Fim do encanto: a derrocada de João Santana na campanha de Ciro
Estrategista de vitórias do PT e principal astro da velha guarda do marketing político não conseguiu brilhar na corrida eleitoral
O publicitário João Santana fez fama em um passado não muito distante como uma espécie de midas das campanhas políticas. Um dos responsáveis pela popularização do termo “marqueteiro”, o baiano fazia jus à fama. Assumiu o desafio de cuidar da imagem de Luiz Inácio Lula da Silva em meio ao escândalo do mensalão e levou o petista à reeleição em 2006. Depois, fez Dilma Rousseff chegar ao Palácio do Planalto em sua estreia eleitoral. Em 2014, reconduziu ao cargo a petista, já sob o intenso desgaste que a levaria ao impeachment. Em 2012, não só colocou outro estreante, Fernando Haddad, na maior prefeitura do país, São Paulo, como emplacou três presidentes pelo mundo: Hugo Chávez (Venezuela), Danilo Medina (República Dominicana) e José Eduardo dos Santos (Angola).
Depois de amargar um tempo na prisão ao ser alvejado em cheio pelas denúncias da Lava-Jato, o bruxo das campanhas voltou ao cenário ao lado de Ciro Gomes, mas sua magia parece ter chegado ao fim. O pedetista chegou às vésperas da eleição com marcas decepcionantes para o investimento feito em Santana. A sua contratação foi anunciada como um trunfo decisivo para o presidenciável em abril de 2021. Àquela altura, segundo o Ipespe, Ciro tinha 9% das intenções de voto. Um ano e meio depois, sendo que Santana embolsou mais de 10 milhões de reais no período, entre os 250 000 reais mensais do PDT e 8,3 milhões de reais da campanha, o candidato cravou 6% na pesquisa Ipec da segunda-feira 26. O resultado das urnas no domingo 2 pode mudar alguma coisa, mas o pedetista caminha de forma célere para amargar seu pior desempenho na quarta tentativa de disputa ao Planalto.
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Enquanto nas campanhas do PT Santana era visto como “gênio”, com notórias habilidades para comunicar feitos do governo e “desconstruir” adversários, como fez com Marina Silva em 2014, as suas estratégias não são agora uma unanimidade no PDT. O fato de Ciro não ter decolado é só uma das muitas reclamações. O marqueteiro apostou em uma embalagem mais jovial e simpática do mercurial Ciro, cuja presença nas redes teve como carro-chefe as lives Ciro Games, onde recebia convidados ao lado da mulher, Giselle Bezerra. Entre as peças que Santana produziu estão tentativas de apelar ao eleitor religioso (com Ciro segurando uma Bíblia em uma mão e a Constituição em outra) e de colar no presidente Jair Bolsonaro (PL) a imagem de traidor. Em busca de um lugar no segundo turno e diante de um quadro de polarização, Ciro adotou a tática de atacar tanto Lula quanto Bolsonaro, movimento que desagradou a pedetistas simpáticos ao ex-presidente, que não gostaram de ver Lula sendo chamado de “corrupto” e “ladrão”. As estocadas no petista acabaram por gerar uma identificação entre Ciro e o bolsonarismo, que reproduz declarações suas nas redes para atacar Lula.
Políticos próximos a Ciro reclamam da influência de João Santana junto ao candidato e enxergam na dupla a “união da fome com a vontade de comer” em relação às mágoas que cada um tem do PT. Ciro se sente traído por não ter tido apoio do partido em 2018, enquanto o marqueteiro foi sócio da derrocada da sigla promovida pela Lava-Jato. Preso em 2016, ele e sua mulher, Mônica Moura, admitiram, em acordo de delação, que receberam milhões de reais da Odebrecht em caixa dois nas campanhas de Lula e Dilma. As acusações sepultaram de vez a relação com a agremiação que lhe destinou muito dinheiro — em 2014, ele embolsou de Dilma 70 milhões de reais só no “caixa um”.
A derrocada de Santana também se dá em outros tempos para o marketing eleitoral, no qual a TV divide o protagonismo com as redes sociais. Fora, é claro, o fato de a polarização ter reduzido o espaço da “terceira via” e de ser cada vez menor a influência dos supermarqueteiros. Chegou-se ao fim da era das figuras caricatas de gênios que podem ganhar a eleição com uma sacada. “Isso não existe mais porque a comunicação de massa, o eleitor e o contexto político mudaram”, avalia Gabriel Rossi, sociólogo e professor de marketing da ESPM.
Em outubro de 2013, um ano antes da reeleição de Dilma, o então guru dizia que a petista iria ser reeleita no primeiro turno porque ocorreria “uma antropofagia de anões” na disputa eleitoral de 2014. “Eles vão se comer, lá embaixo, e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo”, disse. Apesar da vitória no final, a caminhada esteve longe de ser tranquila. Aquela foi a disputa em que o PT esteve mais próximo de perder para o PSDB. Por ironia, desta vez é o seu candidato quem faz o papel de anão, disputando a posição de melhor entre os piores com Simone Tebet (MDB). Nos últimos dias, o seu papel se resume a lutar para evitar que a pregação de Lula pelo voto útil desidrate o capital político que restou. Santana não é o único e, muito provavelmente, nem o maior culpado. Mas é certo que decepcionou quem apostou tudo nele esperando a repetição da velha mágica eleitoral.
Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809