Delator acusa Bretas e MP de manobra para tirar Gilmar da Lava Jato
Nythalmar Dias detalhou à Justiça articulação para que casos do braço fluminense da Lava Jato não fossem decididos pelo maior crítico da operação no STF
A edição desta semana de VEJA publica, com exclusividade, os anexos da delação premiada do advogado criminalista Nythalmar Dias Ferreira Filho, acusado pelo Ministério Público de tráfico de influência e exploração de prestígio. Segundo procuradores da Lava Jato, Nythalmar vendia a investigados encrencados com a justiça facilidades junto à 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, comandada pelo juiz Marcelo Bretas. Em seu acordo de colaboração, aceito pela Procuradoria-geral da República há cerca de dois meses, porém, o advogado conta outra história: diz que Bretas e a então força-tarefa da Lava-Jato articularam uma manobra para retirar o ministro Gilmar Mendes dos casos relacionados ao petrolão no Rio. Mendes é o relator dos recursos que chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando decisões do braço fluminense da Lava Jato, é conhecido como um crítico ácido da operação e frequentemente derruba ordens de prisão decretadas por Bretas.
Segundo a versão apresentada pelo delator, a ideia da Lava Jato e do juiz Bretas era utilizar um caso envolvendo o ex-diretor da empresa paulista de infraestrutura rodoviária (Dersa) Paulo Vieira de Souza, investigado originalmente em São Paulo, e alegar que as suspeitas de que o dirigente era alvo tinham relação com casos investigados no Rio. Se a manobra fosse vitoriosa, diz, Bretas e os procuradores conseguiriam alterar nas instâncias superiores os juízes responsáveis pela Lava-Jato fluminense até chegar ao Supremo, onde o caso era tocado por Gilmar Mendes. Conhecido como Paulo Preto, Souza foi apontado por delatores como o operador de propinas de políticos do PSDB, partido que mantém históricas relações com Mendes.
“A força-tarefa do MPF-RJ e o juiz acreditavam que a Lava Jato de São Paulo não havia conseguido avançar na forma entendida por eles. Então pensaram em usar esse processo para aos poucos ampliar sua competência e abarcar os processos de São Paulo, e o alvo elegido para trazer essa competência e, consequentemente, trazer os processos de São Paulo era Paulo Vieira de Souza, chamado pelos procuradores e juiz como Paulo Preto”, descreve o delator no anexo 4 de sua proposta de colaboração com a justiça.
O clima na Lava Jato fluminense era de “descontentamento” com Gilmar, afirma Nythalmar, porque o magistrado frequentemente concedia habeas corpus aos investigados e os autorizava a responder aos processos em liberdade. Uma saída foi pensada em conjunto e envolvia o delator, que disse ter concordado em utilizar um habeas corpus em favor de Fernando Cavendish para tentar alterar os relatores instância a instância, até que o próprio Gilmar Mendes fosse retirado do caso. A estratégia passava por alegar que a operação Marginal I, que atingia a Dersa, não era um desdobramento da Calicute, relatada por Gilmar, e que, por isso, deveria ser analisada por outro ministro, preferencialmente por Luiz Fux, hoje presidente do Supremo e apoiador da Lava Jato.
“O entendimento [de usar o caso de Paulo Preto] então foi passado para este proponente colaborador para que manejasse o recurso e buscasse que a competência das ações que seriam futuramente a Lava Jato de São Paulo estivesse sob a relatoria do Min. Fux, e não do Min. Gilmar Mendes, abrindo assim o caminho, na visão deles, para a Lava Jato de São Paulo ocorrer no Rio de Janeiro com mais tranquilidade, sem ser tolhida ou vigiada pelo Min. Gilmar Mendes”, afirmou o advogado. Mensagens do chat de conversa do Facebook entre Nythalmar e o juiz detalharam ponto a ponto a estratégia, mas, segundo o delator, foram posteriormente apagadas. Ele acredita que, ao longo das investigações, o diálogo que comprovaria a manobra pode ser recuperado.
Em nota, os procuradores da Lava Jato rebateram as acusações do delator e desqualificaram as informações que ele apresentou à PGR. “Convertidos de vítimas de Nythalmar Filho em ora investigados, os procuradores subscritores não tiveram acesso ao inteiro teor do suposto acordo, mas uma leitura do que foi veiculado pela revista Veja mostra que a narrativa exposta por Nythalmar Filho é confusa (confunde o nome do investigado “Paulo Preto” com “Paulo Pedro”) e mentirosa (investigadores teriam tentado transferir uma investigação de São Paulo para o Rio de Janeiro, quando na verdade o processo foi declinado de forma espontânea pela Justiça paulista), porém condizente com o que parece ser a forma com que conduz sua atividade profissional, moldada à base de mentiras para tentar obter benefícios pessoais”, dizem. Marcelo Bretas, por sua vez, afirmou que “a 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro nunca atuou para que a investigação sobre a Dersa fosse transferida para o estado, tendo a vara competente em São Paulo declinado da competência”.