Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

No setor de infraestrutura, Lula aposta na reciclagem de velhas ideias

Além de retomar o trem-bala, Palácio do Planalto planeja a volta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de péssimas lembranças

Por Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Reynaldo Turollo Jr. Atualizado em 4 jun 2024, 11h21 - Publicado em 5 mar 2023, 08h00

Na última campanha eleitoral, Luiz Inácio Lula da Silva investiu pesado na política da nostalgia e parte considerável de sua vitória pode ser creditada à lembrança positiva de suas duas primeiras passagens pela Presidência — deixou o Palácio do Planalto em 2010 com recorde de popularidade (oito em cada dez brasileiros aprovavam sua gestão). Ao assumir o novo governo em 1º de janeiro de 2023, a expectativa era de que deixasse de lado o passado para apresentar ao país ideias e projetos para o futuro. Passados dois meses, no entanto, o petista segue olhando para o retrovisor em áreas importantes, como a da infraestrutura. Exemplo disso foi a volta à cena do famigerado projeto do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro. Lula lançou a ideia em 2004 e chegou a prometer que ele estaria pronto na Copa do Mundo de 2014. Como se sabe, nada saiu do papel até hoje, a despeito até da criação de uma estatal para cuidar de sua viabilização.

O negócio parecia enterrado para sempre até que, nas últimas semanas, o país foi pego de surpresa com a ressuscitação da ideia. Para tentar tirá-la do papel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deu sinal verde à TAV Brasil, empresa criada em 2021 com o propósito de atuar com trens de alta velocidade e cujo capital social é de apenas 100 000 reais. Em troca de colocar o negócio nos trilhos até 2032, a um custo estimado de 50 bilhões de reais, a companhia terá o direito de explorar o serviço por quase um século. O governo federal diz que não vai pôr diretamente dinheiro na empreitada, mas a ideia da TAV é usar 20% do seu capital próprio e 80% de financiamento por meio de vias como fundos de pensão e do BNDES. Conforme o acordo feito com a ANTT, a companhia tem até o fim deste mês para cumprir prazos como assinatura do contrato e apresentação de licenças. Como é bastante improvável a viabilização do negócio (“sonhar é grátis”, escreveu sobre o assunto o jornalista e historiador Elio Gaspari), causa espanto que se tenha gasto energia com o assunto, em meio a tantas prioridades de um país com imensos gargalos que atravancam o progresso. “O governo deveria olhar o portfólio já conhecido e terminar o que está projetado”, diz Paulo Resende, do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral.

CRONOGRAMA - O ministro Rui Costa: expectativa de lançamento do novo PAC entre o fim de março e começo de abril
CRONOGRAMA - O ministro Rui Costa: expectativa de lançamento do novo PAC entre o fim de março e começo de abril (Fátima Meira/Futura Press)

As trombadas iniciais no setor de infraestrutura não se resumem a ressuscitar o trem-bala. Entrou também no radar do Palácio do Planalto o retorno do famoso Programa de Aceleração do Crescimento. Sim, o PAC também vai voltar. Ele foi lançado em 2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula, com investimentos previstos, à época, de meio trilhão de reais em áreas como transporte, energia, habitação e saneamento. Outrora liderado pela “gerentona” Dilma Rous­seff à frente da Casa Civil, hoje o novo PAC é capitaneado por Rui Costa — braço direito de Lula e atual titular da pasta — e pela secretária-executiva Miriam Belchior, que atuou como coordenadora-geral do programa a partir de 2010, com a saída da então ministra Dilma do governo para disputar a Presidência. Agora, Lula quer reapresentar o PAC nas próximas sema­nas, mas sob uma nova sigla. O obje­ti­vo é mostrar que o petista já tem algo de relevante a entregar à população em termos de obras.

Como não se constrói nada da noite para o dia, a solução é empacotar o novo PAC com um punhado de obras retomadas do governo anterior. Desde que tomou posse, Lula declarou como uma de suas prioridades a conclusão e a entrega das cerca de 14 000 obras federais paradas e, para tanto, convocou Rui Costa e o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para articular com governadores e entender as necessidades de cada estado. Coube a André Ceciliano, ex-­presi­dente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e recém-empossado secretário Especial de Assuntos Federativos de Padilha, coordenar a tarefa.

Continua após a publicidade

 

RETORNO - Miriam Belchior: ministra do governo Dilma Rousseff está de volta
RETORNO - Miriam Belchior: ministra do governo Dilma Rousseff está de volta (Michel Filho/Ag. O Globo/.)

Entre as prioridades dessa equipe, estão demandas relacionadas a estradas federais, portos, aeroportos, obras do Minha Casa, Minha Vida e ferrovias. “Tudo é prioritário, porque os governadores estão há quatro anos sem parceria com o governo federal”, diz Ceciliano. “As reuniões que fizemos tiveram como objetivo fazer um check­list do que há de projetos, do que falta de licença e do que se tem de orçamento.” O plano de investimento deve ser lançado entre o fim de março e o início de abril, com destaque para o Minha Casa, Minha Vida. “O programa tem desde obras 30% prontas até 90% prontas. São 180 000 unidades habitacionais para serem entregues. O presidente Lula pediu para primeiro terminar essas obras e, segundo, para que sejam preparados áreas e terrenos com infraestrutura, de forma que não faltem recursos para a habitação”, explica Ceciliano.

