De olho na batalha pelo Senado em 2026, Lula costura apoio dos rivais Lira e Renan
Presidente nomeia tia de prefeito de Maceió para ministra do STJ e destrava o xadrez eleitoral em Alagoas

Desde o ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alimentava uma ambição quase improvável no historicamente conflagrado universo político de Alagoas: ter ao seu lado na campanha eleitoral os maiores adversários do estado e dois nomes muito influentes do Congresso: o senador Renan Calheiros (MDB) e o deputado Arthur Lira (PP). Inimigos figadais, ambos representam grupos e projetos distintos no cenário local, mas, juntos, poderiam ajudar o petista a enfrentar a estratégia do bolsonarismo de obter maioria no Senado em 2026, além de abrir palanques para a sua campanha à reeleição no estado, onde o PT vence as eleições presidenciais desde 2006, mas sempre perde na capital, Maceió. O plano de Lula, ao que parece, caminha para dar certo.
O movimento que destravou o xadrez eleitoral ocorreu em 10 de julho e envolveu um terceiro grupo poderoso de Alagoas: os Caldas. Ao indicar a procuradora Marluce Caldas a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Lula agradou ao prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, sobrinho da futura magistrada. Com isso, ele decidiu permanecer na prefeitura até o final de seu mandato, em 2028, e sair do caminho para a disputa eleitoral do ano que vem. Popular — foi reeleito em 2024 com 83% dos votos —, JHC, como é conhecido, também vai deixar o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro e voltar ao PSB, sigla da base de Lula e pela qual foi eleito em 2020.
O movimento abriu todos os caminhos para Lula em Alagoas. De imediato, favorece o ministro dos Transportes, Renan Filho, que é pré-candidato ao governo estadual e tinha em JHC seu principal opositor, com ambos chegando a cerca de 40% das intenções de voto em pesquisas recentes pelo comando de Alagoas. Além disso, favorece a reeleição de Renan Calheiros, senador desde 1995, e a chegada de Arthur Lira ao Senado — pesquisas mostram que JHC poderia tirar uma das vagas caso decidisse entrar nessa disputa. De quebra, o agrado ao prefeito garante apoio importante a Lula em Maceió. A ideia é que Lira e Renan disputem por chapas separadas e é difícil que o deputado suba no palanque do petista, mas sua candidatura ajuda a impedir que um “bolsonarista raiz“ fique com uma cadeira. “Uma chapa única com Renan e Lira não seria possível por causa do perfil do eleitorado de cada grupo. Agora, com as mudanças acordadas, Lira e JHC vão ter que entrar em campo para apaziguar suas bases”, avalia Luciana Santana, doutora em política e professora da UFAL, referindo-se aos aliados mais à direita desses dois políticos.

O acordão garante também a boa vontade de dois nomes pesados do Congresso. Uma semana depois do acerto em torno da indicação de Marluce Caldas ao STJ, Lula obteve uma vitória importante. Arthur Lira, que é ex-presidente da Câmara e ainda mantém muito poder na Casa, conseguiu, como relator, aprovar na Comissão de Constituição e Justiça o projeto de isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais, um dos mais estratégicos para o ano eleitoral. O relatório final do deputado, que se comprometeu com a aprovação da pauta, agradou ao governo porque manteve os principais pontos da proposta. Já Renan Calheiros deve ajudar JHC a articular a aprovação do nome de Marluce Caldas em sabatina no Senado, o que deve ocorrer sem grandes problemas. O prefeito ainda precisa resolver a situação com seu vice, Rodrigo Cunha (Podemos), a quem havia dito que deixaria a prefeitura em 2026, ao partir para a disputa de outro cargo. Cunha, que era senador, renunciou ao mandato em 2024 para ser vice-prefeito e, com isso, abriu caminho para a sua suplente, Eudócia Caldas, mãe de JHC e cunhada de Marluce, assumir a cadeira. “Se realmente conseguir consolidar o acordo, Lula quase não vai ter oposição em 2026 no estado. Foi inédito. Agora, é esperar para ver se JHC não vai trair alguém e concorrer ao governo ou se vai se acertar com o vice”, projeta Luciana Santana. Uma eventual quebra de acordo por JHC, no entanto, teria de ter a aprovação de Lira, que deve oferecer a vaga de suplente em sua chapa a um indicado pelo prefeito.
A costura política complexa em Alagoas tende a ser uma constante no xadrez para 2026, já que a conquista do Senado virou prioridade para Lula e Bolsonaro. O ex-presidente quer a maioria para fazer andar pautas como o impeachment de ministros do STF, enquanto Lula, que já tem dificuldades na Câmara, teria um quarto mandato difícil se tivesse de enfrentar uma forte oposição bolsonarista na outra Casa. A prioridade de Lula, já anunciada ao PT, é buscar nos estados nomes confiáveis, mesmo fora da esquerda, com os quais se possa dialogar, como Lira e Renan. A paz entre antigos rivais em Alagoas foi assim um bom teste para o pragmatismo eleitoral do petista.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954