Tarifaço pode ser uma oportunidade para o Brasil, diz Anderson Birman, fundador da Arezzo
Empresário conta como construiu o maior grupo de moda da América Latina do zero

O mineiro Anderson Birman, de 71 anos, define-se como sapateiro, ofício que fez dele um bilionário. Começou a trabalhar aos 7 anos de idade vendendo ovos, picolé e verduras, entre outros produtos. Em 1972, junto com o pai e o irmão, fundou a Arezzo, inicialmente uma pequena fábrica de sapatos masculinos que se transformou na Azzas 2154, o maior grupo de moda da América Latina, com valor de mercado de 7 bilhões de reais. Seu filho mais velho, Alexandre, é o atual presidente do grupo. Juntos, os dois têm uma fortuna estimada em 2,2 bilhões de reais. Há cerca de quatro anos, Birman foi diagnosticado com paralisia supranuclear progressiva (PSP), uma forma atípica de parkinsonismo. Apesar do esforço necessário para articular as palavras, ele fez questão de receber VEJA em duas ocasiões para a seguinte entrevista, fazendo jus à sua filosofia de vida: “A resiliência é o mais importante para tudo”.
Um grande empreendedor nasce com essa qualidade ou a desenvolve ao longo da vida? O empreendedorismo é algo com o qual a gente nasce e depois desenvolve no decorrer da vida. Eu percebi que tinha essa habilidade muito cedo. Vendi de tudo um pouco, ainda criança. Na adolescência, cheguei a vender serviços de dedetização. Meu pai, meu irmão e eu tínhamos também outros negócios. Para ser um empresário de sucesso, é preciso antes de tudo ser um bom vendedor.
A sorte também conta? Eu tive muita sorte, ela me acompanha a vida inteira. Eu não acredito em ninguém sem sorte. Mas é preciso ajudá-la. É preciso que o cavalo passe arreado e saber quando montá-lo. Para a oportunidade aparecer, tem que ter sorte.
O senhor costuma dizer que “quebrou” financeiramente em três ocasiões. Qual é o segredo para enfrentar as adversidades? Ser sempre insistente. A resiliência é o mais importante para tudo. Não desistir nunca. Não se pode acomodar com as coisas.
Como saber qual o rumo certo a adotar nos negócios? É preciso ter humildade sempre. Eu estava falando sobre isso hoje com minha esposa (Birman se emociona). Estou muito emotivo hoje. Talvez seja pelo parkinsonismo, que interfere nisso também.
No início da Arezzo, vocês decidiram deixar os calçados masculinos de lado e focaram em sapatos femininos. Isso foi feito por intuição ou com planejamento? Isso aconteceu por intuição. Não foi planejado bulhufas. Nada foi planejado. E deu certo. Mas, na maioria das vezes, na trajetória da empresa, a gente adotou um caminho por decisões estruturadas, planejadas, sem as quais é impossível ter sucesso. Deve-se buscar o equilíbrio entre a intuição e as decisões estruturadas.
“Aos domingos, almoço na churrascaria e depois dou uma passadinha em alguma loja. Avaliar um sapato adequadamente é o que sei fazer melhor”
O senhor pode dar um exemplo? Um exemplo disso foi um episódio que ocorreu no início da Arezzo, depois que meu irmão e eu compramos a parte do nosso pai na empresa. Um lote grande de sapatos encomendados por uma rede varejista apresentou um problema na palmilha e foi recolhido das lojas. Se a decisão de aceitar a devolução dos sapatos fosse meramente racional, não teria ocorrido, pois não podíamos, naquele momento, arcar com aquele prejuízo. A conta não fechava. Mas recebemos o caminhão com sapatos de volta. Perdemos tudo, pois não era possível aproveitá-los, mas ganhamos credibilidade junto ao cliente.
Qual é a sua definição de um sapato de qualidade? Os três pilares de qualidade de um sapato são segurança, look e conforto. Segurança, porque é óbvio que a mulher não quer saber de sapato que solta um botão ou uma fivela que descaracteriza o produto. Segurança é a regra do produto. Certa vez, escutei na Itália a frase “faccia bene o faccia male, faccia eguale”, que significa “faça bem ou faça mal, faça igual”. É uma crítica irônica à ideia de que as coisas podem ser feitas de qualquer jeito. Para fazer um serviço malfeito, qualquer um pode fazer. Tem que ser bem-feito. Deixar uma sobra de cola no sapato, por exemplo, é crime.
Quais são os outros pilares? O segundo pilar de qualidade é o conforto. A mulher precisa ficar três horas sobre um sapato sem senti-lo. Um dos padrões para isso é que o salto tem que estar limitado a 12 centímetros de altura. E o terceiro pilar é o look, porque o sapato tem que ser bonito.
Quando estava à frente da Arezzo, o senhor costumava aprovar os modelos pessoalmente. Se o senhor entrar numa loja hoje e pegar um sapato nas mãos, sabe dizer se é um bom produto? Eu faço isso direto. Minha rotina de domingo consiste em almoçar na churrascaria Rodeio, em São Paulo, e depois dar uma passadinha em uma loja. Vou conferir os modelos de outras marcas também. Gosto de analisar os sapatos. Só de observar um par nos pés da minha esposa, por exemplo, já sei dizer se ele está machucando. Eu tenho prazer em fazer isso.
