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Lula e Alckmin avançam para formar chapa, mas há barreiras no caminho

No PT, a aliança provocou ruídos entre as alas mais radicais da sigla e com um aliado histórico, o PSOL; aliados do ex-tucano temem perda de eleitores fiéis

Por Bruno Ribeiro Atualizado em 4 jun 2024, 12h31 - Publicado em 24 dez 2021, 08h00
PRIMEIRA FOTO - Alckmin e Lula: discursos comedidos em público em meio a negociações intensas nos bastidores -
PRIMEIRA FOTO - Alckmin e Lula: discursos comedidos em público em meio a negociações intensas nos bastidores – (Ricardo Stuckert/.)

Depois de fracassar na disputa de duas eleições presidenciais (em 2006, conseguiu a façanha inédita de contabilizar menos apoio dos eleitores no segundo turno do que no primeiro, e, em 2018, ficou de fora da decisão, com apenas 4,8% dos votos), Geraldo Alckmin retornou ao noticiário político nacional graças a um movimento inusitado. Ele está em um estágio avançado de namoro com Luiz Inácio Lula da Silva para construir uma chapa ao Palácio do Planalto, na posição de vice do petista. O flerte caminha ao ritmo cauteloso e enigmático de Alckmin, mas os passos sutis parecem seguir nessa direção. Antes de se desfiliar do PSDB no início deste mês, após 33 anos no partido, ele já emitia sinais ao ex-rival. Embora a saída do ninho tucano fosse esperada, a confirmação ajudou a esquentar os boatos de que estaria pronto a fechar um dos mais surpreendentes acordos de casamento político dos últimos tempos.

Passada a fase inicial de declarações e gestos simpáticos de ambas as partes em eventos públicos, o flerte avançou para o registro da primeira foto de ambos juntos, em clima de campanha, em jantar realizado no domingo 19, promovido pelo Prerrogativas, grupo de juristas renomados. No encontro ocorrido em São Paulo, Alckmin disse que o momento ainda era de “ouvir muito e dialogar” e evitou entregar qualquer movimento mais concreto no sentido de um acordo. Lula falou em “respeito” ao antigo rival e minimizou as rusgas do passado. Elas não foram poucas. Para o petista, o então tucano era um “insosso, como se fosse uma comida sem sal”. Alckmin, por sua vez, chegou a chamar o petista de “mentiroso” em 2006. A ideia agora é tentar deixar isso para trás e vender a parceria como um grande gesto democrático em nome da pacificação do país. O fator de mais peso para a aproximação, inegavelmente, é o pragmatismo político. Lula ganharia um lustro de centro, enquanto Alckmin colaria no favorito do momento à Presidência, deixando de lado uma batalha incerta para retornar ao governo paulista. Embora apareça hoje em primeiro lugar na pesquisa estadual, ele teria de enfrentar nessa disputa inimigos poderosos, incluindo o atual vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), escolhido por João Doria para suceder-lhe e que conta com a máquina do Palácio dos Bandeirantes para decolar na campanha.

arte Alckmin
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Não por acaso, aliás, peças importantes interessadas diretamente na disputa do governo paulista são as que estão por trás da costura de um possível acordo. O ex-governador Márcio França (PSB), que foi vice de Alckmin, e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad estão entre os cupidos da aproximação, que começou no segundo semestre. No cenário dos sonhos petistas, após aderir ao PSB e se tornar companheiro de chapa de Lula, Alckmin deixaria o terreno livre para o crescimento de Haddad, em um contexto em que França abriria mão dessa disputa para entrar na briga pelo Senado. Mas é um acordo difícil devido às pretensões de França, cuja palavra tem peso considerável no PSB. O desejo de França é seguir na luta pelo Palácio dos Bandeirantes, com o PT paulista fora desse páreo, como contrapartida à entrada de Alckmin no PSB. Nesse caso, falta também combinar com os petistas, que exibem hoje números de pesquisa mostrando Haddad à frente de França na corrida por São Paulo. O possível impasse já faz com que o PT cogite ainda que a costura com Alckmin se dê por meio de outro partido, o PSD de Gilberto Kassab — que também tenta levar ao altar o ex-tucano, mas oferecendo a ele o governo de São Paulo (Kassab descarta qualquer outra alternativa). Atenta ao cenário, o Solidariedade, do deputado Paulinho da Força, também deixou as portas abertas a Alckmin.

Para além da negociação partidária, a chapa Lula-Alckmin ainda terá outras barreiras a ser vencidas. No caso do PT, a aliança já provocou ruídos entre as alas mais radicais da sigla e com um aliado histórico, o PSOL. A sinalização ao centro pretendida pela aliança obrigaria Lula a rever seus discursos mais recentes, nos quais acenou à esquerda com pregação que inclui aumento do Estado, revisão de reformas como a trabalhista e fim do teto de gastos. Já antigos aliados de Alckmin temem que o abraço ao projeto de Lula resultará na perda de eleitores fiéis que o ex-tucano tem, especialmente entre a fatia conservadora do interior paulista, sem necessariamente ampliar o público do petista. Segundo uma pesquisa Datafolha divulgada no último dia 17, só 16% dos entrevistados declararam que ter Alckmin na chapa aumentaria as chances de votar em Lula.

DISPUTA PELO GOVERNO - Haddad e França: aliança nacional pode interferir diretamente na eleição em São Paulo -
DISPUTA PELO GOVERNO - Haddad e França: aliança nacional pode interferir diretamente na eleição em São Paulo – (Marlene Bergamo/Folhapress; Simon Plestenjak/Folhapress)

Adversários de ambos aproveitaram a situação para espezinhar a possível aliança. No dia seguinte ao encontro do Prerrogativas, o ex-juiz Sergio Moro, presidenciável do Podemos, postou uma publicação em que questionava se o encontro havia sido “um jantar comemorativo da impunidade da grande corrupção”. A tropa bolsonarista engrossou o coro. No mesmo dia, os três filhos do presidente, Flávio, Eduardo e Carlos, compartilharam nas suas respectivas redes sociais antigas declarações de Alckmin atacando Lula. O cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), afirma que os rivais agem de forma previsível, usando o passado de crítica entre os dois para tentar enfraquecer a possível chapa. “Mas isso poderá ser superado com o discurso de que decidiram se juntar em torno de um bem maior, que é derrotar Bolsonaro”, acredita ele.

Um dos fundadores do PSDB, Alckmin alternou momentos de glória política com grandes derrotas. É o único político na história a administrar o estado de São Paulo por quatro gestões. Em duas vezes, no entanto, sofreu derrotas humilhantes ao tentar se tornar prefeito da capital. A recente saída do PSDB se deu especialmente por causa de mágoas com João Doria, quando se sentiu preterido pela preferência dele por Rodrigo Garcia. Como último gesto para evitar o desligamento, foram oferecidas a ele a vaga de senador pelo PSDB paulista ou a possibilidade de concorrer contra Garcia nas prévias ao governo estadual. Ambas as propostas foram prontamente recusadas e, já com um pé fora do partido, mas não oficialmente desligado da sigla, Alckmin atuou dentro das prévias presidenciais para conseguir evitar a vitória de Doria. Fracassada a tentativa, tem agora pela frente a difícil decisão de aventurar-se ao Palácio do Planalto a bordo da caravana petista. Na bolsa de cotações políticas, essa alternativa, que soava improvável até pouco tempo atrás, parece hoje a favorita. Mas a decisão final do ex-­tucano deverá ocorrer apenas nos primeiros meses de 2022.

Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770

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