Enquanto Lula dispara no Nordeste, aliados na região ainda patinam
Nomes para governos ainda estão bem abaixo do esperado nos três maiores colégios — Bahia, Pernambuco e Ceará — e enfrentam problemas em estados menores
Desde que fincaram o pé no Nordeste, em 2002, e fizeram da região uma inexpugnável fortaleza, o PT e seus aliados locais colecionam sucesso nas eleições para governador. Dessas vitórias saíram, inclusive, quadros do partido que hoje despontam como homens fortes na campanha de Lula para voltar ao Palácio do Planalto, como o baiano Jaques Wagner e o piauiense Wellington Dias. Nas últimas sondagens para as eleições deste ano, no entanto, a costumeira lavada nordestina dos petistas e agregados não se configura: seus candidatos ainda estão bem abaixo do esperado nos três maiores colégios — Bahia, Pernambuco e Ceará — e enfrentam problemas em estados menores. Ironicamente, um dos principais entraves à subida dos aspirantes apoiados pelo PT aos governos estaduais é o, digamos, excesso de influência de Lula, que resulta em candidatos adversários reivindicando associação a ele e gerando ruído em alianças já formadas — justamente em um pleito com poucos candidatos à reeleição (nenhum nos maiores estados) e nomes desconhecidos precisando se colar ao principal cabo eleitoral.
O pega-pega nas disputas estaduais é tamanho que embaça um pouquinho o brilho da projeção do último Datafolha de que, na corrida para o Planalto, Lula ganha de 62% a 17% de Jair Bolsonaro no Nordeste, o que seria sua maior vitória até hoje na região. O PT se apega à expectativa de que, quando a campanha começar para valer e Lula aparecer no palanque com seus candidatos, eles vão sair da rabeira e disparar. Pode ser, mas até agora o petista tem sido cobrado por permanecer excessivamente em cima do muro, sem fazer muito esforço para cortar as asas de quem se vende como lulista sem estar com o PT. Sua convicção é de que, a essa altura, quanto mais ajuda por votos, melhor — não importa de onde venha.
O caso mais gritante é o de Marília Arraes, em Pernambuco: a ex-petista que se filiou ao Solidariedade lidera as pesquisas evocando, praticamente como um mantra, o nome de Lula. Já o candidato do PSB apoiado pelos petistas, o deputado federal Danilo Cabral, aparece em quarto lugar, com menos de 10% das intenções de voto. “Marília é lembrada pelo sobrenome do avô, Miguel Arraes, e por ter sido candidata à prefeitura do Recife pelo PT, em 2020. Mas quando começar a campanha vamos mostrar que ela abandonou o partido e recusou o convite do próprio Lula para concorrer ao Senado”, relata um importante petista. Em outra frente, Lula deve visitar até meados de julho três municípios pernambucanos com a missão específica de prestar claro e vigoroso apoio a Cabral, compromisso que assumiu em reunião no fim de maio na qual o PSB expôs a dificuldade de seu candidato no principal reduto do partido — hoje comandado pelo governador Paulo Câmara, sucessor de Eduardo Campos, morto em 2014.
A força dos clãs regionais desafia o PT em outras eleições nordestinas. Na Bahia, o carlismo, cultura política criada pelo cacique Antonio Carlos Magalhães que perdeu força desde a ascensão petista, tem como candidato ao governo nada menos que outro Antonio Carlos Magalhães: ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e um dos figurões do União Brasil (que ainda por cima conta com a maior reserva financeira entre as legendas brasileiras). O herdeiro político do avô aparece com 67% das intenções de voto na última sondagem Genial/Quaest, anos-luz à frente do petista Jerônimo Rodrigues, ex-secretário de Educação do governo Rui Costa, com meros 6%. O PT, de novo, acredita que a situação vai se reverter — a expectativa é de que isso comece a acontecer até o fim de julho — como resultado de uma vinculação mais clara a Lula e com o uso eficiente da poderosa máquina espalhada pela Bahia, onde o partido tem mais de 300 prefeitos aliados nos 417 municípios e a influência de caciques como Jaques Wagner, Costa e o senador Otto Alencar, do coligado PSD. “Quando há nomes consolidados, o trabalho é mais fácil. Na Bahia, em Pernambuco e no Ceará, nossos candidatos ainda são desconhecidos, e o esforço agora é para integrá-los a Lula”, reforça Wellington Dias, que deixou o governo do Piauí para concorrer ao Senado e ingressar na coordenação da campanha de Lula. Ele sabe do que fala: no seu reduto, encara a missão de aumentar a popularidade de seu candidato, Rafael Fonteles.
Além de mobilizar seu pelotão de cabos eleitorais, a estratégia na Bahia, segundo um petista do alto escalão baiano, passa por duas frentes: nacionalizar o debate, associando Neto a Jair Bolsonaro (de quem ele tenta se afastar), e ressaltar o legado dos últimos governos do PT no estado. “ACM Neto tem uma boa imagem como ex-prefeito de Salvador e a memória do nome do avô no interior, o que torna essa eleição mais difícil do que outras. Mas ele nunca fez nada pelo estado e, por mais que tente se esquivar, não vai apagar sua ligação bolsonarista, vamos explorar isso”, afirma.
Já no Ceará, reduto de Ciro Gomes, um bolsonarista, Capitão Wagner, lidera as pesquisas em meio a um turbilhão nos bastidores agitado pelo presidenciável pedetista — que põe em risco inclusive a aliança local entre PT e PDT. Na disputa pela Presidência, a campanha de Lula prevê ganhar de Bolsonaro no Nordeste com a maior diferença de votos da história do PT — cerca de 13 milhões a mais, bem acima do recorde até agora, os 11 milhões de Dilma Rousseff contra o tucano José Serra, em 2010. “Percebemos uma vontade cada vez mais forte do povo daqui de resolver logo no primeiro turno”, afirma Wellington Dias. Falta agora esse otimismo todo se estender aos ainda acanhados apadrinhados estaduais.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793