As diferentes estratégias da oposição a Bolsonaro, de Rodrigo Maia a Lula
Maia age com racionalidade, enquanto o ex-presidente revela sua insensibilidade e celebra a doença que já matou milhares de brasileiros
Da direita à esquerda, são cada vez mais recorrentes as manifestações de políticos pelo fim imediato do mandato de Jair Bolsonaro. O ex-presidente Lula (PT) conclamou o povo a pressionar a Câmara pela abertura de um processo de impeachment contra o ex-capitão. Já o seu antecessor Fernando Henrique Cardoso (PSDB) prescreveu a renúncia como o melhor remédio, no que foi acompanhado pela deputada estadual Janaina Paschoal (PSL), uma ex-aliada de Bolsonaro que chegou a ser cotada para o posto de vice em sua chapa eleitoral. Em meio à crise política, econômica e de saúde pública, o presidente está pressionado, perde popularidade e enfrenta investigações no Judiciário, mas não corre, ao menos por enquanto, o risco de deixar o poder. Por uma razão simples: mesmo os seus principais adversários admitem que ainda não há as condições necessárias para a sua destituição — entre elas, um clamor pelo impeachment tanto nas ruas como entre os grandes empresários.
Nas disputas de poder, uma regra básica diz que, quando o seu rival está em apuros, o melhor a fazer, às vezes, é deixá-lo sozinho no centro da arena, tropeçando nos próprios erros, sangrando sem ter com quem dividir a atenção. O PT apostava nessa estratégia, mas viu seu plano ratear justamente pelas mãos de Lula, que se gaba de ser um animal político. Na terça-feira 19, em entrevista à revista CartaCapital, o ex-presidiário celebrou o novo coronavírus como uma espécie de trunfo político, que daria razão à sua pregação por mais participação do Estado na economia e, assim, desacreditaria a agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Disse ele: “Quando eu vejo essas pessoas acharem bonito que ‘tem que vender tudo o que é público’, que ‘o público não presta nada’, ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus. Porque esse monstro está permitindo que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises”. Difícil saber qual declaração é pior: essa ou o “E daí?”, de Bolsonaro.
Transmitida pelas redes sociais, a entrevista de Lula não atraiu, em boa parte do tempo, nem 200 espectadores no Twitter. Mas a declaração dele (repita-se: “ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus”) teve repercussão imediata por ser uma afronta indecorosa diante das quase 20 000 mortes registradas no país pela Covid-19. Nas redes sociais, a fala foi usada para igualar o petista a Bolsonaro e para ressuscitar a tese de que os dois são opostos que se equivalem — tese que o PT tenta desconstruir desde a última campanha. Diante do estrago, Lula, quem diria, tentou se desculpar: “Usei uma frase totalmente infeliz. E a palavra desculpa foi feita pra gente usar com muita humildade”. Principal partido de oposição no país, o PT só passou a entoar discursos a favor do impeachment recentemente. Até pouco tempo atrás, a legenda achava mais conveniente concentrar suas forças na defesa do sistema público de saúde e nas críticas às decisões de Bolsonaro em resposta à pandemia. O agravamento da crise levou à subida de tom.
Pela Constituição, cabe ao presidente da Câmara autorizar a abertura de uma ação de impedimento. O cargo hoje é ocupado por Rodrigo Maia (DEM), que, apesar de ser alvo preferencial das milícias digitais a serviço de Bolsonaro, não pretende instaurar um processo do tipo. O deputado alega que, além de Bolsonaro ter o apoio de cerca de 30% da população e de setores importantes do PIB, a prioridade do Congresso deve ser a votação de medidas que ajudem no combate aos efeitos da crise, sobretudo os econômicos. Foi por pressão dos congressistas, por exemplo, que o valor do auxílio emergencial passou de 200 reais, conforme proposto pela equipe econômica, para 600 reais. Quando é cobrado a decidir sobre os mais de trinta pedidos de impeachment já apresentados contra Bolsonaro, Maia costuma dizer que pretende deixar como marcas de sua passagem pelo comando da Casa a moderação e a aprovação de uma agenda econômica prioritária para o país. A deflagração de uma guerra política, principalmente em meio à grave crise que o Brasil enfrenta, não estaria entre as suas prioridades.
ASSINE VEJA
Clique e AssineEvidentemente, a ponderada posição do deputado não encerra apenas uma preocupação com o país, como ele tanto faz questão de ressaltar. Ela traz também um cálculo político. A moderação e a pauta econômica são as apostas do parlamentar para continuar se equilibrando como o principal interlocutor dos donos do dinheiro no Congresso mesmo quando ele deixar a presidência da Câmara. Mais: são suas apostas para figurar, pelo menos como vice, em alguma das chapas presidenciais de centro em 2022 — uma bela lição para quem acha que política é a arte de torcer pela desgraça alheia.
Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688