Como uma pequena emissora de rádio se tornou porta-voz do bolsonarismo
Prestes a completar sete décadas de atividade, a Auriverde tem mais de 2 milhões de inscritos em seu canal no YouTube

Até abril de 2022, os ouvintes que sintonizavam na Rádio AuriVerde eram informados na maior parte do tempo sobre os assuntos de Bauru, no interior de São Paulo, e região. Um comentário feito pelo apresentador Alexandre Pittoli sobre o indulto ao então deputado federal bolsonarista Daniel Silveira, condenado naquele mês pelo Supremo Tribunal Federal à pena de prisão e perda do mandato parlamentar pelos crimes de ameaça ao estado democrático de direito e de coação no curso do processo, no entanto, elevou a audiência a níveis até então inéditos. O episódio marcou de vez o acerto de uma aposta da AuriVerde, que já vinha investindo nos comentários políticos nacionais voltados para o público mais conservador. A fórmula foi ficando mais radical, até a rádio assumir atualmente, com orgulho, o slogan de “a voz da direita no Brasil”. “A aproximação com as pautas conservadoras é uma decisão de vida, esse sempre fui eu. Não há personagem nenhum”, diz Pittoli.
Prestes a completar sete décadas de atividade, a empresa tem mais de 2 milhões de inscritos em seu canal no YouTube e, dentro da linha política adotada, virou naturalmente uma espécie de plataforma de Jair Bolsonaro. As participações frequentes — e eloquentes — do capitão são um dos principais chamarizes da rádio, que agora tem seu maior público na internet, assim como a abordagem de temas espinhosos e caros aos ouvintes e internautas alinhados à extrema direita: contagem pública de votos, anistia aos presos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, e denúncias de uma suposta “ditadura do Judiciário” no país.

Responsável pela guinada da emissora nos últimos tempos, Pittoli acumula os papéis de diretor-executivo, rosto e voz da rádio que pertencia, até 2011, a Airton Daré, dono da Bauruense (empresa que atua nos ramos de transporte, logística e engenharia). Com a morte de Airton, os herdeiros deixaram o quadro da Bauruense, mas continuam como parte do quadro societário da AuriVerde. Desde 2024, Pittoli também faz parte da sociedade. Com a trajetória recente de ascensão da rádio, a presença de Bolsonaro ficou tão frequente que Pittoli se tornou habitué dos círculos da família. “Aqui já virou a sua casa, presidente”, costuma dizer o apresentador nas entrevistas ao vivo que o ex-presidente vem fazendo com frequência por lá. Nas transmissões, que geralmente duram não menos do que uma hora, Bolsonaro percorre um leque amplo de assuntos ao longo da conversa, sempre conduzida num tom amigável.
Apenas em 2024, foram quase vinte lives com Pittoli na rádio, com destaque para o período das eleições municipais, quando ele aparecia mais de uma vez na mesma semana. O responsável por abrir as portas da rádio para Bolsonaro foi ninguém menos que o senador Marcos Pontes (PL-SP). O astronauta é natural de Bauru e amigo dos radialistas da AuriVerde. Em dezembro de 2023, levou Bolsonaro para uma live na rádio e, desde então, o capitão não parou mais. Na eleição para a presidência do Senado, ele lançou candidatura à revelia de Bolsonaro, e agora há dúvidas se continuará assíduo na AuriVerde. Por ora, o clima é amistoso: mesmo depois do episódio, Pittoli recebeu o senador Eduardo Girão (Novo-CE) no programa e, na ocasião, o parlamentar se solidarizou com o astronauta. Pittoli e outros jornalistas também dedicaram um dos programas a analisar o porquê do movimento de Pontes, mas sem rusgas. Outros políticos que já bateram cartão por lá são os deputados federais Ricardo Salles (Novo-SP) e Mario Frias (PL-SP), e o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL).
O tom mais político da AuriVerde se consolidou a partir de uma parceria dela com a Jovem Pan. Em 2017, a rádio de Bauru entrou para o grupo de filiadas da tradicional emissora paulistana. À época, o então presidente era Michel Temer (MDB) e, no pós-impeachment de Dilma Rousseff, a Jovem Pan fazia críticas contundentes ao PT e abria espaço largo aos desdobramentos da Lava-Jato. A parceria durou seis anos, percorrendo todo o governo Bolsonaro, chegando até meados do primeiro ano do atual governo Lula. Em outubro de 2023, no entanto, a Jovem Pan decidiu excluir a AuriVerde da rede de afiliadas. Meses antes da ruptura, a emissora havia sido alvo do Ministério Público Federal (MPF), que pediu a cassação de concessões públicas da Jovem Pan, sob a acusação de o grupo ter disseminado desinformação nas eleições de 2022 e incentivado os ataques do 8 de Janeiro. A empresa não comenta publicamente o fim do casamento com a AuriVerde, mas claramente amenizou o discurso a partir do cerco da Justiça. Em Bauru, o recuo é tido como o motivo da separação. “A Jovem Pan mudou sua linha editorial e, a partir desse momento, não deu pra caminhar junto”, diz Eduardo Borgo, vereador de Bauru (Novo) e comentarista da rádio.

O divórcio acabou se tornando litigioso em 2024. Naquele ano, Pittoli participou de uma audiência no Senado — articulada pelo senador Girão — que tinha como objetivo esclarecer a queda nos números de audiência de canais de comunicação da direita e “possíveis violações à liberdade de expressão”. Na ocasião, afirmou que a Jovem Pan decidira fazer um “acordo” com autoridades para demitir jornalistas na esteira do retorno de Lula ao Planalto. A afirmação rendeu um processo por danos morais movido pela rádio paulistana contra ele.
O caso ainda tramita na Justiça, mas está longe de tirar o sono de Pittoli. Ele ampliou a relação com a família do ex-presidente, sobretudo com Eduardo Bolsonaro. Esteve na posse de Javier Milei, na Argentina, e acompanhou a comitiva bolsonarista em Washington, na semana do retorno de Donald Trump à Casa Branca. Pittoli não participou dos eventos da posse do republicano, mas esteve com os aliados do círculo mais próximo de Bolsonaro na Marcha Pró-Vida, na semana seguinte à inauguração presidencial. Apesar do crescimento da audiência, Pittoli queixa-se de restrições impostas pelo YouTube ao canal e da dificuldade em conseguir anunciantes. Uma alternativa foi tentar gerar renda com a venda de camisetas e bonés com mensagens bolsonaristas. Não é fácil ser a voz da direta.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930