O que mais lhe dá alegria hoje? A minha motivação para continuar, o que me dá alegria hoje, é a minha família. Me dedico mais à minha família, incluindo minha esposa, Ana Claudia, e os meus filhos, Alexandre, Patrícia, Allan, André e Augusto. O que me motiva são eles.
O senhor passou o comando da empresa para o seu filho mais velho, Alexandre Birman, em 2013. Qual é o segredo para fazer a sucessão em grandes empresas familiares? O nosso processo foi bem-sucedido. A dica é as crianças começarem a trabalhar cedo. O Alexandre começou a trabalhar cedo. Isso foi positivo. Uma opção sadia é começar em outra empresa. Mas, se não tiver essa oportunidade, pode começar na própria empresa da família, em baixos escalões, sem regalias. Ou iniciando um negócio, como fez Alexandre, que criou suas marcas próprias, que depois de darem certo foram compradas pelo grupo.
O senhor ainda acompanha o dia a dia da empresa de alguma forma? Converso com o Alexandre, dou dicas e sugestões para ele. Ele ouve meus conselhos. Mas o dia a dia da empresa não passa por mim.
Em uma comparação entre o Brasil de hoje e o de cerca de cinquenta anos atrás, quando o senhor fundou a Arezzo, as condições para fazer negócios melhoraram ou pioraram? É melhor fazer negócios nos dias de hoje, porque o mercado está muito mais estável. Atualmente, a gente consegue fazer previsões de consumo. Naquela época, não.
Qual foi o seu maior acerto? Foi um conjunto de acertos que somou a empresa de sucesso que é hoje. Um deles foi a decisão de focar em sapatos femininos. O outro foi comprar as partes da empresa que pertenciam ao meu pai e ao meu irmão. Isso foi importante, pois me deu mais controle dos rumos do negócio. Mas o principal acerto foi a mudança do modelo de negócios. Primeiro, mudamos a produção de Minas Gerais para o Rio Grande do Sul. Com o tempo, percebemos que tínhamos que terceirizar toda a produção. Como ocorre no modelo americano, o desenvolvimento do produto passou a ser mais importante do que a própria produção. Terceirizar: essa foi a chave do nosso sucesso.
“A nova política de importação dos Estados Unidos pode ser proveitosa para o Brasil. A indústria brasileira vai ter que se tornar mais competitiva”
Em seu livro de memórias, A Cada Passo, de 2023, o senhor diz que poderia ter vivido com muito menos do que acumulou. Qual o significado do dinheiro para o senhor? O dinheiro me permite fazer filantropia. Já ajudei diferentes causas, como saúde e educação. Atualmente o lugar que recebe o grosso dos meus investimentos em filantropia é uma instituição espírita beneficente. Escolhi essa causa depois que passei a frequentar um centro espírita em São Paulo.
Qual a sua opinião sobre a tarifa de 50% imposta pelo governo americano a uma parcela significativa da pauta de exportação brasileira? Eu acho um absurdo. Os Estados Unidos estão adotando uma estratégia suicida. O governo americano vai acabar gerando inflação, pois o país tem muitos setores que dependem regularmente de importação. Quase tudo o que é manufaturado vem da China, da Coreia do Sul ou de outros países. Os Estados Unidos não têm produção de sapatos, por exemplo. No fim das contas, a elevação das tarifas vai encarecer o produto para os consumidores americanos. Mesmo itens de luxo vão se tornar inviáveis. Digamos que um sapato Prada custe 500 dólares nos Estados Unidos, atualmente. Com as novas tarifas, pode passar a custar até 750 dólares. Quaisquer 10 dólares fazem a diferença. Isso vai gerar inflação. Esse pode ser o início de uma nova crise americana.
O senhor é otimista com o futuro da economia no Brasil? Eu espero muito da economia do Brasil, ainda mais agora que os americanos estão fechando suas portas para o comércio mundial. Isso vai ter um impacto positivo para nós.
De que forma? Pode parecer incoerente, mas tem explicação. A nova política de importação dos Estados Unidos pode ser proveitosa para o Brasil. Por um lado, a indústria brasileira vai ter que se tornar mais competitiva, pensando na inserção e na concorrência internacional. Por outro, vamos poder concentrar nossos esforços no mercado interno.
Como ficam os fabricantes de calçados? Os que exportavam para os Estados Unidos vão ter que conquistar novos mercados. Enquanto isso, o mercado interno vai absorver esses produtos. Até mesmo as matérias-primas vão ficar mais baratas. Com isso, a Arezzo, que tem foco no mercado interno e terceiriza a produção, fica numa boa posição. Minha vida inteira foi dedicada a calçados e roupas. Não conheço tão bem outros setores, mas acredito que isso vale para eles também.
De que maneira o Brasil pode transformar essa crise em uma oportunidade? Sempre fui contra o protecionismo. O Brasil deveria se abrir comercialmente para o mundo e aprofundar sua parceria com a China. Os chineses produzem praticamente todo tipo de manufatura a preços mais baixos. O país, agora, também fabrica cada vez mais itens tecnológicos. E o Brasil, que já vende muita soja e outros produtos agropecuários, pode expandir ainda mais suas exportações para lá. A abertura comercial vai melhorar nossa produtividade. A economia brasileira pode se tornar uma nova América.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957