A missão decisiva de Michelle e Janja no embate entre Lula e Bolsonaro
Elas estreiam na campanha presidencial com a missão de capturar o voto feminino e mitigar a rejeição dos candidatos
De agora em diante, é bom o eleitor ficar atento aos detalhes de todas as aparições dos postulantes ao cargo de presidente da República. Por mais óbvio que às vezes pareça, nada ou quase nada acontecerá por acaso. Na manhã de sábado 7, por exemplo, o PT oficializou a pré-candidatura de Lula. Chamou atenção a desenvoltura da socióloga Rosângela da Silva, a namorada que acompanha o ex-presidente desde a época em que ele esteve preso em Curitiba. Janja, como é conhecida, não ganhou um papel de destaque no roteiro do evento por mero acaso. Usando um elegante terno branco, ela entrou no palco de mãos dadas com o petista, discursou antes dele, fez juras de amor, trocou beijos e confirmou que os dois vão se casar na próxima semana. Lula retribuiu o carinho, elogiou as mulheres, disse que está apaixonado e que a decisão de se casar é a maior prova de que ele, se voltar ao governo, só pode fazer o bem. Não ficou muito claro o que uma coisa tem a ver com a outra, mas a encenação foi também um aceno dirigido ao eleitorado feminino e conservador.
No dia seguinte, domingo, foi a vez de Michelle Bolsonaro entrar em cena. A primeira-dama fez sua estreia na pré-campanha em cadeia de rádio e televisão, convocada, em princípio, para transmitir uma mensagem às mães. A inserção, que durou pouco mais de quatro minutos, foi dividida em duas partes. Na primeira, Michelle falou sobre as virtudes e os desafios de ser mãe. Na segunda, enumerou os programas do governo que beneficiam o público feminino. O pronunciamento também tinha óbvios objetivos eleitorais. As mulheres representam 53% do eleitorado, faixa em que a popularidade do presidente da República não vai nada bem. Uma pesquisa da Quaest divulgada na quarta-feira 11 mostra que, se as eleições fossem hoje, 50% das mulheres votariam em Lula e apenas 24% escolheriam Jair Bolsonaro, índice com viés de baixa. É essa tendência que a coordenação da campanha do presidente espera conseguir reverter com uma participação mais ativa da primeira-dama.
Não será uma tarefa fácil. De acordo com o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas, a imagem negativa de Bolsonaro junto às eleitoras se cristalizou durante a campanha de 2018, quando o então candidato Geraldo Alckmin, hoje vice na chapa de Lula, apresentou em uma de suas propagandas um vídeo com cenas de Bolsonaro agredindo verbalmente uma deputada e uma jornalista. “Desde então ele encarna o tipo macho violento”, ressalta o cientista. A presença de Michelle pode até ajudar a amenizar essa imagem negativa, mas não resolve o problema. Felipe Nunes, diretor da Quaest, destaca que as pesquisas qualitativas revelam que o eleitorado feminino associa o presidente a um “comportamento mais tosco e grosseiro”. Essa impressão foi ampliada durante a pandemia, inclusive atingindo grupos tradicionalmente fiéis ao bolsonarismo, como as evangélicas. É justamente esse público que a presença de Michelle pretende alcançar. “Vamos mostrar que, ao contrário da companheira do nosso adversário, ela é como a maioria das brasileiras: mãe, esposa, evangélica e contra o aborto”, diz um conselheiro do Planalto.
A citação do assessor não é gratuita. Recentemente, Lula defendeu em público a legalização do aborto. Para Felipe Nunes, o petista pode ter devolvido a Bolsonaro uma parte dos eleitores evangélicos que ele vinha perdendo. “A gente percebe um movimento evangélico muito forte na direção de Bolsonaro. Mas ainda assim a diferença entre mulheres é muito grande em favor do Lula”, afirma o cientista. É nesse território que Janja e Michelle vão duelar. Na solenidade de lançamento da pré-candidatura petista, ao anunciarem o casamento, Lula e Janja também fizeram um aceno em direção ao centro. Os dois já moram juntos há algum tempo, mas decidiram oficializar a união apenas agora, de maneira bem tradicional, antes da eleição de outubro. Janja, de 55 anos, vai se casar pela segunda vez. Aos 76 anos, viúvo, será a terceira de Lula. A cerimônia, restrita aos familiares e a um pequeno grupo de amigos, será realizada na próxima quarta-feira, em algum lugar de São Paulo. O endereço é mantido em segredo por questões de segurança e também para garantir a privacidade do casal. É proibido filmar. Que ninguém estranhe se, mesmo assim, imagens emocionantes do casório começarem a surgir nas redes sociais. A partir de agora, é bom lembrar de novo, nada acontece por acaso.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789