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“Não somos contra” leis para evitar fake news, diz chefe do Google no país

Fábio Coelho defende a aprovação de legislação, mas sugere novas rodadas de debates, de mãos dadas com as autoridades

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h09 - Publicado em 21 jul 2023, 06h00

Foi uma tormenta. Presidente do Google no Brasil desde 2011, Fábio Coelho, de 58 anos, enfrentou recentemente um dos principais reveses da companhia de tecnologia no país, desde que instalou seus escritórios aqui, há dezoito anos. A campanha contra o Projeto de Lei 2630, conhecido também como PL das Fake News, foi muito questionada pelo uso de ferramentas como o buscador na defesa dos interesses da empresa. Na página inicial do mecanismo, um link levava a uma publicação intitulada “PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira”. Assinado por Marcelo Lacerda, diretor de relações governamentais e políticas públicas da big tech, o artigo elenca uma série de problemas no projeto, como pagamento por conteúdo produzido por empresas de comunicação e obrigatoriedade de monitoramento. Em entrevista a VEJA, Coelho defende a postura do Google e diz que a ideia era provocar o debate, o que de fato ocorreu, fundamental em um país prioritário como o Brasil para os negócios do gigante do Vale do Silício.

O Google é contra o Projeto de Lei das Fake News apresentado ao Congresso? O Google se envolve em discussões sobre novos processos de legislação com a ideia de colaborar. Temos um histórico de participar desses debates, no Brasil, desde o Marco Civil da Internet. Eu estou aqui há mais de doze anos e sempre foi assim. Acreditamos que o PL 2630, da maneira como estava escrito, carecia de aperfeiçoamentos.

Quais aperfeiçoamentos? Não somos contra um projeto de lei que combata fake news e que trabalhe contra a desinformação. Até porque é nossa proposta ter uma internet mais segura, que funcione melhor para todo mundo. Mas havia elementos no texto que podiam ser mais discutidos e que, sem cuidado, poderiam gerar um ambiente digital desfavorável para os usuários, para as empresas e para o mundo virtual como um todo.

O encaminhamento, na página de busca do Google, para uma página da empresa intitulada “PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira” foi boa ideia? Nossa intenção era mostrar que, diante da iminente aprovação de um projeto de lei que recebeu muitas alterações, não tinha havido muitos debates. As alterações eram recentes, haviam sido incorporadas em menos de três semanas e foram pouquíssimo discutidas. O nosso objetivo com aquela série de comunicações foi alertar a sociedade sobre alguns riscos da proposta apresentada.

Mas o que pretendiam com essa campanha? Pedir mais tempo para aprimorar a discussão. Havia preocupação legítima com o impacto que poderia haver no ambiente digital e também nos nossos produtos. Felizmente, a maioria dos deputados teve essa mesma percepção, tanto que decidiram adiar a votação. Desde então, estamos colaborando com as autoridades, com o relator, o deputado Orlando Silva, a quem respeitamos, e com os membros do Congresso e da Câmara dos Deputados. Queremos contribuir para o aperfeiçoamento do projeto de lei para que possamos ter uma legislação mais equilibrada e que funcione melhor no Brasil.

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“Havia uma preocupação legítima por parte do Google com o impacto que o PL das Fake News poderia ter no ambiente digital como um todo e também nos nossos produtos”

O Google tinha receio, com a aprovação do projeto de lei, de uma situação semelhante a de Austrália e Canadá, que obrigaram as empresas de tecnologia a pagar pelo conteúdo produzido pelas empresas de comunicação? Já remuneramos e valorizamos conteúdo de qualidade. Temos 160 acordos com veículos de comunicação pelo Brasil inteiro. Se as pessoas produzirem conteúdo simplesmente porque há uma obrigatoriedade de indexação e remuneração, entendemos que seria uma alteração da dinâmica muito grande. Poderia levar inclusive a danos para o ecossistema digital. Outro ponto: aquilo que já existe e funciona deve ser ao menos considerado quando se vai fazer uma mudança que crie obrigatoriedades.

Mas qual o perigo da obrigatoriedade de pagar pelo conteúdo de imprensa? O perigo é que isso aumente o problema da desinformação. Somos uma empresa que tem uma série de controles e salvaguardas para evitar que, por exemplo, outros negócios se especializem em copiar conteúdo e o monetizem por meio das nossas plataformas. Se aprovarmos o PL do modo como está, sabemos que poderia haver uma corrida de empresas buscando compensação financeira por um conteúdo ilegítimo e de baixa qualidade. Trabalhamos para valorizar conteúdo de alta qualidade, profissional.

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Quais outros pontos parecem problemáticos dentro do projeto? Um buscador e uma rede social são coisas distintas. A ferramenta, aliás, é parte do processo de combate à desinformação. Estamos no Brasil há dezoito anos melhorando as nossas soluções de busca para que possam ser parte do processo de tornar a população mais informada. Então, não diferenciar buscadores de redes sociais, botar todo mundo no mesmo pacote, sem distinção, também é problemático.

