Estratégia de Lula põe ex-ministros e ex-figurões do PT no segundo escalão
A ideia do presidente é mostrar que existe um novo governo, mas também um governo novo
Ao longo dos dois primeiros mandatos de Lula, Gilberto Carvalho tinha acesso livre à maçaneta do gabinete presidencial. Coordenador da agenda do petista por oito anos, oficialmente atuava como braço direito operacional e fazia a interlocução do governo com movimentos sociais. Sua principal tarefa, porém, era outra. Longe dos holofotes, era dele o papel informal de conselheiro e guardião do presidente — tarefa que cumpriu com diligência por oito anos. Por ser um dos últimos remanescentes do primeiro escalão do PT, partido que ajudou a fundar, esperava-se que Gilberto assumisse um posto de destaque no novo governo. Em vez disso, assumiu o comando da discreta Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária com um salário mediano, na casa dos 12 000 reais. Vinculado ao Ministério do Trabalho, o órgão atua em políticas de inclusão de cooperativas e associações de trabalhadores no mercado de trabalho. Parece uma ocupação menor — e é. Mas isso não significa necessariamente que o ex-ministro encolheu.
Reabilitado pelas urnas, Lula colocou em prática um projeto de reconstrução da própria imagem. Com pouca margem de votos sobre Jair Bolsonaro, ele já havia sido orientado a abrir sua chapa nas eleições para doze partidos e garantir cargos importantes aos novos apoiadores — MDB, União Brasil, PSB e PSD, por exemplo, levaram três ministérios cada. A ideia é mostrar que existe um novo governo, mas também um governo novo. “Lula até brincava: ‘De velho já chega o técnico. Quero jogadores novos’. Não podíamos repetir o governo com o mesmo time”, explicou Gilberto Carvalho a VEJA. A aparente segregação de figuras históricas do PT segue, em parte, essa lógica. A outra, bem mais pragmática, inclui o diagnóstico de que, longe do escrutínio que a opinião pública dedica ao primeiro escalão, no segundo escalão os aliados ficam mais livres e podem executar com certa discrição as ordens do chefe e as missões do partido. “Não tenho mais uma relação cotidiana com o Lula, mas costumo ir ao Palácio nas folgas depois do almoço e converso bastante com ele”, ressalta Gilberto Carvalho.
Ex-ministro da Indústria e Comércio e ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel é outro exemplo de petista com pedigree colocado à distância das grandes decisões. Ele foi indicado para comandar uma estatal encarregada de recuperar ativos da União e, por ser irrelevante, constava na lista de empresas a serem liquidadas. O salário é de 42 000 reais, mas certamente não foi esse o principal atrativo, embora não se saiba quais são os outros. Nesse rol de figurões petistas ocupando cargos subalternos ainda aparece o ex-governador Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior, atualmente secretária-executiva da Casa Civil, e a ex-presidente Dilma Rousseff, que se mudou para Xangai, na China, onde assumiu na semana passada o comando do chamado banco dos Brics. “A velha guarda do PT ajuda com experiência e capacidade, mas, afastada dos cargos principais, também ajuda a diminuir o desgaste do partido”, avalia o vice-presidente da legenda, deputado Washington Quaquá.
Esse plano de renovação, no entanto, é apontado por alguns setores do próprio PT como responsável por certas dificuldades nesse início de governo. O próprio Quaquá reconhece o problema: “Eu costumo dizer que os meninos já entram no PT querendo ser presidente da República. Antigamente a gente entrava no PT para fazer revolução. Hoje, o menino ganha uma mesa, uma secretária, um cargo de 8 000 reais e vira burocrata com 20 anos de idade”. Petista histórico e amigo de primeira hora de Lula, o ex-metalúrgico Paulo Okamotto também está distante do governo — ao menos formalmente. “Não há nada demais nisso. Ex-ministro ocupar cargo de segundo escalão não é perda de prestígio. O que há é um grande otimismo no início deste governo e todos querem colaborar”, explica ele, que comanda a Fundação Perseu Abramo, entidade ligada ao PT.
No início do governo, Okamotto circulou por Brasília. Mesmo sem nenhum cargo, visitou o então presidente do Sebrae, Carlos Melles, e transmitiu a ele o recado de que Lula queria sua demissão. “Ou você sai ou vamos te tirar”, advertiu, segundo relato de quem acompanhou o encontro. O Sebrae, que foi comandado pelo próprio Okamotto de 2005 a 2010, durante os dois primeiros mandatos de Lula, tem um orçamento de 4,5 bilhões de reais. É considerado uma das joias da coroa. Coincidência ou não, Melles pediu demissão depois do encontro. No lugar dele, assumiu o ex-deputado Décio Lima, presidente do diretório estadual do PT de Santa Catarina. Como Okamotto não é do governo, ficou o dito pelo não dito. Imagine a confusão se ele fizesse a mesma coisa ocupando um ministério. O caso provavelmente ganharia contornos de escândalo.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837