O general em campanha: Mourão fará o seu primeiro voo-solo eleitoral
Alvo da desconfiança de Bolsonaro desde a posse, o vice vai encarar a disputa ao Senado no Rio Grande do Sul pelo Republicanos
Habituado a se proteger da Covid-19 com máscaras do Flamengo, seu time de coração, o vice-presidente Hamilton Mourão surgiu na Expointer, tradicional feira do agronegócio em Esteio (RS), usando uma com o emblema do modesto Guarany de Bagé. Circulou entre produtores, premiou uma novilha e mostrou suas habilidades montando um cavalo campeão. Em outro evento recente, na abertura da Festa da Uva de Caxias do Sul, exaltou o “trabalho árduo da gente que habita a Serra Gaúcha”. Nos últimos seis meses, não faltaram ao vice esses e outros compromissos típicos de candidato no estado onde nasceu: foram seis viagens (por dez cidades), cinco entrevistas à mídia local e oito agendas em Brasília recebendo autoridades e políticos gaúchos.
Tanto empenho reflete o seu objetivo neste ano: sem espaço na chapa presidencial, vai encarar a disputa ao Senado no Rio Grande do Sul pelo Republicanos, ao qual se filiará na quarta 16, deixando para trás o PRTB. Após passar três anos tentando se mostrar mais moderado e habilidoso politicamente que Bolsonaro e fazendo frequentes contrapontos às sandices do presidente — o que lhe rendeu até a pecha de traidor —, o general fará o seu primeiro voo-solo eleitoral em um dos estados onde o bolsonarismo é mais forte. Com apenas uma vaga ao Senado em disputa, o maior desafio do general será justamente o de conquistar os votos dos bolsonaristas.
O ponto de partida para aparar as arestas será a definição da aliança que incluirá Mourão. Nos bastidores políticos dos pampas dá-se como bem encaminhado — e inevitável — um arranjo para que ele ocupe a vaga na chapa encabeçada pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, um dos mais fiéis aliados de Bolsonaro, que se filiará ao PL para disputar o governo. “Temos interesse em reproduzir a aliança nacional nos palanques estaduais. Há boas sinalizações do Republicanos e, com a filiação de Mourão, ele passa a ser uma opção”, diz Rodrigo Lorenzoni, filho de Onyx e secretário de Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre. “Estamos livres, leves e soltos para trilhar nosso caminho”, afirma o deputado Carlos Gomes, presidente do Republicanos gaúcho, que deve deixar a aliança formada em torno de Eduardo Leite. O governador tucano, aliás, está prestes a trocar o PSDB pelo PSD de Gilberto Kassab para tentar entrar no páreo presidencial.
Uma das principais concorrentes de Mourão para a vaga do Senado será justamente a política apoiada por Leite: a ex-senadora Ana Amélia, secretária de Relações Federativas e Internacionais. Mas nenhum outro desafio se compara ao de reconquistar a confiança do eleitorado e dos políticos bolsonaristas gaúchos. Nos últimos dias, caiu muito mal nesse grupo um encontro entre Mourão e o embaixador chinês Yang Wanming. O diplomata, que deixava o cargo, protagonizou embates duros entre o governo federal e a China, que, como costuma lembrar com frequência o presidente, é comunista. “Aquilo caiu como querosene”, diz um político próximo a Onyx. Em um lugar tão apegado a suas tradições, há quem torça o nariz até para as “carioquices” de Mourão, como torcer pelo Flamengo em um estado dividido entre Grêmio e Internacional. Por isso, sempre que pode, o vice-presidente exibe suas raízes gaúchas. Ele nasceu em Porto Alegre e, durante a carreira militar, foi comandante da Região Sul, baseada na capital.
Apesar das desconfianças, Mourão pontua bem nas pesquisas — em janeiro, apareceu empatado na margem de erro com Manuela d’Ávila (PCdoB), Ana Amélia, José Ivo Sartori (MDB) e Lasier Martins (Podemos), segundo o RealTime Big Data. Nas entrevistas, ele se refere à gestão federal como “nosso governo” (o vice não precisará renunciar para disputar a eleição — mas não poderá mais assumir a Presidência). Agora está em curso uma costura política delicada que tem o objetivo de unificar o bolsonarismo no estado. Para isso, será preciso tirar do páreo a candidatura ao governo do senador Luis Carlos Heinze (PP), também aliado entusiasmado de Bolsonaro. Embora o senador negue, o desfecho visto como mais provável é a sua desistência. Heinze ganharia como consolo o Ministério da Agricultura quando a ministra Tereza Cristina deixar o posto, em abril (veja a reportagem na pág. 28). Assim, o caminho ficaria livre para Onyx Lorenzoni. “Os votos à direita ficariam mais consolidados se houvesse apenas um candidato claramente identificado com o bolsonarismo”, diz o cientista político Augusto Neftali, da PUCRS. A propalada habilidade de estrategista do vice será posta à prova nesse batismo de fogo na guerra eleitoral gaúcha.
Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780