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‘O Brasil é prioridade’, diz novo presidente do Paraguai

Santiago Peña reafirma a aliança conosco, fala que política argentina virou 'negócio familiar' e avalia que são excessivas as exigências da União Europeia

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 10h20 - Publicado em 11 ago 2023, 06h00

Com apenas sete anos de estrada na política, o economista Santiago Peña se prepara para assumir a Presidência do Paraguai, na terça-feira 15, sob o cético olhar de uma oposição que enfatiza sua inexperiência e a expectativa dos que veem nele uma chance de mudança. Aos 44 anos, especializado em políticas públicas pela Universidade de Columbia, em Nova York, ele, que tem uma passagem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, diz não se espantar com a missão — que, aliás, não é das mais fáceis. Historicamente, seu país patina nos indicadores socioeconômicos, que planeja melhorar se aproximando do Brasil, o maior investidor estrangeiro na economia paraguaia. Face nova do velho Partido Colorado, há setenta anos no poder (à exceção do período entre 2008 e 2012), Peña, que chefiou o Banco Central até virar ministro da Economia de seu polêmico aliado Horacio Cartes, recebeu VEJA em sua residência na capital, Assunção, onde mora com a mulher e o filho que teve aos 17 anos. Na conversa, sempre em tom informal, criticou a ditadura na Venezuela e adiantou o que levará à mesa nas negociações com o Brasil sobre a parceria na Usina de Itaipu.

Sua eleição é mais um sinal de cansaço em relação à esquerda que ascendeu na América Latina nos últimos tempos? Na verdade, o Paraguai destoa dos vizinhos, já que o Partido Colorado segue no poder por sete décadas. Isso vem garantindo a estabilidade ao país, o que não significa que não haja renovação na cena política. Eu, que sou de centro-direita, fui provavelmente a voz mais crítica a meu antecessor e correligionário Mario Abdo. Vejo espaço para uma gestão mais afinada aos tempos modernos. Dito isso, acho que a região obedece a uma lógica pendular, ora à esquerda, ora à direita, uma vez que os governos não têm dado conta dos grandes desafios no horizonte. O pior caso, a meu ver, é o da Argentina.

Por que o senhor destaca a Argentina? O problema na Argentina é muito mais profundo. O peronismo transformou a política em um negócio familiar, primeiro com os Perón, depois com os Kirchner. Isso é deletério à democracia. A institucionalidade se perde. Agora, para além das eleições que se aproximam por lá, o vencedor, seja de esquerda ou direita, terá de fazer uma reforma econômica radical, o que dependerá de um acordo multipartidário.

O Brasil acenou com ajuda financeira à Argentina. Faz sentido? Acho inteligente, sobretudo se olharmos de forma mais ampla para o mapa geopolítico. A alternativa da Argentina é continuar recebendo financiamento da China, acordo em que naturalmente se favorecem os produtos chineses. Se o Brasil preencher esse espaço, sua indústria será beneficiada, o que é desejável para os brasileiros e para toda a região.

O senhor anunciou que retomará laços diplomáticos com a Venezuela. Não é um equívoco aproximar-se de um país que maltrata as instituições democráticas e atropela os direitos humanos? É verdade que não há garantias democráticas na Venezuela, mas fechar embaixadas não é uma resposta aceitável. Países devem se relacionar com o povo, não com presidentes em exercício. Sobre o pleito presidencial lá, acho difícil que seja 100% justo, até porque há um limite do que a comunidade internacional pode fazer. Precisamos tentar tudo o que está ao nosso alcance.

“O que ocorre na Venezuela não é só uma narrativa: 6 milhões de pessoas deixaram o país. É uma catástrofe humanitária real. Acho difícil que o pleito lá seja 100% justo, mas temos de tentar de tudo”

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Lula chegou a afirmar que a ditadura de Maduro é uma “narrativa”. Concorda? O que ocorre lá não é só uma narrativa: 6 milhões de venezuelanos deixaram o país. É uma catástrofe humanitária real. Concordo, porém, que parte do problema se deve às sanções econômicas e ao isolamento da Venezuela. Sou um crítico do governo Maduro. Só não acho que seja possível enfrentar o problema virando as costas para ele.

