Desempenho de Bolsonaro em podcast divide QG da campanha à reeleição
Para uma ala do grupo, presidente gastou horas em entrevista para falar principalmente a “convertidos”, sem cativar novos eleitores

A participação do presidente Jair Bolsonaro no podcast Flow, no último dia 8, alcançou números expressivos. As mais de cinco horas de entrevista chegaram a mobilizar, durante o pico, mais de 500.000 acessos simultâneos e já registram quase 15 milhões de visualizações no YouTube. O resultado foi propagado por aliados do presidente como um estrondoso sucesso e o “mais brilhante mídia training ao vivo”, conforme definiu o ex-chefe da Secretaria de Comunicação Fabio Wajngarten.
Nos bastidores, no entanto, não houve só aplausos. O desempenho de Bolsonaro gerou mais um capítulo de desentendimentos no grupo que trabalha na campanha à reeleição – ou, como disse um integrante da equipe, uma nova “briga dos profissionais com os ideólogos”. Os times não raro se estranham e, conforme relatos, o clima segue ruim entre os articuladores do projeto à reeleição.
No dia seguinte à entrevista, aconteceu a tradicional reunião do “QG” da campanha presidencial, do qual participam figuras como os ministros Ciro Nogueira e Fábio Faria, o candidato a vice, general Braga Netto, o senador Flávio Bolsonaro e os marqueteiros Sergio Lima e Duda Lima.
No encontro, foi feita uma avaliação da participação presidencial no Flow. Fabio Wajngarten, conforme os relatos, era o mais animado com o resultado. Dizia que o presidente foi um “espetáculo” e não fugiu das perguntas e defendeu que Bolsonaro devia passar mais tempo se dedicando ao modelo de entrevistas, quando ele se apresenta “mais à vontade”.
A posição foi rebatida pelo ministro das Comunicações. Fábio Faria contou que fez um balanço do tempo gasto pelo presidente com temas que pouco – ou nada – agregam um novo eleitorado, como a pandemia da Covid-19. “É um assunto que ele ganha ou perde?”, questionou o ministro.
Houve críticas também às declarações do presidente sobre as urnas eletrônicas. Na avaliação da ala política, a retomada de assuntos controversos faz com que Bolsonaro dialogue apenas com os “convertidos” e para a “bolha” que já vota nele, o que não traz impacto eleitoral.
Ao entrevistador, o presidente recorreu ao seu arsenal já conhecido. Sobre a pandemia da Covid-19, que já deixou mais de 680.000 mortos no Brasil, Bolsonaro se dedicou a reafirmar que não tomou a vacina, a descredibilizar o uso do imunizante – chamado por ele de experimental – e a criticar as farmacêuticas. Bolsonaro ainda defendeu o uso da cloroquina e a contaminação natural como uma forma de prevenção e tratamento – medidas já contestadas pela comunidade científica.
Bolsonaro também repetiu o roteiro de ataques às urnas, dizendo que houve fraude nas eleições de 2018 – que ele próprio saiu vitorioso – e levantando suspeitas sobre a segurança eletrônicas do Tribunal Superior Eleitoral. Para fechar o pacote, o presidente ainda criticou o Supremo Tribunal e chamou ministros de mentirosos.
A entrevista de Bolsonaro ao podcast teve entre os articuladores os assessores Filipe Martins, José Matheus Salles e Mateus Diniz – grupo que trabalha na linha de frente do presidente e de seus aliados nas redes sociais e ficou conhecido como “gabinete do ódio”. O trio tem como mandachuva o filho Carlos Bolsonaro, que é, na prática, em quem Bolsonaro confia as estratégias de comunicação.