Entre a Lava Jato e a eleição, Lula inicia caravana pelo Nordeste
Petista percorrerá de ônibus, metrô e avião 25 cidades de nove estados, em vinte dias; turnê começa em Salvador nesta quinta, em ato contra sentença de Moro
Era 13 de julho. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia sido condenado no dia anterior a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Para dar uma resposta ao juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, Lula se cercou de aliados no Diretório Nacional do partido, em São Paulo, e reivindicou do PT o direito de ser candidato à Presidência em 2018.
Do lado de fora do diretório, dezenas de militantes reagiam a discursos inflamados de lideranças petistas. Entre um ataque e outro a Moro, o senador Lindbergh Farias (RJ) traçou a estratégia que o PT adotaria semanas depois. “Nós vamos lançar Lula imediatamente como candidato à Presidência. Vamos viajar esse país. Tem que ter muita garra e determinação. Vamos desmoralizar a sentença do juiz Sergio Moro.”
Transcorrido pouco mais de um mês do episódio, Lula se prepara para a primeira das muitas caravanas que pretende realizar pelo Brasil até as eleições de 2018. Nesta quinta-feira, às 15h30 (de Brasília), o ex-presidente desembarca em Salvador para um giro de vinte dias por 25 cidades dos nove estados do Nordeste, seu principal reduto eleitoral. “Vamos fazer campanha, sendo candidato ou não. Vamos andar pelo Brasil”, disse o petista, no dia 28 de julho, em entrevista à rádio Som Maior, de Criciúma.
A caravana ocorre em um momento de incertezas para o petista. Líder nas pesquisas de intenções de voto, Lula pode não ter a chance de se candidatar à Presidência caso a sentença expedida por Moro seja confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Publicamente, o PT nega que a caravana tenha caráter eleitoreiro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá aplicar sanções aos pré-candidatos que desrespeitarem os prazos estipulados para o início das propagandas eleitorais.
“Lula decidiu realizar a caravana e viajar pelo Brasil. Havia muitas solicitações dos estados do Nordeste pela sua presença, por isso decidimos começar pela região”, declarou Márcio Macêdo (PT-SE), vice-presidente nacional do partido e coordenador da viagem do ex-presidente. “A caravana não é eleitoral. Ela não apresentará nenhum plano A, B, C ou D. Servirá para discutir o país”, disse o deputado José Guimarães (PT-CE), líder da minoria na Câmara.
Lula fará os trajetos de ônibus e avião, ficará hospedado com a sua comitiva em hotéis e não terá nenhum esquema especial de segurança à sua disposição. Em cada cidade visitada, o petista realizará reuniões com lideranças locais, políticas e da sociedade. O PT diz que arcará com todos os custos, mas não revela qual foi o orçamento estipulado para a caravana. A ideia do partido é repetir o formato de viagem nas outras regiões do Brasil.
Coincidentemente – ou não -, a caravana de Lula ocorre no momento em que outros presidenciáveis participam de eventos e palestras em todo o país. Os últimos a irem para a estrada foram o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito paulistano, João Doria, que travam uma disputa silenciosa pela indicação do PSDB. Neste mês, Alckmin se reuniu com políticos em Brasília e participou de evento em Porto Alegre. Já Doria foi a Curitiba, Salvador, Palmas e Natal nos últimos dias. O prefeito também irá a Recife, Vila Velha (ES), Campina Grande (PB), Aracaju, Belém e Fortaleza.
Cabo eleitoral
Caso seja impedido de disputar a eleição, Lula disse que usará seu cacife político para ser um “grande cabo eleitoral” em 2018. Nas eleições municipais de 2016, o PT pagou o preço por seu envolvimento em sucessivos escândalos de corrupção e passou de 630 prefeituras para 236. Na Bahia, escolhida pelo ex-presidente para ser o ponto de partida da caravana, a legenda foi de 93 prefeituras para 39.
O temor do partido é que a descrença da população com siglas tradicionais, e sobretudo com o campo da esquerda, faça o PT amargar novas derrotas nas eleições para deputado federal, senador e governador. “Recuperar a confiança dos eleitores é a âncora fundamental para o partido se restabelecer e recuperar sua imagem perante a sociedade. O Lula é muito maior do que o PT, é um patrimônio da esquerda latino-americana. Ele está determinado e colocou na agenda que a recuperação do PT é seu principal objetivo”, disse José Guimarães.