Outra ideia fixa do petismo é a retomada da indústria naval. Além das promessas feitas durante a campanha, Lula voltou a abordar o tema em uma de suas primeiras visitas oficiais após eleito, no Rio de Janeiro, ocasião em que reafirmou que o governo resgatará os investimentos no segmento no estado. O presidente garantiu que tanto a Petrobras quanto o BNDES atuarão para a recuperação do setor. No passado, os altos investimentos na indústria naval terminaram em escândalos revelados pela Lava-Jato. Estaleiros controlados por empreiteiras envolvidas nas investigações da operação anticorrupção diminuíram as atividades ou nem entraram em operação, com saldo de centenas de desempregados, perdas bilionárias e processos na Justiça.

Continua após a publicidade

O próprio PAC, aliás, foi uma grande usina de escândalos. Das dez maiores obras previstas no programa, listadas pela ONG Contas Abertas em 2013, nove se tornaram alvos de investigação criminal — muitas com desdobramentos judiciais até hoje. A maior dessas obras, a refinaria Premium I, que seria construída em Bacabeira, no Maranhão, previa investimentos totais de 41 bilhões de reais, em valores da época, mas não passou da fase de terraplenagem. A Petrobras acabou desistindo do projeto. O TCU apontou uma série de irregularidades, como o fato de o empreendimento ter sido iniciado sem um projeto básico. O saldo foi um prejuízo de 2,1 bilhões de reais para a estatal. Ex-executivos da construtora contratada, a Galvão Engenharia, chegaram a ser condenados pela Lava-Jato em primeira e segunda instâncias e se tornaram colaboradores da Justiça. Outra grande obra do PAC, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, motivou investigações contra o então ministro de Minas e Energia do governo de Dilma Rousseff, Edison Lobão (MDB), suspeito de receber propina milionária da Odebrecht e da Camargo Corrêa — o que o político sempre negou. O caso foi remetido para a Justiça Federal em Brasília no fim de 2019, onde prossegue, depois que o STF decidiu que Curitiba não era o foro adequado para julgar todos os processos.

arte PIB

Esse histórico de desvios nos últimos anos coincide com o período em que o Brasil vem freando os investimentos em infraestrutura — ou seja, o pior cenário possível: gastou menos do que deveria e parte do que foi gasto acabou drenado pela corrupção. O total de investimentos em 2021 correspondeu a apenas 1,57% do PIB (134 bilhões de reais), o menor patamar da série histórica organizada pela CNI (veja o quadro). Nas últimas duas décadas, o país investiu, em média, aproximadamente 2% do PIB em infraestrutura por ano, menos da metade do que o necessário. Programas bem-sucedidos nos últimos governos foram quase exceção. Salvaram-se exemplos como o desenvolvimento da tecnologia para a exploração do pré-sal dos anos petistas e as concessões e privatizações de portos e aeroportos implementadas pelas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Continua após a publicidade

A despeito do histórico de corrupção em obras e dos preocupantes sinais de nostalgia por projetos antigos, ainda existe certo otimismo, com a esperança de que Lula olhe para frente, mantendo a agenda de concessões e PPPs (parcerias público-privadas) na área de infraestrutura. “Nós pleiteamos que essa fosse uma agenda de Estado, e não de governo, porque os estudos para uma concessão levam dois, três anos e não podem se perder com a troca de presidente. O governo atual tem acenado para isso e manteve a estrutura”, diz Wagner Ferreira Cardoso, secretário-executivo de Infraestrutura da CNI. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já atuou no passado na elaboração de normas para as PPPs e se cercou de nomes que transmitiram alguma tranquilidade ao mercado, como o número 2 da pasta, o economista Gabriel Galípolo. Outro entusiasta do modelo é o vice-presidente, Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Alckmin fez privatizações importantes quando governou São Paulo, desde rodovias até linhas do metrô.

Além das biografias dos integrantes da gestão, há a avaliação de que o corpo técnico composto de servidores de órgãos do governo especializou-se nos últimos anos na elaboração de projetos de concessões e PPPs. “O governo é um transatlântico e não se dá cavalo de pau em transatlântico. Não se desmonta esse ecossistema de técnicos com facilidade”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia e gestão pública do Insper. Na visão dele, a despeito dos discursos para a plateia, o PT se tornou muito pragmático. “Basta ver que recentes governos petistas na Bahia, no Ceará e no Piauí privatizaram metrô, hospitais e saneamento”, lembra. Com base nisso, a expectativa é a de que ideias como a volta do trem-bala fiquem para trás, cedendo lugar a concessões com viabilidade comercial e capacidade de resolver os problemas mais urgentes. O Brasil precisa entrar no trilho certo.

Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.