões de reais neste ano de Fundo Eleitoral, o que por si só representa um atrativo, mas ainda possui outro ativo cobiçado: é ligada à Igreja Universal do Reino de Deus e, portanto, pode ser decisiva na disputa pelo voto dos evangélicos, segmento em que Lula e Bolsonaro aparecem empatados em intenções de voto (leia a coluna de Murillo de Aragão).
A conquista da maioria do eleitorado evangélico está na lista de prioridades de Bolsonaro. Não à toa, seu filho Eduardo passou a integrar a direção da Frente Parlamentar Evangélica, que reúne cerca de 180 deputados federais. Hoje, o Zero Três faz a ponte entre o governo e os religiosos. Com essa parceria, o presidente espera levar a sua palavra a um número cada vez maior de fiéis, exatamente como fez Eduardo ao participar de um culto, no fim de janeiro, numa igreja do pastor André Valadão, que tem mais de 10 milhões de seguidores nas redes sociais. No evento, transmitido ao vivo pela internet, o deputado rezou a missa de sempre: disse que nenhum cristão pode ser socialista, associou o PT às ditaduras de Cuba e Venezuela e declarou que os homossexuais são massa de manobra da esquerda para atacar a família tradicional.
A prioridade do Zero Três é clara: conquistar o voto dos conservadores, projeto a que se dedica há tempos. Desde 2019, Eduardo atua como mestre de cerimônias da versão brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que reúne expoentes do conservadorismo mundial, como o ex-presidente americano Donald Trump. Em setembro passado, na segunda edição de um evento da CPAC no Brasil, ele entrevistou Donald Trump Jr e deu voz a duas argentinas que acusaram falsamente o governo do esquerdista Alberto Fernández de criar campos de concentração para pessoas que não querem se vacinar contra a Covid-19.
Na divisão de tarefas familiares, o papel de Carlos Bolsonaro é cuidar das redes sociais. O presidente credita ao Zero Dois boa parte do sucesso de sua campanha em 2018. Nesta eleição, por mais que o governo tenha se rendido aos profissionais da política, e mesmo com a eventual contratação de um marqueteiro, há o entendimento de que o vereador precisa manter sua autonomia para fazer sua pregação no universo digital. O próprio Flávio diz que o irmão é a garantia de que Bolsonaro não perderá a espontaneidade, qualidade considerada pela família como um de seus maiores trunfos. Em suas contas em diferentes plataformas, Carlos mantém o estilo e a forma que o consagraram — ódio, falta de bom senso e desinformação. Suas mensagens atacam rivais, engajam o bolsonarismo raiz na guerra imaginária contra o comunismo e reclamam do fato de publicações e contas do presidente e de seus apoiadores serem apagadas ou suspensas com mais frequência do que as de esquerdistas.
Desde a redemocratização, nenhum presidente escalou seus filhos para desempenhar papéis tão cruciais numa disputa eleitoral. A escolha de Bolsonaro embute um baita risco. É certo que os adversários usarão as pendências judiciais da prole para vender a imagem de uma família que pratica peculato e tráfico de influência e não tem, como alega, intransigência com desvios de recursos públicos. Os fatos são notórios. Flávio e Carlos são investigados pela prática de rachadinha, tema que deve aparecer durante a campanha. Carlos e Eduardo tiveram de depor como testemunhas no inquérito que investiga o financiamento de atos antidemocráticos. Já Jair Renan, o Zero Quatro, que não terá nenhuma função específica, também ajuda a reforçar o aspecto negativo do clã. Ele entrou na mira do MP depois de ganhar um carro de presente de empresários que, a pedido dele, foram recebidos no Ministério do Desenvolvimento Regional. Uma pesquisa qualitativa encomendada pelo PT detectou que, apesar de esses casos ainda não respingarem na reputação do pai, eles são foco de críticas dos eleitores. Por isso mesmo, serão usados como munição para ataques contra o candidato à reeleição.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778