O senhor tomará posse justamente quando começam as negociações sobre o acordo de Itaipu com o Brasil. O que vai levar à mesa? A meta estabelecida há cinquenta anos, quando Itaipu nasceu, foi cumprida. Criamos a maior hidrelétrica do mundo e as dívidas relacionadas ao projeto foram quitadas. Propus a Lula debatermos um novo projeto de mais cinquenta anos. Um dos pontos é que, hoje, cada país fica com a metade da energia ali produzida. Nós consumimos apenas uma parte disso, e o restante somos obrigados a comercializar com o Brasil. Embora a compra compulsória do excedente paraguaio tenha garantido o pagamento da nossa dívida, chegou a hora de adotarmos um sistema de livre comércio, praticando preços mais altos.

Isso não vai acabar aumentando a conta de luz dos brasileiros? Fiz os cálculos. O impacto negativo para o Brasil seria pequeno, e o positivo para o Paraguai, imenso. E mesmo com a subida nos preços, a conta brasileira continuaria entre as mais baixas do planeta.

Neste mês, o Mercosul se reúne novamente para discutir o acordo de livre comércio com a União Europeia. Lula é contra as novas exigências ambientais dos europeus. E o senhor? Estou com Lula. O Mercosul fez uma série de concessões, mas esses termos adicionais, que estabelecem que itens produzidos a partir de 2020 em áreas já desmatadas devem ficar de fora do acordo, são inaceitáveis. Não porque não vamos cuidar do meio ambiente, ao contrário. Enviaremos uma resposta conjunta rejeitando a proposta. Infelizmente, existem vozes no bloco europeu que agem em prol do protecionismo, algo que, no longo prazo, impede o desenvolvimento e a competitividade.

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Falou-se em selar o acordo até o final do ano. Confia nesse prazo? O acordo corre perigo. Agora, a bola está na quadra da UE, que não consegue harmonizar a visão de seus 27 membros.

O Brasil critica a iniciativa do presidente Lacalle Pou, do Uruguai, de tentar um acordo bilateral com a China, à revelia do Mercosul. Também condena a costura? Entendo a posição do Uruguai. O Mercosul não funciona na velocidade que gostaríamos, falta azeitar o funcionamento do bloco, e Montevidéu sente que já esgotou o que poderia tirar de proveitoso ali. Para o Paraguai, o voo-solo não faria sentido.

Lula defende a criação de uma moeda única para o grupo. Apoia a ideia? Para isso, os membros do Mercosul teriam de estar no mesmo ciclo econômico. Brasil e Paraguai têm inflação baixa, mas os preços sobem a 100% na Argentina. Nós e o Uruguai apresentamos níveis de endividamento mais baixos, diferentemente do Brasil. Não avalio que seja o momento para uma moeda única.

Acha que Lula deveria ser mais enfático em seu posicionamento anti-Rús­sia? Ele foi assertivo ao defender a paz. Eu, pessoalmente, reconheço bem a vítima dessa história, a Ucrânia — até porque, há 160 anos, também fomos invadidos pelo Brasil e perdemos 60% do território, com vastas consequências para o país.

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A cada dez cigarros vendidos no Brasil, quase a metade é ilegal e a maior parte vem do Paraguai. Como irá combater o contrabando? A maioria dos cigarros ilegais no Brasil é comprada de forma legítima no Paraguai, onde a indústria do tabaco tem suma importância para a economia. O contrabando na fronteira é promovido pela diferença nos impostos — altos em solo brasileiro e baixos no paraguaio. O que devemos fazer é institucionalizar essas vendas, para que o produto chegue legalmente ao Brasil a preços mais baixos.

