De olho em 2026, Lula investe em mudança radical na comunicação do governo
Após trapalhadas, presidente monta estratégia para tentar recuperar sua popularidade e viabilizar plano de reeleição

Em meio século de vida pública, o presidente Lula construiu uma fama de animal político, encantador de serpentes e especialista no ofício de auscultar o sentimento popular. Quando era chefe da Casa Civil, no governo de Jair Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) dizia que não aceitava conversar com o petista porque temia ser seduzido por ele. Não era um exagero, já que no passado muitos adversários se renderam à lábia de Lula, que se mostrava quase infalível na arte de dizer e fazer aquilo que a plateia queria. Diante de tais predicados, esperava-se que o terceiro mandato do petista não enfrentasse tantos problemas na área de comunicação. Que o maestro, aclamado por suas propaladas habilidades, mantivesse a sinfonia em harmonia. Não foi o que aconteceu até agora. Acossado por uma série de tropeços e com a popularidade estagnada, perigando embicar para baixo, Lula resolveu reforçar o ministério com um marqueteiro. As metas são claras: conter a surra que a direita tem dado no governo e na esquerda nas redes sociais, recuperar a credibilidade da atual administração e fortalecer o projeto eleitoral da situação. Como disse o presidente, 2026 já começou.

Convocado para assumir a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, o marqueteiro Sidônio Palmeira, que trabalhou nas duas últimas campanhas presidenciais do PT, foi a estrela da reunião ministerial realizada na última segunda-feira, 20. No encontro, ele anunciou um plano para tirar o governo das cordas e deixou claro que centralizará a comunicação oficial, tendo a palavra final sobre temas diversos, de licitações para contratação de agências de publicidade à escolha de temas que merecerão a atenção especial dos ministérios. Uma de suas ideias é que cada pasta apresente uma lista de ações e programas que possam render dividendos em termos de popularidade. Sidônio, então, definirá o que deverá ser explorado, na tentativa de construir uma marca para o atual mandato e potencializar os ganhos de imagem. Na reunião, ele reconheceu que o governo conta com quadros e partidos de campos distintos, mas lembrou que todos têm de estar a serviço do regente. Por isso, sempre que possível, o garoto-propaganda e beneficiário dos conteúdos divulgados será Lula. “Não queremos entregar este país de volta ao neonazismo, ao neofascismo, ao autoritarismo”, declarou o presidente aos ministros, deixando claro o que está em jogo.
Responsável pelas campanhas vitoriosas ao governo da Bahia dos petistas Jaques Wagner, líder do governo no Senado, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, Sidônio voltou ao jogo nacional com desenvoltura. Ele trouxe profissionais consagrados para a sua equipe, demitiu apadrinhados políticos, inclusive da primeira-dama, Janja, cuja influência no governo é ainda maior na área de comunicação, e já traçou algumas estratégias para reagir à oposição. Uma delas é sempre tentar pautar o debate, inclusive nas redes sociais. Trocar uma postura reativa por uma pró-ativa. Segundo o ministro, o governo tem de falar primeiro, e não ser levado a reboque. Cada ministério foi orientado a avisar o Palácio do Planalto de problemas que podem servir de munição aos adversários.

O desafio é se antecipar a crises. Uma tentativa nesse sentido já está em andamento no Ministério da Saúde. Reunido com a ministra Nísia Trindade, Sidônio discutiu ideias de campanhas de combate ao mosquito transmissor da dengue e avanços na produção de vacinas. Na conversa, recebeu garantias de que os casos da doença no país diminuirão em 2025 — algo em que muitos especialistas em saúde não acreditam. O problema é que a própria pasta, sempre citada nas especulações sobre reforma ministerial, emite sinais conflitantes. No início do ano, a Saúde anunciou que monitorava a possibilidade de aumento da incidência de registros de dengue em seis estados, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro.

Outra mudança considerada crucial por Sidônio é alinhar “gestão”, “política” e “comunicação”, a fim de impedir que elas continuem a operar em rotações diferentes. Parece algo abstrato, mas pode ser explicado facilmente. Na prática, significa que cada ato normativo e cada campanha publicitária de um ministério, antes de entrar em vigor, terão de passar pelo crivo do marqueteiro. Por determinação do presidente, ele já participou da reunião que definiu os vetos ao projeto de regulamentação da reforma tributária. “Daqui para a frente, nenhum ministro vai poder fazer uma portaria que depois crie confusão para nós sem que passe pela Presidência através da Casa Civil. Muitas vezes a gente pensa que não é nada, faz uma portaria qualquer e depois arrebenta e cai na Presidência da República”, reclamou Lula na reunião ministerial. A inspiração para a regra é o maior revés sofrido pelo atual governo em termos políticos e de imagem: o caso da norma da Receita Federal sobre o monitoramento de transações financeiras feitas por meio do Pix. Durante dias, a oposição difundiu nas redes sociais a tese de que, a partir da implantação da norma, haveria taxação do Pix e uma ofensiva do Leão sobre empreendedores e pequenos empresários.
Como de costume, o governo ficou inerte inicialmente, permitindo que a narrativa dos adversários viralizasse de forma avassaladora. Um vídeo do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) sobre o assunto superou a marca de 300 milhões de visualizações (veja a reportagem na pág. 36). Uma pesquisa da Quaest mostrou que 88% dos entrevistados souberam do debate sobre mudanças nas regras do Pix e que 87% ouviram falar que o governo planejava taxar o mecanismo. Só quando o estrago estava feito, os governistas resolveram reagir. Por orientação de Sidônio, que estreou no cargo em meio a esse teste de fogo, Lula gravou um vídeo para negar que seria criado o novo tributo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seguiu a mesma recomendação. De nada adiantou. Cada vez mais nas cordas, o Planalto anunciou uma medida provisória para formalizar que o Pix não será taxado. Mesmo assim, 67% dos entrevistados pela Quaest acham que o imposto ainda pode sair do papel, um sinal absoluto de falta de confiança no que diz o governo.