A questão da moderação de conteúdo foi um dos nós criticados. Qual o problema com essa exigência? Temos regras de moderação, trabalhamos junto às autoridades, para que possamos respeitar a legislação e não ser a parte que vai julgar. Não queremos ser o juiz dessa história. Quando pensamos em todas as plataformas do Google, temos políticas de uso com as quais o usuário precisa concordar. Temos um conjunto de regras sobre o tipo de conteúdo que a gente não permite e tipos de conteúdo que são restritos, além de uma equipe global que trabalha na moderação de tudo isso. E quando tem algum tipo de conteúdo que não viola uma política estabelecida pela nossa plataforma nos termos do marco civil, mas pode ser danosa, a Justiça faz esse papel de apontar o que considera inadequado. Por isso, trabalhamos muito próximo das autoridades para atender a todos esses pedidos. Nas últimas eleições, atendemos com rapidez aos pedidos de remoção.

O Google pediu ao Supremo Tribunal Federal o arquivamento do inquérito policial que investiga a empresa por suposto abuso de poder econômico. Em que pé está isso? Resumimos nossa posição na petição que protocolamos, com um sumário da nossa colaboração ao longo de toda essa investigação. Acreditamos que não causamos nenhum tipo de problema com as manifestações que fizemos em relação ao projeto. Como a investigação ainda está em andamento, é o máximo que podemos comentar. Mas fique claro que nós respeitamos a autoridade do STF, com quem trabalhamos em parceria em várias ocasiões.

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Qual a visão estratégica do Google para o Brasil? Fazemos parte de um grupo que internamente é chamado de Countries of Focus. O Brasil é um mercado prioritário para o Google. Primeiro, porque nós temos uma população continental muito desejosa de se comunicar e de se conectar. Segundo, porque acreditamos que as nossas plataformas, ao longo do tempo, construíram uma relação extremamente saudável e de utilidade para os brasileiros. Estamos falando do buscador, do YouTube, do Gmail, do Maps, dos telefones celulares Android, que baratearam muito e permitiram maior acesso. Durante a pandemia, vimos uma verdadeira explosão do comércio eletrônico, com as pessoas entendendo que era uma forma de elas poderem satisfazer suas necessidades.

Como isso se traduz em termos práticos? Acabamos de abrir um novo escritório em São Paulo para abrigar todo o nosso grupo de nuvem e engenharia. No ano passado, anunciamos um centro de tecnologia em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, na Cidade Universitária, que deve comportar em torno de 400 pessoas. E temos o escritório de engenharia em Belo Horizonte, o único da América Latina que produz tecnologias para o mundo inteiro. Olhamos o Brasil como um país de oportunidades, onde os investimentos se traduzem em impacto econômico e social, uma excelente opção para alocação de recursos da empresa. Hoje, quando olhamos para as nove plataformas do Google com mais de 1 bilhão de usuários no mundo, o Brasil está no Top 3 de usuários em todas elas.

“Olhamos o Brasil como um país de oportunidades, onde os investimentos se traduzem em impacto econômico e social, uma excelente opção para alocação de nossos recursos”

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Por outro lado, o Google não prioriza o Brasil na questão do hardware, dos produtos, como o celular Pixel. Por quê? Nossa estratégia com relação aos aparelhos é simples. Acreditamos que estamos sendo muito bem servidos pelos parceiros locais, empresas que desenvolvem celulares com o sistema operacional Android. Sejam eles empresas brasileiras, como a Multi, como a Positivo; sejam empresas globais, como uma Samsung, como a LG e a Motorola. Nós não precisamos fazer tudo. Se você tem um parceiro que está fazendo o bem, ótimo. Segundo, sempre avaliamos o lançamento de produtos em escala. Em algum momento, vamos reavaliar de novo isso. Mas acreditamos que, por enquanto, preferimos investir em apostas mais maduras para a realidade brasileira.

O Google lançou, recentemente, o Bard, ferramenta de inteligência artificial (IA), em português do Brasil e em outras línguas, ampliando o alcance do recurso. A IA mudará o mundo como o conhecemos? Estamos nos primórdios dessa tecnologia e, dentro desse espírito, o Bard é um experimento. Desde 2016, nos tornamos uma empresa AI First (que prioriza a IA) e nos preparamos para isso. Ao mesmo tempo, respeitamos muito todas as outras empresas que estão trabalhando com os grandes modelos de linguagem, elementos essenciais para o funcionamento da tecnologia. Mas acreditamos que o Google, por seu histórico, também tem condições de desenvolver coisas muito boas em função da capacidade de aglutinar talentos e também em função da quantidade de informação disponível que temos. Há, claro, uma necessidade de aprimoramento dos modelos de linguagem e de respeito aos princípios da inteligência artificial ética.

Nos Estados Unidos, o Google foi processado por supostamente roubar dados de usuários para treinar suas ferramentas de inteligência artificial. De que forma esse movimento afeta a companhia? Desde o início temos sido muito transparentes. Esses primeiros modelos de linguagem são alimentados de informações públicas disponíveis na internet. Isso está bastante claro, inclusive, por meio de nossos termos de uso e políticas de privacidade, para que a comunidade de usuários entenda como tudo é usado. Há informações pessoais que podem estar públicas e disponíveis. Então, esses dados também vão alimentar os modelos. Reafirmo: são os primeiros dias dessa tecnologia. Estamos abertos a receber o retorno dos usuários.

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851

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