Para ressuscitar o partido, o ex-presidente se empenhará em propagandear o legado das administrações petistas na região. Algo similar foi feito em uma cerimônia extraoficial de inauguração do eixo leste da transposição do rio São Francisco, em que Lula discursou como “pai” da obra. “Nós vamos poder colocar luz no nosso legado político e denunciar as tentativas do governo golpista do presidente Michel Temer (PMDB) de assumir a paternidade de coisas que não foram feitas por ele”, disse o senador Humberto Costa (PE), uma das principais lideranças petistas no Nordeste.
O PT já divulgou alguns dos eventos de que Lula participará na Bahia. Na quinta, ele irá de metrô ao lançamento de um livro que contesta a sua condenação na Lava Jato, em Salvador. No dia seguinte, o petista recebe o título de doutor honoris causa na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cruz das Almas, e discursa como patrono na colação de grau dos estudantes da Unilab, em São Francisco do Conde – as duas instituições foram criadas no governo Lula. Já no sábado, o ex-presidente vai a um ato em defesa da agricultura familiar, em Feira de Santana.
A realização de caravanas é uma marca do PT e de Lula. Entre 1993 e 1996, o petista realizou várias peregrinações pelo país, acompanhado de lideranças políticas e sindicais. Foram cinco deslocamentos, que percorreram 359 cidades em 26 estados brasileiros, segundo o partido, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a realidade brasileira. A primeira das caravanas partiu de Garanhus (PE), onde Lula nasceu, e terminou em Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá (SP), para onde a família do petista migrou em 1952.
Percalços
O ato na capital baiana e a honraria concedida ao ex-presidente na UFRB, logo na largada do giro de Lula pelo Nordeste, geraram alguma polêmica nos últimos dias. A prévia da agenda da caravana anunciada pelo PT informava que o lançamento do livro O Processo Lula seria no Cerimonial Rainha Leonor, no bairro da Pupileira, em Salvador. O evento acabou realocado, contudo, para uma área interna da Arena Fonte Nova.
O secretário de Desenvolvimento baiano, ex-governador e ex-ministro Jaques Wagner (PT) atribuiu a mudança a um “preconceito” da Santa Casa da Bahia, proprietária do local. “Não vai ser [na Pupileira] porque, estranhamente, segundo a informação, o responsável por lá diz que não queria que fizesse lá. Acho que é um ato preconceituoso. Ali é uma casa de eventos, a gente ia pagar o aluguel. Eu fico triste”, disse Wagner a um portal local na semana passada.
Por meio de nota, a Santa Casa nega que tenha vetado o lançamento do livro por motivos políticos. “A Santa Casa da Bahia jamais se opôs à realização de qualquer evento nas suas dependências com o ex-presidente Lula, que já foi recebido por duas vezes no Museu da Misericórdia ao longo dos seus mandatos”, lembra a assessoria de imprensa.
Segundo a instituição, o evento foi anunciado pelo PT após um breve contato telefônico do partido e sem que tivesse sido assinado um contrato ou qualquer acordo para a locação. “No intuito de preservar a instituição e prestar um serviço de esclarecimento ao público, manifestamo-nos através de nota à imprensa, informando que não houve reserva do espaço para o referido evento no dia 17/08”, diz a Santa Casa.
Já a entrega do título de doutor honoris causa pela UFRB a Lula, previsto para a sexta-feira, é questionada pelo líder do DEM na Câmara Municipal de Salvador, Alexandre Aleluia. Aliado do prefeito soteropolitano, ACM Neto (DEM), e filho do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), o vereador entrou com uma ação civil pública na Justiça, com pedido de liminar, para que a decisão da universidade seja revertida.
“Uma honraria não poderia ser concedida, ainda mais por uma universidade pública, a um condenado. Se existe um conceito de reputação ilibada, ele não deve ser aplicado ao ex-presidente Lula. Um condenado não merece prêmio, merece sentença”, afirma o vereador, que alega o “princípio da moralidade” no pedido à Justiça e suposta utilização de uma universidade pública como “palanque eleitoral”.
Assim como no caso do Cerimonial da Pupileira, Jaques Wagner saiu em defesa de Lula contra Aleluia. Por meio de seu perfil no Facebook, Wagner afirmou que a iniciativa do vereador é “o fim da picada” e, em entrevista à rádio Paraguassú FM, atribuiu a ação do vereador à “inveja”.
“Queria dizer ao vereador que ele precisa estudar um pouquinho. O caboclo que nunca ganhou nem sonha ganhar um título deste fica mordendo a língua de raiva e fica tentando empatar. […] A inveja é um sentimento ruim. A gente deve ter o exemplo. Quem sabe [se Alexandre Aleluia] trabalhar, possa chegar ao nível que o presidente Lula chegou”, provocou Jaques Wagner.