MPF identifica quem tentou colocar R$ 20 mi em conta ligada a coronel Lima
Após relatos de funcionários de agência do Santander em SP, procuradores apontam para Antonio Carlos Correia da Silva, gerente financeiro da Argeplan
Entre os elementos que basearam a deflagração da Operação Descontaminação, que prendeu em março o ex-presidente Michel Temer e aliados dele, chamou a atenção dos investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro a suposta tentativa de um depósito de 20 milhões de reais na conta da Argeplan, empresa do coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo João Baptista Lima Filho, conhecido como coronel Lima e amigo de Temer há trinta anos. Os procuradores inicialmente não haviam identificado quem tentara a operação, negada pelo Banco Santander e comunicada ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), mas agora afirmam que se trata de Antonio Carlos Correia da Silva, gerente financeiro da Argeplan.
A conclusão do Ministério Público Federal (MPF) é de que não houve tentativa de depósito em dinheiro vivo em uma conta da empresa, como inicialmente se informou, mas sim a tentativa de abertura de duas contas bancárias no Santander em nome de outras empresas, para as quais o montante, mantido no Bradesco, seria transferido. A informação foi revelada após serem ouvidos o gerente de pessoas jurídicas do Santander e a gerente-geral da agência 0235 do banco, localizada no número 1528 da Avenida Heitor Penteado, no Sumarezinho, em São Paulo, a apenas cinco minutos a pé da sede da Argeplan.
Segundo o então gerente de contas de empresas do banco, Fabrício Farinelli, em 22 de outubro de 2018 um homem chamado “Antonio Carlos” se apresentou como representante da Argeplan, afirmando que precisava abrir duas contas de pessoa jurídica, que “seriam utilizadas para o recebimento de um valor bem alto através de TED oriunda do Banco Bradesco para essas contas; QUE esse depósito seria de algo em torno de 20 milhões de reais”.
Farinelli declarou que questionou “Antonio Carlos” sobre a origem do dinheiro e ouviu dele que coronel Lima “poderia comprovar a licitude” do montante, “mencionando que a empresa havia recebido valores de vendas de galpões e lojas e também em razão de obras realizadas”. Conforme o gerente, o representante da Argeplan disse que estava com toda a documentação necessária para abrir as contas.
Fabrício Farinelli relatou ter repassado os documentos a Silvana Alves de Souza, gerente-geral da agência, que, por sua vez, encaminhou os dados para análise do comitê de abertura de contas do banco, em um procedimento padrão. Também ouvida pelos investigadores, Silvana disse que as contas seriam abertas em nome das empresas PDA Projeto e Direção Arquitetônica e PDA Administração e Participação Ltda, ambas do coronel Lima. Ela também disse que Antonio Carlos solicitou a abertura de uma conta de pessoa física em nome do arquiteto Carlos Alberto Costa, um dos sócios da Argeplan e alvo da Operação Descontaminação.
“Que Antonio Carlos mencionou que precisava transferir para o Santander cerca de R$ 20 milhões que se encontravam em outro banco; que a empresa ARGEPLAN já possuía conta no Santander desde 2003, razão pela qual a declarante entendeu que as contas a serem abertas para a PDA seriam utilizadas para o recebimento daqueles R$ 20 milhões”, diz o relatório da oitiva da gerente.
Tanto Farinelli quanto Silvana relataram que, diante das notícias que envolviam a Argeplan a investigações criminais, o comitê do Santander decidiu não abrir as contas. Informado no dia seguinte por Silvana Souza, Antonio Carlos “recolheu a documentação e se retirou da agência”, conforme os relatos de ambos.
Em um segundo Relatório de Inteligência Financeira (RIF), produzido após os esclarecimentos de Fabrício Farinelli e Silvana Souza, o Coaf informou que “no dia 22/10/2018 teria comparecido à referida agência uma pessoa apresentando-se como Antonio Carlos Correia da Silva, e dizendo-se procurador da empresa Argeplan”.
“Consta que Antonio Carlos teria solicitado a abertura de contas-correntes para duas empresas PDA Projeto e Direção arquitetônica Ltda e PDA Administração e Participação Ltda e também uma conta pessoa física para o sócio Carlos Alberto Costa. Consta que Antonio Carlos teria afirmado que precisava transferir para o banco Santander cerca de R$ 20 milhões que estariam em outro banco. Ao ser indagado sobre a origem do dinheiro, Antonio Carlos teria informado que era apenas procurador das empresas e que o sócio João Baptista Lima filho poderia prestar informações sobre a origem dos valores”, diz o documento emitido pelo órgão (veja abaixo).