Num rompante autoritário, o Planalto também determinou à Advocacia-Geral da União (AGU) que tome providências judiciais contra os propagadores de fake news, como se elas fossem a principal razão de sua derrota. Não foram. O revés foi fruto de uma combinação de fatores, como a falta de cuidado no anúncio da norma da Receita, datada de setembro do ano passado, e a demora para reagir aos oposicionistas. Mas o grande problema de fundo, ainda não compreendido por muitos da atual administração, é a crise de credibilidade do governo Lula. Na reunião ministerial, vários participantes se mostraram surpresos e até assustados com o fato de diferentes manifestações, como os vídeos de Lula e Haddad e os esclarecimentos oficiais da Receita, não terem detido a bola de neve. “As idas e vindas na comunicação do governo têm produzido desconfiança sobre que medidas serão adotadas ao final. Vale lembrar dois episódios: a taxação das blusinhas e o anúncio do pacote de corte de gastos. Ambos sinalizam, de formas diferentes, que o governo não sabe o que está fazendo”, argumenta o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. “É como se revelasse insegurança. E o resultado acaba sendo mais desconfiança. Ou seja, a crise do governo hoje é de credibilidade.”
Elogiado por aliar conhecimento técnico com tino político, Sidônio classifica a surra tomada pelo governo no caso do Pix de “câncer em metástase” e alega que o descrédito das instituições, de uma forma geral, e do governo, em particular, amplifica os estragos provocados pela oposição, que podem ser ainda maiores se nada for feito em relação às redes sociais. Em linha com a cartilha petista, o ministro quer o governo empenhado na regulação e responsabilização das grandes plataformas em casos de discursos criminosos e inverídicos. O tema reverbera uma preocupação frequente entre integrantes do Executivo e do Judiciário: o risco de uma enxurrada de postagens de ódio, ataques a instituições e de contestação aos mandatos de Lula e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como consequência da volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e da ascensão a conselheiro da Casa Branca do bilionário Elon Musk, dono da rede X (confira a reportagem na pág. 52). Esse temor de certas autoridades brasileiras ganhou força depois de Trump, ídolo do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu filho Eduardo, usar parte do discurso de posse para defender a liberdade de expressão e, na sequência, desobrigar plataformas de retirar postagens do ar a pedido do governo. “O Brasil é usado de cobaia pelas plataformas. Se não regularmos as redes, não teremos como nos defender”, costuma repetir Sidônio.

Combater a atividade criminosa é uma obrigação legal. Outra coisa, bem diferente, é definir o que é “inverídico” no debate político. Quando o escândalo do mensalão estourou, em seu primeiro mandato, Lula convocou outro marqueteiro baiano, João Santana, para ajudá-lo a se livrar do risco de cassação e, depois, ser reeleito. Deu certo. Santana criou a ideia de que o mensalão — um esquema de compra de apoio parlamentar com recursos públicos, conforme entendimento do STF — era uma conspiração das elites para derrubar o primeiro governo genuinamente popular da história. Ou seja: criou a exitosa estratégia do “nós”, o povo, contra “eles”, os seculares donos do país e do poder. Na campanha presidencial de 2006, também por sugestão de Santana, Lula insinuou que seu adversário no segundo turno, Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República, privatizaria a Petrobras e o Banco do Brasil se ganhasse a disputa. O petista se aproveitou do fato de o PSDB, à época o partido de Alckmin, ter passado para a iniciativa privada várias estatais. Agora, foi a vez de Lula provar desse veneno do marketing enganoso e eficaz, quando a oposição pegou carona na série de tributos criados por Haddad para ventilar a hipótese de taxação do Pix.

Antes de cair em desgraça entre os petistas por ter se tornado um delator na Operação Lava-Jato, João Santana comandou três campanhas vitoriosas à Presidência: Lula em 2006 e Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Naquelas ocasiões, os mandatários e suas equipes estavam conectados minimamente com a realidade da população e dialogavam com diferentes setores da sociedade. Hoje, a situação é bem diferente. O governo vive encastelado, não tem uma marca, lida com desaprovação crescente e não consegue apresentar soluções para demandas do eleitorado, como na área de segurança. Na reunião ministerial, o presidente reconheceu que ainda não entregou o que prometeu e pediu pressa na colheita dos programas já anunciados. Ele também demonstrou preocupação com a carestia dos alimentos e cobrou providências para debelá-la. Sem resultados para mostrar, Sidônio dificilmente conseguirá fazer o que o presidente espera dele: melhorar a imagem, transformar a Presidência num gabinete de campanha e pavimentar uma nova vitória eleitoral do PT. Por melhor que seja a propaganda, ela depende sempre da qualidade do produto.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928