Denúncia por homofobia coloca Ministério da Educação no centro de polêmica
Investigação contra Milton Ribeiro expõe a dificuldade de se estabelecer o limite entre a liberdade de expressão e o crime
O professor Milton Ribeiro é o quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro. Seus antecessores foram substituídos após se envolverem em barulhentas polêmicas que pouco ou quase nada tinham a ver com a tarefa de comandar uma das pastas mais importantes da Esplanada. Ricardo Vélez, o primeiro a ocupar o cargo, foi demitido após afirmar, entre vários absurdos, que os turistas brasileiros se comportavam como canibais, roubando toalhas de hotel e assentos salva-vidas de avião. O sucessor dele, Abraham Weintraub, sucumbiu depois de chamar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de “vagabundos”. Já Carlos Decotelli, o terceiro, nem acomodou-se direito na cadeira. Caiu depois de afirmar que havia concluído cursos de doutorado e pós-doutorado no exterior — e era mentira. Pastor da Igreja Presbiteriana, Ribeiro é diferente de seus antecessores. Ex-reitor de uma respeitada universidade privada, ele é bem mais discreto e, ao contrário de muitos de seus colegas, não cultua o mau hábito de militar nas redes sociais. Desde que tomou posse, há pouco mais de seis meses, decidiu conceder pouquíssimas entrevistas, para evitar se expor. Uma delas, no entanto, foi suficiente.
O ministro disse ao jornal O Estado de S. Paulo que “não é normal” ser homossexual e que gays são reflexo de “famílias desajustadas”. Afirmou também que um “adolescente muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo” e que decidir por se relacionar afetivamente com pessoas do mesmo sexo “são questões de valores e princípios”. Por causa dessas declarações, foi aberta uma investigação criminal e Milton Ribeiro, em breve, será denunciado por crime de homofobia. O ministro será a primeira autoridade da República a enfrentar um processo dessa natureza no STF, que, em caso de condenação, pode render uma pena de até cinco anos de prisão. O ministro tem dito a pessoas próximas que apenas repetiu o que já havia dito em outras ocasiões sobre o assunto, muito antes de entrar no governo. “Apenas expressei as minhas convicções. Essa acusação que me fazem é absurda”, desabafou recentemente.
A entrevista foi dada em setembro do ano passado. Depois disso, o ministro foi obrigado a se explicar num procedimento instaurado no Supremo para apurar se houve crime. Os procuradores encarregados do caso chegaram a oferecer um acordo a Ribeiro para não levar o processo adiante. Pela proposta, o ministro reconheceria que praticou o crime e pagaria uma multa de 190 000 reais, dinheiro que seria revertido a entidades de acolhimento e proteção a vítimas de homofobia. Acordos como esse podem ser oferecidos pelo Ministério Público quando o crime ocorre sem violência ou grave ameaça e a pena mínima for inferior a quatro anos de prisão. Milton Ribeiro recusou a oferta. Em documento enviado ao STF, ele pediu desculpas a quem se sentiu ofendido por suas declarações e, mais uma vez, reafirmou que não fizera nada que contrariasse a lei.
Há duas semanas, o ministro retomou o assunto durante um culto evangélico. Reverendo Milton, como é conhecido entre os fiéis de sua igreja, disse que ocupava “um papel mais espiritual do que político” como ministro da Educação, que gostaria de tirar o país “do rumo de um desastre” e retomar “o que é certo e o que é errado”. “Até mesmo o inquérito que eu enfrento no Supremo Tribunal Federal tem a ver com isso, com algo que Jesus não tem nenhum receio de dizer que não é o caminho certo”, afirmou. Relator da ação, o ministro Dias Toffoli determinou à Polícia Federal que interrogasse o ministro, o que deve acontecer nos próximos dias. Só depois disso os procuradores devem denunciá-lo por crime de homofobia, sustentando que as declarações dele feriram a lei — uma interpretação controversa, que divide opiniões.
Para a advogada e desembargadora aposentada Cecília Mello, a iniciativa de processar o ministro tem um “efeito didático” e evita que crenças possam influir na elaboração de políticas educacionais. “Na medida em que Milton Ribeiro se manifesta com viés discriminatório, há um grande risco de políticas públicas relacionadas à educação refletirem esse viés”, avalia. Em 2019, o Supremo Tribunal, na falta de uma lei que tratasse exclusivamente sobre a homofobia, decidiu que manifestações que configurassem discurso de ódio contra homossexuais deveriam receber um tratamento equivalente ao crime de racismo e ser punidas da mesma maneira. Para o advogado André Marsiglia, especialista em processos que envolvem discussões sobre liberdade de expressão, as declarações do ministro tanto na entrevista quanto no culto religioso não se encaixam nesse preceito: “Por mais que a opinião dele seja uma tolice sem precedentes, ele tem direito a expressar essa tolice como opinião e convicção”. Infelizmente, o Ministério da Educação, tão importante para um país como o Brasil, vai se tornar o centro de uma nova polêmica.
Publicado em VEJA de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725