Para os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio, a abertura das contas poderia “caracterizar tentativa de dissimulação ou ocultação de valores”. “Os indícios de irregularidades na tentativa de movimentação financeira são ainda mais graves, na medida em que tudo indica que o que se pretendia era efetivar a transferência de recursos de uma pessoa jurídica
para contas de outras duas pessoas jurídicas e uma pessoa física”, afirma o MPF.
O MPF informou que foram bloqueados 21,6 milhões de reais em uma conta-corrente no Bradesco em nome da PDA Administração Ltda, dinheiro que possivelmente seria o transferido às contas que seriam abertas no Santander.
Os investigadores notaram ainda que em 29 de outubro de 2018, uma semana depois de o Santander negar a abertura das contas, coronel Lima, sua mulher, a arquiteta Maria Rita Fratezi, a PDA Projeto e Direção Arquitetônica Ltda. e a PDA Administração e Participação Ltda. entraram com uma ação contra o Bradesco em razão do fechamento unilateral de suas contas no banco.
“A tentativa de transferência de valores de contas da PDA Administração e Participação Ltda. para conta em nome da pessoa física de Carlos Alberto Costa, que nem sequer é sócio da PDA Administração, indica a necessidade de aprofundamento das investigações de possíveis crimes de lavagem de dinheiro”, concluem os procuradores.
Outro lado
Por volta das 19h50 desta quarta-feira, 17, os advogados Mauricio Silva Leite e Cristiano Benzota, que defendem o coronel Lima e Carlos Costa, enviaram à reportagem uma nota na qual afirmam que as conclusões do MPF mostram que “não houve qualquer tentativa escusa de depósito de valores em espécie em favor das pessoas físicas e jurídicas investigadas nas Operações Skala e Descontaminação, sendo absolutamente falsas as afirmações inicialmente feitas”.
“Existiu apenas mero contato com o banco Santander para possível abertura de conta e consequente transferência formal, via TED, de valores de origem lícita que já se encontravam depositados em contas mantidas em instituição financeira diversa, instituição esta que pretendia, injustificadamente, encerrá-las”, dizem os defensores. Leite e Benzota acrescentam que “essa nova abertura de contas sequer foi necessária, pois a Justiça, em ação movida pelos investigados, garantiu a manutenção das contas já existentes no banco original”.
“A modificação da versão inicialmente apresentada pelos Procuradores da República e a adoção de novas medidas buscando justificar seus atos pretéritos só reforçam a precipitação acusatória e a ridícula mistificação sobre fatos simples e sem qualquer relevância jurídica. A defesa confia na seriedade do Poder Judiciário, que saberá reconhecer e afastar as irresponsáveis acusações lançadas pelos Procuradores da República”, afirmam os advogados.
Operação Descontaminação
A Operação Descontaminação, que prendeu Michel Temer, coronel Lima, Maria Rita Fratezi, Carlos Alberto Costa e o ex-ministro Moreira Franco, entre outros, mira um suposto esquema de corrupção na Eletronuclear e nas obras da usina de Angra 3. Após quatro dias detidos no Rio de Janeiro, os alvos da ação do braço fluminense da Lava Jato foram libertados por uma decisão do desembargador federal Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional da 2ª Região (TRF2).
No fim de março, o MPF apresentou duas denúncias no âmbito da Descontaminação. Na primeira delas, Temer e Moreira são acusados de fatos relativos a 2012, quando eram, respectivamente, vice-presidente e ministro da Secretaria de Aviação Civil. Segundo o MPF, ambos exerciam influência sobre o então presidente da estatal, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva.
A mando de Temer, segundo a acusação, Pinheiro da Silva contratou o consórcio formado pelas empresas Engevix, Argeplan e AF Consult, em favorecimento indevido. Os valores de corrupção oriundos do negócio eram, posteriormente, lavados por meio de contratos fictícios firmados entre a Construbase Engenharia e a PDA Projetos e Direção Arquitetônica.
Já a segunda denúncia trata do suposto benefício a Temer prometido pelo empreiteiro José Antunes Sobrinho, dono da Engevix, que firmou acordo de delação premiada com a Justiça. Neste caso, é investigado o repasse de 1,1 milhão de reais pela Alumi Publicidades para a PDA, do coronel Lima. O valor também está, de acordo com a acusação, relacionado à contratação da empreiteira para a obra de Angra 3 e tinha Temer como destinatário.