Governadores se movimentam com estratégias por apoio político de Bolsonaro
O ex-presidente levou a seu palanque quatro presidenciáveis que esperam o aval dele para 2026 — só falta combinar isso agora com o ex-presidente

No domingo 6, o ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu dois feitos no ato que liderou na Avenida Paulista para pedir anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Primeiro, reuniu uma multidão, mesmo levando em conta as estimativas mais modestas, que apontaram 45 000 pessoas, a maioria usando verde e amarelo e empunhando cartazes, faixas e bandeiras em apoio à pauta. Segundo, porque levou a seu palanque sete governadores — um recorde —, que representam mais de 75 milhões de eleitores, quase a metade do país. Quatro deles são potenciais candidatos ao Palácio do Planalto em 2026: Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais), Ratinho Jr. (Paraná) e Ronaldo Caiado (Goiás). A photo op (expressão em inglês que significa “foto de oportunidade”), a um ano do prazo final para esses chefes do Executivo deixarem seus cargos se quiserem voos maiores, já entra para a galeria política do ano como um bom retrato da largada da pré-corrida eleitoral na raia da direita para 2026.
Bolsonaro comemorou os resultados da manifestação, essenciais para mostrar que tem força popular para continuar se apresentando como presidenciável, mesmo inelegível e sob risco de ser preso, “até os 48 minutos do segundo tempo”. “É ele o candidato, e não tem outra opção. Vamos trabalhar muito, e com muita gente, para conseguir isso”, diz o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Até lá, o capitão luta contra o derretimento de seu capital político e a pulverização precoce de seu eleitorado, com o surgimento de opções mais viáveis à direita, o que poderia enfraquecê-lo no momento em que é réu acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
A presença dos governadores no palanque se mostrou importante no momento em que ele tenta arregimentar apoio político à anistia. A campanha virou a prioridade da direita, que se articula na Câmara para tentar aprovar a tramitação da proposta em regime de urgência. Apesar do engajamento maciço do PL, ainda faltavam dez assinaturas para o mínimo de 257 necessárias até a tarde de quinta 10, principalmente por causa da divisão sobre o tema entre as legendas do Centrão. A adesão ao movimento tem sido bem mais baixa em partidos como PSD, União Brasil e Republicanos. Daí a relevância de governadores dessas legendas, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ratinho Jr. (PSD) e Ronaldo Caiado (União Brasil), terem ido a um ato em que a defesa da anistia era a pauta central. Os três fizeram questão de aumentar o tom nas últimas semanas, condenando o que classificam de penas “exageradas” e que beiram a “perseguição política”.
O envolvimento político maior de governadores pode influenciar as bancadas e ajudar o tema a andar na Câmara. Mas não é tarefa simples. A resistência vem até de um cacique do Republicanos, o presidente da Casa, Hugo Motta, que dá seguidas demonstrações de que não vai priorizar a agenda bolsonarista. Na última semana, ele decidiu pautar quatro projetos de interesse do Judiciário com pedidos de urgência e ignorou a anistia, o que serviu para inflamar mais os ânimos da direita, que já havia feito duros ataques ao deputado no ato na Paulista. “Hugo Motta fica jogando sujo e pedindo para que deputados do próprio Republicanos não assinem o pedido de urgência para a anistia”, disse a VEJA o pastor Silas Malafaia, organizador e financiador da manifestação.
O jogo dos governadores é diferente. Bem colocados nas pesquisas que os testam como rivais de Lula no segundo turno (veja o quadro), eles sabem que para chegar lá não podem estar brigados com Bolsonaro nem distantes de seus apoiadores. É uma percepção que certamente passou por Ronaldo Caiado, que não foi ao ato de Copacabana em 16 de março, mas decidiu ir à Paulista depois de ter lançado sua pré-candidatura em evento esvaziado na Bahia. Parte do União Brasil poderia caminhar com o goiano desde que ele não bata de frente com o ex-presidente, como já ocorreu. Caiado sentiu o tamanho do desafio que será pôr uma candidatura presidencial de pé e, já no dia seguinte, confirmou que iria ao ato em São Paulo. “Vamos respeitar cada pré-candidato. Cada um tem o seu espaço. A direita conservadora está totalmente articulada”, dizia ele no ato da Avenida Paulista, enquanto conversava com Tarcísio, Zema e Ratinho Jr., seus concorrentes. “Bolsonaro tem capital político, mas não para ser votado. Esses governadores querem esse naco de poder simbólico, porque querem se credenciar para 2026, ou até mais para frente”, avalia Rodrigo Prando, professor da Universidade Mackenzie.

Apesar de suas estratégias, os governadores sabem que Bolsonaro não será tão cedo um aliado eleitoral. Além de tudo o que tem feito pela anistia, que muitos acreditam que poderia beneficiá-lo, ele manterá sua candidatura na rua. Nesta semana, iniciou caravana pelo país, que batizou de Rota 22, em alusão ao número do PL. A primeira parada está prevista para sexta 11, no Rio Grande Norte, estado do senador Rogério Marinho, secretário-geral do PL. Equipes da sigla passaram semanas por lá fazendo a investigação de campo. “A ideia é capacitar lideranças, entender as dificuldades de cada região e fortalecer o PL, para que isso transpareça nas candidaturas do partido”, afirma Marinho.
Falta, claro, combinar esse futuro político com o STF. A expectativa é de que a ação por tentativa de golpe de Estado seja julgada pelo Supremo ainda neste ano, para evitar uma contaminação (ainda maior) do processo eleitoral. Se a ideia se concretizar, é possível que o ex-presidente passe ao status de condenado antes do Natal, o que pode tirá-lo da vida política para sempre, já que não é possível ser candidato com uma sentença criminal nas costas.
Nada garante que, chegados os “48 minutos do segundo tempo”, Bolsonaro de fato indicará algum dos governadores. O ex-presidente tem ventilado o nome do filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado que decidiu se “autoexilar” nos EUA. O capitão teria o Zero Três como vice na chapa, emulando a estratégia usada por Lula e Fernando Haddad em 2018. Outro nome é o de Michelle Bolsonaro, que, apesar de “vetada” pelo marido, tem o apoio de Valdemar e Malafaia. “Ela tem os evangélicos, tem as mulheres e tem a força do bolsonarismo”, elenca o pastor. Na Paulista, ela discursou ladeada pelo clã Bolsonaro, defendeu a anistia e até comprou briga com o “colega aí da faixinha do Lula” ao se dirigir a um homem que colocou um adereço do petista em sua janela durante o ato.

Apesar de o ex-presidente ter feito algumas sinalizações a uma chapa familiar, o mais provável mesmo é que passe até o fim deste ano a tocha da direita para algum aliado. Favorito a assumir esse posto pela relação próxima a Bolsonaro, Tarcísio de Freitas nega a pretensão, mas vem cada vez mais nacionalizando seu discurso. Resta saber, contudo, qual é o tamanho do risco que ele estará disposto a correr. “Se Tarcísio não se sentir seguro, é difícil que troque uma reeleição segura em São Paulo por uma tentativa presidencial”, diz o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV.
Enquanto Tarcísio não se decide, outros postulantes se movimentam. Um deles é o governador Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, que, em evento recente ao lado de Zema em Porto Alegre, falou em “tirar esse governo do qual nós divergimos” e disse que poderia abrir mão da sua pretensão se Zema ou outro nome for mais viável. A candidatura de Tarcísio ao Palácio do Planalto é vista nos bastidores como única via capaz de evitar uma divisão da direita entre várias candidaturas em 2026. O outro desafio do grupo é marchar com o apoio do capitão — só falta combinar isso com Bolsonaro.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939