Inflação é principal adversário de Bolsonaro na sua pré-campanha eleitoral
É a carestia dos alimentos, da energia e dos combustíveis que impede o mandatário de reduzir nível de rejeição e de encurtar a distância em relação a Lula
Em sua campanha à reeleição, Jair Bolsonaro promete empenho para derrotar uma suposta ameaça comunista, impedir a volta do PT ao poder e defender o “cidadão de bem” e a família tradicional brasileira. Mesmo nos momentos mais críticos de popularidade, essas bandeiras ajudaram o presidente a manter o apoio de pelo menos 20% da população, mas elas sozinhas não serão capazes de lhe assegurar a conquista de um novo mandato. Hoje, a maior ameaça a Bolsonaro na campanha eleitoral não é nenhum dos adversários mencionados em seus discursos, muitos deles imaginários, e sim a crise econômica e, principalmente, a inflação. É a carestia dos alimentos, da energia e dos combustíveis que impede o mandatário de reduzir seu nível de rejeição e de encurtar a distância em relação ao líder das pesquisas, o ex-presidente Lula. Em resumo: é o aumento generalizado dos preços — e não as alegadas e fantasiosas fraudes nas urnas — que mina as chances do ex-capitão. Esse diagnóstico é consenso entre políticos, analistas e marqueteiros. Do PT ao PL, passando pelos artífices da terceira via, não há dúvida: a inflação e o poder de compra das famílias terão peso decisivo no resultado final da votação.
Apesar de seu negacionismo multidisciplinar, Bolsonaro reconhece há bastante tempo a gravidade da situação e tenta atenuá-la. No fim do ano passado, ele substituiu o Bolsa Família, que tinha um benefício médio de 189 reais, pelo Auxílio Brasil, cujo tíquete é de 400 reais. Recentemente, o governo anunciou a antecipação do pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS e a autorização para saque de até 1 000 reais de contas do FGTS com o objetivo de injetar recursos na economia. Essas medidas contribuíram para que o presidente recuperasse terreno e reduzisse de forma significativa a diferença para Lula entre o fim de 2021 e abril passado, mas em maio as pesquisas revelaram um quadro de relativa estabilidade — Bolsonaro parou de crescer ou o crescimento dele perdeu tração, freado pelo aumento do custo de vida. No mais recente levantamento Genial/Quaest, 50% dos entrevistados elegeram a economia como o principal problema do país. Ao detalharem a razão da escolha desse tópico, 18% mencionaram a inflação, que só ficou atrás de um genérico “crise econômica” (19%), que engloba uma série de fatores, como a própria carestia. Em janeiro, a inflação era citada por apenas 9%.
O levantamento também mostrou que para 59% dos entrevistados piorou a capacidade de pagar contas nos últimos três meses. Em janeiro, o porcentual era de 51%. “A avaliação sobre a economia real, com o aumento significativo dos preços, é variável determinante para o resultado desta eleição. Sem uma melhora na percepção sobre a economia, é muito difícil que a rejeição ao presidente diminua”, diz o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. O horizonte inflacionário é desafiador para Bolsonaro, cuja rejeição é de 60%, enquanto a de Lula é de pouco mais de 40%. Nos doze meses encerrados em abril, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 12,13%. No mês passado, a variação foi de 1,26%, a maior para abril desde 1996, e oito dos nove produtos e serviços pesquisados registraram alta. Como presidente da República, Bolsonaro tem suas despesas do dia a dia bancadas por recursos públicos, mas, se ainda fosse deputado do baixo clero e tivesse de quitar as próprias faturas, ele certamente sentiria no bolso o fardo da inflação. Mesmo os seus lanches mais prosaicos, divulgados nas redes sociais como forma de alimentar a imagem de um homem simples, ficaram salgados nos últimos tempos.
