Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

A vitória do humor

Chega de polarização. Há ao menos uma unanimidade: as impagáveis imitações dos candidatos feitas por Marcelo Adnet

Por Luisa Bustamante, Monica Weinberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h55 - Publicado em 5 out 2018, 07h00

Foi numa criação instintiva, quase automática, que os candidatos à Presidência Jair Bolsonaro e Ciro Gomes viraram alvo da verve escrachada e impiedosa do carioca Marcelo Adnet. Aos olhos do comediante-­imitador, eram ambos caricaturas óbvias, mas tão óbvias que as imitações saíram sem ensaio — fez um Bolsonaro de discurso decorado e raivoso que dispara um “cala a boca, quilombola” no meio da fala, e um Ciro que interrompe a “fase agregadora” para chamar a atenção de um “protoneoliberalzinho de m…”.

Na vez de Geraldo Alckmin, a coisa se complicou. Adnet teve de mergulhar em debates, declarações e entrevistas, um trabalho de dias, até matar a charada: o segredo estava na tensão da mandíbula. A mordida do tucano pesava sobre os dentes de trás, em um casamento harmonioso com o gestual contido, regido por “rédea currrrta”, concluiu Adnet. E ele enfatizou ainda um detalhe: a recorrência do “precisamos” — ou psssszâmo, no idioma de Alckmin.

Um após o outro, Adnet produziu dez vídeos de presidenciáveis — o mais recente foi o do quarteto do pelotão lanterninha nas pesquisas, Amoêdo, Meirelles, Alvaro Dias e Boulos — e dois de candidatos ao governo do Rio de Janeiro, Eduardo Paes e Romário — cuja imitação o comediante já fazia nos tempos do futebol e precisou adaptar a um momento em que “ele não pode mais sair do campo afirmando que é Deus”. Publicados no YouTube no canal do jornal O Globo, os vídeos já registram mais de 13 milhões de visualizações, popularizando um gênero que vem se expandindo conforme a cena política chafurda na crise e ganha contornos surrealistas. A infinidade de imitadores na internet ajuda a dar a esse tipo de humor, colado ao cotidiano, a instantaneidade que ele exige.

Aos 37 anos, egresso da MTV e hoje no elenco do humorístico global Tá no Ar, Adnet entende que o terreno da sátira política é pantanoso, sobretudo nestes tempos de alta polarização, mas não quis ficar de fora. “Imito desde criança, e meus amigos gostam. Só institucionalizei a brincadeira. Saí do armário”, diz. Entre os pares, ele é tido como um dos grandes imitadores da atualidade, da mesma cepa de Márvio Lúcio, mais conhecido como Carioca, que ganhou fama com uma encarnação hilária da ex-presidente Dilma Rousseff. O colega Fabio Porchat observa em Adnet uma característica que faz toda a diferença: “Mesmo neste momento difícil, ele não se intimida”, afirma. O tom crítico permeia os vídeos com graça e sarcasmo. Quando Alckmin garante que fará no Brasil o mesmo que em São Paulo, soa ao fundo uma sirene para acentuar o susto da afirmação. O petista Fernando Haddad insiste no bordão “Lula não é uma pessoa, é uma ideia”. Marina Silva afirma que “tudo o que estiver em aberto” será debatido “democraticamente”.

Continua após a publicidade

O espaço de criação de Adnet é a casa onde mora, na Zona Oeste do Rio, longe da “barulheira das britadeiras e dos bicheiros” do seu antigo apartamento na Zona Sul. Na companhia de três cachorros e dois gatos (um deles Zidane, mestre em cabeçadas), ele passou dias assistindo ao discurso dos candidatos debruçado sobre uma cartolina caótica, da qual se originam os roteiros: anota palavras-chave, gestuais e até variações no timbre de voz. Essa percepção das cordas vocais o fez chegar ao misto de estridência e fala rígida de Marina Silva, a única mulher da turma. “A postura dela compensa aquele monte de machos alfa gritando”, diz. Para Adnet, qualquer imitação brota da audição apurada, habilidade que afiou ao estudar idiomas — fala sete, entre eles papiamento, que absorveu em viagens às Antilhas Holandesas, e russo.

As gravações são feitas em casa mesmo, com uma equipe de três pessoas. Às vezes, Adnet as recepciona já convertido em um de seus personagens. O gestual é tão meticuloso que se pode identificar quem é quem quase sem o uso de adereços e com a imagem congelada (como nas fotos que ilustram as páginas anteriores). O humorista fala horas como seus imitados, antes, durante e até depois das filmagens. Cabo Daciolo, por exemplo, que fez de uma só tacada, demorou a desencarnar. Haddad e seu bico persistiram na pele do humorista. Eles lhe deixam “sequelas”. “Vejo o debate e penso: ‘Sou eu! Eles estão me imitando!’ ”

Alec Baldwin
A inspiração - Baldwin imitando Trump no ‘Saturday Night Live’: o presidente já reclamou no Twitter, o que só ajudou a divertir o público (NBC/.)

A tradição de imitar políticos vem de longe — resvala, inclusive, em Charlie Chaplin com bigodinho de Hitler no clássico O Grande Ditador, de 1940 (Chaplin posteriormente se arrependeria do tom leve de sua sátira). Mas o pai de todas as imitações do gênero, no ar há 43 anos, é o humorístico Saturday Night Live, da rede americana NBC. Quando alguém comete uma gafe ou se mete em situação estapafúrdia, o público fica à espera da reprodução no SNL da semana. A maior parte ri de si mesma. Não é o caso do presidente Donald Trump, que desde a campanha é impagavelmente imitado pelo ator Alec Bal­d­win. Trump já tuitou sobre o SNL: “Não é engraçado, o elenco é horrível, sempre atirando em alguém. Péssima televisão”. Quanto mais ele implica, mais o público se diverte.

Aqui também a maioria dos alvos de Adnet ri dele, ainda que amarelo. Marina e Ciro postaram suas respectivas paródias. Elas são elogiadas em mais de 90% dos comentários, à exceção da de Bolsonaro. Seu exército de plantão espalhou boatos, castigou o humorista com ofensas e ameaças e promoveu uma campanha contra o vídeo. Agora que Adnet conhece os candidatos de cor e salteado, cabe a pergunta: em quem vai votar? Isso ele não revela nem como piada.


Quem é quem por Adnet, na montagem que abre esta reportagem
No alto, da esq. para a dir.: Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes; embaixo, da esq. para a dir.: Alckmin, Marina Silva e Cabo Daciolo

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.