Na fronteira com o Brasil, a cidade de Pedro Juan Caballero abriga uma lista de criminosos brasileiros do Primeiro Comando da Capital (PCC), que lá vivem sem ser incomodados. O governo tem sido conivente com a bandidagem? O Estado vem sendo ausente em várias regiões fronteiriças, como Pedro Juan. Uma lei de segurança nacional, que permite que policiais e militares trabalhem em conjunto na região, ajudou, mas ela não impede que os bandidos migrem de uma cidade à outra. O plano é aumentar a presença do Estado não só com segurança, mas com escolas, postos de saúde, estradas, tudo para diminuir a influência dos criminosos. E trabalhar em regime de maior cooperação com o Brasil. Ali, é um jogo de gato e rato.

O senhor defende o estímulo à migração brasileira para preencher postos na indústria paraguaia. Como a­­traí-los? A maioria dos brasileiros só conhece o país pelos motivos errados, pela má fama, então, como já começamos a fazer, precisamos rodar as grandes capitais para conversar com empresários, sindicatos e autoridades, e mostrar as oportunidades que existem por aqui.

A pobreza ainda castiga um de cada quatro paraguaios e muitos são empurrados para a informalidade no mercado de trabalho. Como dar um salto de desenvolvimento? Essa taxa de pobreza é inaceitável e resultado da ausência de políticas públicas. Vou montar uma força-tarefa bem articulada entre os ministérios para baixar o número. Mantenho também a promessa de criar pelo menos 500 000 novos empregos. A estratégia é identificar empresas com potencial de expansão e investir nelas, firmando alianças público-privadas. Às vezes, o setor público não dá conta sozinho.

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“O Estado vem sendo ausente em várias regiões de fronteira, como em Pedro Juan Caballero, onde o PCC atua. Vamos trabalhar junto com o Brasil. Ali, é um jogo de gato e rato”

Lula costuma emitir fortes opiniões sobre decisões tomadas pelo Banco Central, que é independente. O senhor, que já presidiu o BC de seu país, é contra esse tipo de interferência? Presidentes têm o direito de emitir sua opinião, tanto quanto os técnicos do banco têm a obrigação de fazer o que é correto. Sou contra qualquer interferência. É preciso respeitar o trabalho do BC.

Os Estados Unidos impuseram sanções financeiras por corrupção ao ex-pre­sidente Horacio Cartes, que segue a seu lado, a ponto de dizerem que sua gestão será “bicéfala”. Isso cria uma saia justa com os americanos? Horacio nega essas acusações e vai se defender, mas as históricas boas relações entre Paraguai e Estados Unidos não mudam. Temos interesses em comum nas áreas de segurança, combate à corrupção e democracia. Se viesse um pedido de extradição de Horacio, não haveria impedimento meu — afinal, é um processo judicial e não cabe ao Poder Executivo interferir. Lembrando que ele é um aliado importante, mas a responsabilidade de governar é minha.

Sobre uma das mais longas ditaduras da América Latina, a de Alfredo Stroessner (1954-1989), o senhor já declarou que trouxe estabilidade ao Paraguai. Mantém sua posição? Sou economista e olho os dados: antes de Stroessner, houve cinquenta presidentes em cinquenta anos, quase todos afastados por assassinato ou golpes de Estado. Sua chegada quebrou o ciclo da instabilidade que impedia o Paraguai de avançar e abriu diálogo com os Estados e o Brasil, inclusive para construir Itaipu. O que eu nunca disse é que os enormes abusos praticados contra os direitos humanos durante a ditadura são justificáveis.

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Até 2015, o senhor era um estranho na política nacional. A falta de experiência o preocupa? Não há escola para presidentes. É a experiência que ensina. O importante é não se deixar desviar por ideologias que ofuscam a visão e saber ouvir.

Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854

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