A disputa pela presidência da Câmara paralisa os trabalhos do Legislativo
A baixa produtividade pode levar o país a uma armadilha
Entre outubro e novembro, a Câmara realizou apenas cinco sessões de votação e aprovou um único projeto. A baixa produtividade já seria digna de nota diante da relevância das propostas à espera de análise, como as reformas estruturantes e a lei orçamentária do próximo ano, mas se tornou especialmente danosa devido à principal motivação dos deputados para aderir a essa quarentena voluntária. Nos discursos públicos, eles alegam que a diminuta produção legislativa foi provocada pelas eleições municipais, que demandam a sua participação em campanhas pelos estados. Na prática, o fator decisivo é mesmo a eleição para o comando da Casa, que, apesar de marcada para fevereiro, está impedindo as votações em plenário. Até aqui, os projetos políticos dos parlamentares estão se sobrepondo à agenda de interesse do país (veja a reportagem na pág. 48). O resultado não poderia ser pior. Com o desemprego e a inflação em trajetória ascendente, o governo e os deputados ainda não chegaram a um entendimento sobre, por exemplo, o que será feito com o auxílio emergencial, que tirou 15 milhões da pobreza durante a pandemia e está previsto para acabar em dezembro.
Até a base governista — em tese, a maior interessada em destravar as votações em nome da recuperação econômica — está em obstrução. O pretexto para a paralisia é a disputa pelo comando da poderosa Comissão Mista de Orçamento, que determina o destino dos recursos da União. O colegiado é estratégico. O grupo que conseguir controlá-lo sairá fortalecido para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM) na presidência da Câmara. Líder do Centrão e nome do presidente Jair Bolsonaro para substituir Maia, o deputado Arthur Lira (Progressistas) se empenha para entregar a chefia da Comissão de Orçamento ao PL, numa tentativa de amarrar os 41 deputados da sigla à sua candidatura em fevereiro. Já Maia, a quem Bolsonaro quer reduzir o poder de influência sobre os deputados, insiste que a comissão tem de ser entregue ao deputado Elmar Nascimento, seu correligionário no DEM. Esse embate se reflete nas votações dos projetos porque, para Lira e os governistas, a fonte de poder de Maia é justamente o plenário. Com a obstrução, essa fonte seca e, assim, aumentam as chances de o Centrão assumir primeiro a Comissão Mista de Orçamento, com o PL, e depois a presidência da Câmara, com Lira.
“Se o governo, que é o maior prejudicado, permite que a base obstrua uma matéria que é fundamental, eu é que vou me preocupar com isso? Nós já estamos com o ano todo sacrificado”, diz Elmar Nascimento. Diante do impasse, é real a chance de o país entrar 2021 sem lei orçamentária aprovada e, portanto, sem saber como pretende impedir a deterioração das contas públicas. O governo também recorreu à obstrução com medo de ser derrotado, durante o período das eleições municipais, em votações de forte apelo popular. Uma delas sobre o próprio auxílio emergencial. Partidos de esquerda já estão fechados em torno da extensão do benefício para 2021 e da volta de seu valor, hoje em 300 reais, para 600 reais. De onde sairão os recursos? O Planalto e o Congresso terão de trabalhar para resolver essa questão, o que não ocorrerá enquanto a obstrução prevalecer. Em meio à disputa, parlamentares criticam a falta de articulação do governo para resolver no Congresso a questão fiscal.
Na última terça-feira, os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política, reuniram-se com deputados para tratar da reforma tributária. Os ministros fizeram ressalvas à proposta de autoria da Câmara e ouviram, como resposta, que não há chance de a Casa aprovar um novo tributo, como quer a equipe econômica. Com ou sem apoio do Palácio do Planalto, parlamentares ditos independentes querem fazer avançar a reforma tributária, o que, se ocorrer, fortalecerá a posição de Rodrigo Maia, patrono da iniciativa. Pela Constituição, Maia não pode concorrer a um novo mandato como presidente da Câmara — a não ser que o Supremo o autorize, em julgamento que está marcado para o próximo dia 4. Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, colega de Arthur Lira no Progressistas, minimiza a paralisia dos trabalhos no Congresso: “Está tudo dentro da normalidade. Mas a política é um jogo de xadrez. E, nesse jogo de xadrez, as peças têm vontade própria, não ficam paradas esperando você mexer com elas. Então, é muito complexo”, afirma. Não é só complexo. É, acima de tudo, arriscado. Sem lei orçamentária nem debate sobre como custear um programa de transferência de renda, cresce a pressão para que o governo recorra à gastança. Há clara ofensiva política nesse sentido. Se isso ocorrer, inflação, juros e desemprego devem crescer. A armadilha está logo ali.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715