O caso do combo de estimação do presidente é ilustrativo. Em doze meses, o pão francês subiu 13,09% e o café, 67,53%. O leite longa vida, que pode ser misturado no café, aumentou 23,37%. Só o preço do leite condensado, tão apreciado pelo mandatário como recheio do pão francês, permaneceu praticamente estável, com alta de 1,14% no período. A situação se torna mais preocupante quando são analisados produtos e serviços essenciais com impacto maior no orçamento familiar. Em doze meses, a alimentação em casa, a gasolina, o botijão de gás e a energia residencial subiram, respectivamente, 16,12%, 31,22%, 32,34% e 20,52%. Esses números assombram o candidato à reeleição, que recorreu à caneta presidencial para reagir. Nos últimos dias, Bolsonaro reduziu pela segunda vez em 10% os impostos de importação sobre itens como feijão, carne, massas, biscoitos e arroz. Com o apoio do comandante da Câmara, Arthur Lira, expoente do Centrão e seu aliado, o presidente também tenta aprovar um projeto que reduz o ICMS de energia e combustíveis — e que, segundo projeções de sua equipe econômica, pode diminuir em pouco mais de 1 ponto porcentual a taxa de inflação. O projeto já recebeu o aval dos deputados e seguiu para a análise dos senadores.
Os combustíveis são um capítulo importante nesse jogo. Depois de declarar numa de suas lives que o lucro da Petrobras era um “estupro”, Bolsonaro anunciou a segunda troca do presidente da companhia em menos de dois meses. Antes, já havia substituído o ministro de Minas e Energia. Com as mudanças, ele quer que a Petrobras segure os reajustes dos combustíveis até a eleição ou, pelo menos, dê mais espaço de tempo entre os aumentos de preço. Se esse objetivo não for alcançado, Bolsonaro argumentará que fez de tudo para baratear a gasolina, mas que o “sistema” — sempre ele — não permitiu. Essa alegação tem sido constante e está surtindo efeito. Segundo pesquisa XP/Ipespe divulgada no último dia 20, quase dois terços dos entrevistados endossam as críticas do presidente à Petrobras e afirmam que a empresa tem “muita responsabilidade” pelo aumento dos combustíveis. A mesma sondagem revelou, no entanto, que para 72% os preços no geral “aumentaram muito” nos últimos meses — e para 41% ainda “vão aumentar muito”. Líder em intenções de voto, Lula tem explorado esses dados para assombrar a campanha do adversário.
A ordem na coordenação petista é delimitar o debate à questão econômica e à carestia generalizada. Nada de perder tempo com pautas de costume e embates ideológicos. “Para o povo brasileiro, o preço da gasolina a 8 reais, o diesel a 7 reais, o gás a 150 reais, 140 reais, 130 reais. E para os acionistas estrangeiros, o lucro. Um governo totalmente irresponsável, não tem nenhuma preocupação com o povo brasileiro”, disse numa entrevista o ex-presidente, que não esconde de ninguém a intenção de interferir na política de preços da Petrobras. Nas redes sociais, arena em que os petistas querem reduzir a desvantagem para os bolsonaristas, Lula também vem insistindo na tese de que, em seus governos, o poder de compra era bem maior. Numa das mensagens postadas, ele diz que o salário mínimo teve aumento real de 57,8% entre 2003 e 2010, quando governou o país, enquanto na gestão Bolsonaro houve uma queda de 1,77%. Na comparação, Lula não incluiu os dados relativos aos mandatos de Dilma Rousseff, que deixou como legado a maior recessão de nossa história. A resposta dos bolsonaristas é quase sempre a mesma: repetir que a inflação é um fenômeno global.
De fato, esse não é um problema só do Brasil. Um relatório distribuído no Fórum Econômico Mundial alertou para a possibilidade de uma escalada de preços na América Latina e nos Estados Unidos. O problema é que para Bolsonaro não basta ter um argumento pertinente ou razoável. Sua prioridade não é ganhar o debate, mas vencer a eleição. Para ter chances nas urnas, ele precisará baratear (ou manter) os atuais custos de alimentação, energia e combustíveis. Até aqui, não tem conseguido e, por isso, tem sido aconselhado a adotar toda sorte de medidas heterodoxas, como subsídios oficiais e intervencionismos artificiais nos preços, ações que podem até ter um efeito positivo momentâneo, mas certamente deixarão para o vencedor do pleito uma bomba de efeito retardado. Enquanto não domina a inflação, o presidente aposta na estratégia diversionista de atacar o Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes, o comunismo e o PT. A cor vermelha, de fato, é uma ameaça à reeleição — não a das bandeiras partidárias, mas a do singelo tomate, que encareceu mais de 100% em um ano.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791