Candidatos ao governo apoiados pelo PT têm dificuldades em MG, Rio e Bahia
Há tempo ainda para explorar a associação com a popularidade de Lula, mas é inegável que os entraves são maiores do que se esperava
Em sua página oficial no Instagram, o pré-candidato do PT ao governo da Bahia, Jerônimo Rodrigues, tem quase 60 000 seguidores e uma média de 3 000 curtidas em seus últimos posts. A exceção é a foto em que aparece sorrindo ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita do ex-presidente a Salvador, que foi fixada no topo do perfil e já bate 80 000 likes — ou seja, tem mais curtidas do que ele tem de seguidores. No período em que a campanha na TV ainda não é permitida e as estratégias são concentradas nas mídias sociais, a jogada evidencia a tentativa do candidato de colar sua imagem à de Lula para alavancar suas intenções de voto em um estado que o PT governa há quatro mandatos e é o quarto maior colégio eleitoral do país. O problema é que tanto na Bahia quanto em outros grandes estados nos quais Lula tem apoio expressivo, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco, o casamento entre o ex-presidente e os candidatos a governador ainda não vingou.
Evidentemente, há tempo ainda para explorar essa associação e obter os dividendos dela até outubro, mas é inegável que as dificuldades para alavancar os aliados estaduais nessa base estão sendo maiores do que se esperava. O exemplo baiano é emblemático. Segundo pesquisa Genial/Quaest de julho, Lula tem 62% das intenções de voto para presidente no estado, enquanto Jerônimo soma apenas 11% na sua corrida ao governo, contra 61% do ex-prefeito ACM Neto (União Brasil) — veja o quadro. Pesa contra Rodrigues, ex-secretário estadual de Educação, o fato de ele ter virado candidato de última hora, depois que o senador Jaques Wagner desistiu da disputa, e de ser a sua estreia eleitoral, o que faz com que seja amplamente desconhecido (74% não sabem quem ele é).
Dificuldades semelhantes são enfrentadas em Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país e um estado estratégico para a campanha de Lula. Lá o petista alcança 46% das intenções de voto, mas esse capital político está longe de ser transferido para o seu candidato, Alexandre Kalil (PSD), que não é exatamente um desconhecido: foi prefeito de Belo Horizonte e reeleito em 2020 em primeiro turno. Quando Kalil anunciou, em maio, que havia fechado uma aliança eleitoral com o petista, ele tinha 30% das intenções de voto, segundo a Quaest. Passados dois meses e com um novo slogan na praça — “Kalil é Lula, Lula é Kalil” —, o ex-prefeito caiu para 26% e continua bem longe do seu principal adversário, o governador Romeu Zema (Novo), que tem 44%. Pior: entre os eleitores de Lula, um terço prefere Zema para governador.
Outro candidato que ainda espera lucrar com essa associação é o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), postulante ao governo do Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral do país. Segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha em julho, ele tem 21%, 1 ponto porcentual a menos do que tinha há três meses, em abril. De acordo com o mesmo instituto, Lula tem 41% no Rio. Não se pode acusar Freixo de falta de esforço na tentativa de tentar captar parte desse apoio. O jingle da pré-campanha tem o refrão repetindo a frase “Freixo e Lula” quatro vezes. A sua festa de aniversário de 55 anos, em abril, contou até com máscaras de papelão com as caras de Lula e Freixo divididas, além de um bolo com uma foto de ambos de mãos dadas. No dia 7 de julho, Lula ainda participou de ato na Cinelândia, no centro carioca, para ressaltar o apoio ao candidato do PSB. Até aqui, nenhum avanço.
