O julgamento que assombra Jair Bolsonaro e os militares
Lei prevê que condenados a penas acima de dois anos, como pode ocorrer com o ex-presidente, tenham carreira analisada por tribunal
Trinta e seis anos depois de ter sido absolvido da acusação de ser o responsável pelo plano, revelado por VEJA, de explodir bombas em quartéis e em um sistema de abastecimento de água em protesto por melhores salários, Jair Bolsonaro pode voltar ao banco dos réus no Superior Tribunal Militar (STM) sob o risco de ser banido das Forças Armadas. Se em junho de 1988 o STM eximiu de culpa o capitão, que, como se sabe, deixou a carreira militar, ingressou na política e se elegeu presidente três décadas mais tarde, não há indicativos de que a agora Corte será tão benevolente.
Após o veredicto do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as autoridades responsáveis por planejar um golpe de Estado, o STM deve levar ao banco dos réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus principais auxiliares militares em uma espécie de “julgamento de honra”. É nesta Corte, composta por 15 ministros (um indicado por FHC, dois por Lula, seis por Dilma Rousseff, um por Michel Temer e cinco por Bolsonaro), que o ex-mandatário e personagens como o ex-candidato a vice Walter Braga Netto, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Oliveira e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier deverão ter suas vidas militares escrutinadas e poderão perder patentes militares, medalhas e salários.
Por lei, caso oficiais como eles forem condenados a mais de dois anos, o Ministério Público Militar ou o comandante do Exército, Marinha ou Aeronáutica têm poderes para provocar o STM a impingir aos culpados também a penalidade reputacional de perderem a farda e serem declarados indignos de compor os quadros das Forças Armadas. A Corte tem jurisprudência pacífica de que, após o fim de todos os recursos na Justiça comum, o condenado a pena privativa de liberdade superior a dois anos fica sujeito a perder a patente e as honrarias da carreira.
O julgamento no STM é tão relevante para os militares que uma decisão que os declare indignos, por exemplo, é tratada pela cúpula das Forças Armadas como uma espécie de pena de morte. A punição vale também para militares da reserva, como Bolsonaro, que, se penalizado, teria os vencimentos revertidos à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e à filha Laura.
STM tem precedente de homicida que não foi banido das Forças Armadas
Julgamentos de perda de posto ou patente funcionam da seguinte maneira: de um lado, os ministros do STM analisam as missões, condecorações, elogios e reprimendas que o militar teve ao longo da carreira; de outro, o peso da condenação criminal a que foi submetido. Se a penalidade judicial for considerada mais relevante, ele é tido como indigno e, entre outros pontos, perde o salário e as medalhas que conquistou na vida.
Pelo menos um precedente do STM mostra que, em tese, é possível que um militar condenado não seja banido da carreira nas Forças Armadas. Em um julgamento de 1999, o tribunal considerou que um tenente do Exército condenado a seis anos de prisão e réu confesso por homicídio poderia continuar na carreira porque agiu “sob o domínio de violenta emoção”.
Sob a alegação de estar diante de um “drama familiar”, ele matou a esposa, cumpriu pena e depois voltou ao trabalho. Em 2023 o STF considerou inconstitucional alegar legítima defesa da honra em casos de feminicídio, como ocorreu no processo do tenente.