Por sinal, multiplicar eventos desse tipo consiste na principal estratégia para reverter a situação. A aposta da campanha de Lula é levar o candidato aos estados em que a situação é mais preocupante. Um exemplo disso foi a ida do ex-presidente a Pernambuco na quarta 20, onde Danilo Cabral (PSB), nome da frente de esquerda que governa o estado há quatro mandatos, tem míseros 10% das intenções de voto. No meio de agosto, dentro da mesma linha de atuação, Lula viajará ao Paraná para participar do comício de lançamento da candidatura do ex-governador Roberto Requião (PT). Apesar de ser um estado mais antipetista do que Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, o desempenho de Requião, três vezes governador e dois mandatos como senador, é pior que o de Lula — 25,2% contra 30%, segundo levantamento feito em junho pelo instituto Paraná Pesquisas.
A ofensiva não inclui apenas percorrer ruas movimentadas e participar de atos fechados ou públicos ao lado do candidato, mas também aproveitar para gravar vídeos e tirar fotos que serão repetidos à exaustão durante todo o horário eleitoral. “Unir Kalil a Lula é o ponto forte da nossa campanha. Vamos conseguir apresentar essa associação com o início dos programas de TV e rádio e, aí sim, a alavancagem deve vir no volume necessário”, acredita o deputado estadual Cristiano Silveira, presidente do PT-MG, que também confirmou uma viagem de Lula para o Vale do Aço, no interior de Minas, em agosto. Em Pernambuco, o otimismo é semelhante. “Nossa expectativa é que o desempenho do Danilo Cabral melhore com Lula externando o seu apoio”, espera o senador Humberto Costa (PT-PE).
A iniciativa de “lulalizar” em excesso o candidato, no entanto, tende a ser explorada de forma pejorativa pelos adversários. “Parece que falar do Lula é a única arma deles, pois não têm mais o que mostrar. Nós vamos focar em apresentar soluções para os problemas do estado na campanha”, critica o deputado federal Paulo Azi (União Brasil-BA), aliado de ACM Neto. Um problema adicional é que outros candidatos têm se apresentado nos estados como apoiadores não oficiais de Lula, na tentativa de dividir o eleitorado do ex-presidente. O exemplo mais claro disso é o da ex-petista Marília Arraes, hoje no Solidariedade, que lidera a corrida para o governo em Pernambuco.
Na visão de especialistas, a incompatibilidade entre os votos de Lula e os candidatos lulistas nos estados não é surpreendente. “Associar a campanha nacional com a estadual não é uma tendência natural para o eleitor, mas sim algo que a classe política quer forçar. O natural é que o eleitor se posicione no estado de acordo com a sua avaliação do governo local, independentemente das alianças e apoios com os presidenciáveis”, afirma Rafael Cortez, cientista político da USP. Na eleição de 2018, o bolsonarismo e a antipolítica (especialmente o antipetismo) alavancaram candidatos desconhecidos pelo país — sete se elegeram governadores em sua estreia eleitoral —, mas ainda assim não foi suficiente para impedir que a oposição de esquerda cravasse um reduto no Nordeste ou que partidos tradicionais como MDB, PSDB e DEM conseguissem o comando de oito estados. Outro fenômeno que deve crescer nesta eleição e atrapalhar os planos de quem pretende nacionalizar as disputas estaduais é o voto misto, como o “Luzema” (Lula presidente e Zema governador em Minas). “Quando a disputa estadual não espelha a nacional, isso dificulta a associação entre Lula e seu candidato”, completa Cortez. Há ainda o obstáculo do tempo disponível para reverter a situação, embora tradicionalmente a escolha dos eleitores pelo nome de governador ocorra mais em cima da hora. “O atípico é o que acontece na eleição nacional, com uma porcentagem muito grande de pessoas já decididas”, aponta Carolina Botelho, pesquisadora do Iesp/Uerj. Inegavelmente, Lula é um cabo eleitoral de peso, com potencial para turbinar candidaturas apoiadas por ele. O que parecia líquido e certo no começo da campanha, porém, não vem se confirmando. A menos de três meses do pleito, vários políticos seguem à espera do milagre da transferência de votos.
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799