Guilherme Derrite: “Bandido não é vítima”
Secretário de Segurança de São Paulo, o deputado critica visão da esquerda sobre segurança pública e diz que é preciso linha dura contra o crime
O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, esteve no centro da polêmica no Congresso Nacional ao reassumir o posto de deputado pelo PP para relatar o projeto de lei contra facções criminosas. Apresentado pelo Executivo como “PL Antifacção”, o texto foi modificado por Derrite, que ampliou as penas de prisão e restringiu ou eliminou benefícios, como a progressão de regime, a concessão de auxílio-reclusão e o uso de fiança. Também criou tipos penais como o “domínio social estruturado” (quando grupos armados impõem suas leis sobre territórios e populações), e mudou o nome da proposta para Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, o que foi visto pelo governo como uma tentativa de assumir a paternidade da iniciativa. Sob bombardeio de Lula e aliados, sua versão foi aprovada por 370 votos a 110, uma vitória expressiva da oposição. Em entrevista a VEJA, Derrite, que é pré-candidato ao Senado, defende a linha dura e diz que a direita sai na frente na discussão sobre segurança, tema central em 2026. “O governo Lula e o PT têm dificuldade muito grande com isso porque eles têm uma visão de mundo completamente diferente do que a população espera”, diz.
O senhor teve muito apoio, mas também muita resistência na tramitação do projeto contra facções. A que atribui as críticas, em especial do governo Lula, e o que achou do resultado final? Em qualquer crítica, meu primeiro ponto de partida é quem está criticando. Quando eu vejo me criticarem aqueles que acham que bandido é coitadinho, que traficante é vítima, que é absurdo a polícia prender criminosos só porque estão roubando celulares para tomar uma cervejinha, para mim é um elogio. Encontrei grande respaldo na população. O projeto de lei é tudo o que a sociedade esperava ao longo de décadas do Congresso. É uma legislação dura, que, infelizmente, não contou com o apoio de todos os parlamentares, porque eles ficaram presos à questão política apenas pelo fato de eu ter sido designado relator.
O governo já está se movimentando no Senado para articular uma possível versão mais próxima da original. O que acha dessa articulação? O governo teve quinze dias para me procurar durante a tramitação na Câmara e não me procurou. No dia em que viram que o projeto foi pautado e não ia ser retirado, governo, PT e esquerda quiseram marcar uma reunião. Depois me atacaram por duas semanas com falsas narrativas, com mentiras, inclusive usando as redes oficiais do governo. Eu avisei o presidente Hugo Motta que não iria me reunir com eles e que íamos enfrentar no voto. Foi o que aconteceu. Agora, a possibilidade de mudança no Senado faz parte do processo democrático no Congresso.
“Temos que usar exemplos de países que tiveram bons resultados, que adotaram política de tolerância zero, que recuperaram o instituto do cumprimento da pena e acabaram com a impunidade”
O senhor conversou com Alessandro Vieira (MDB-SE), que é o relator do PL no Senado? Conversei inclusive durante a discussão na Câmara. Ele foi delegado de polícia, conhece o assunto, o que julgo importante. Ele deu sugestões desde o início, assim como os senadores Sergio Moro (União Brasil-PR) e Rogério Marinho (PL-RN). É natural que mudanças aconteçam na outra Casa, mas eu acredito muito pouco que sejam no sentido de voltar ao projeto original do governo.
Além do projeto aprovado, o que mais precisa ser feito para melhorar a segurança pública no Brasil? Precisamos tratar dos crimes comuns, praticados diária e rotineiramente nas ruas. Tem que ter um pressuposto geral de endurecimento da legislação, de encarecimento do custo do crime para qualquer tipo de roubo e receptação. Um tema importantíssimo é a audiência de custódia. Preso reincidente que cometeu crime hediondo ou mediante violência e grave ameaça não tem que ter direito ao benefício. Sou defensor de que a audiência de custódia acabe de uma vez por todas. Só traz benefício ao criminoso. Outra questão é a progressão do regime de cumprimento de pena. É inadmissível cumprir só uma parte da punição. Se um criminoso foi condenado a doze anos de prisão, tem que cumprir os doze anos de prisão. Foi por isso que nós colocamos a exigência de cumprir ao menos 85% da pena no novo marco legal.
Isso demandaria, inevitavelmente, mexer também no sistema penitenciário, não? Porque a realidade de uma grande parcela dos presídios é de superlotação. Quando se fala da população carcerária, contabilizam-se todos que estão cumprindo pena. E tem regime fechado, semiaberto e aberto. E outra: todo país que endureceu as penas para o crime teve, em um primeiro momento, um pico, um aumento da população carcerária, seguido depois de uma queda absurda. Porque o crime deixa de ser atrativo, economicamente viável, para o criminoso. Hoje é o contrário, ele sente um estímulo para a vida delituosa.
Acredita que a linha dura é a melhor alternativa para lidar com o problema? É a única saída. Apesar de eu ser um parlamentar conservador, essa não é uma pauta da direita nem da esquerda. É da sociedade. Temos que usar os exemplos de países que tiveram bons resultados, que adotaram uma política de tolerância zero, que recuperaram o instituto do cumprimento de pena e que acabaram com a impunidade. Porque o grande problema da reincidência criminal é a impunidade. O criminoso sai e entra numa porta giratória do sistema prisional porque ele sabe que, se for condenado por roubo de celular, de aliança, de correntinha a cinco anos de prisão, vai ficar seis ou oito meses no cárcere.
Sobre a PEC da Segurança, também apresentada pelo governo Lula, o senhor acha que a União deve ter mais espaço no combate ao crime organizado? A rede colaborativa é o grande segredo. As melhores respostas vêm sempre quando as polícias Federal e estaduais trabalham em conjunto. A PF tem pouco mais de 13 000 homens, como ela vai dar conta de todos os crimes? Não tem como. O texto da PEC é muito ruim, faz uma centralização de poder absurda no governo federal. Fazer segurança pública no estado do Amazonas é diferente de fazer no Rio de Janeiro. O texto ignora isso e traz uma política nacional de segurança pública tocada por um conselho formado majoritariamente por membros do governo. Eles vão criar um plano e os governadores serão obrigados a seguir, sob pena de não receberem os “vultosos” recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. O tanto que recebemos é uma piada: menos de 50 milhões de reais por ano, sendo que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo tem um orçamento de 33 bilhões de reais por ano.
A segurança será mesmo o grande tema das eleições em 2026? O governo Lula e o PT têm uma dificuldade muito grande com segurança pública porque eles têm uma visão de mundo completamente diferente do que a população espera. A sociedade não aguenta mais ser vítima de roubo e não tolera mais a impunidade. Chegamos a prender criminoso que rouba celular quinze, trinta vezes, sempre pelo mesmo crime. A esquerda tem tanta dificuldade que no projeto ela incluiu uma proposta que previa redução de pena. O brasileiro quer é o endurecimento das punições.
O senhor pretende antecipar a saída do cargo para disputar a eleição? Sou obrigado a deixar o posto até o final de março, mas existe a possibilidade de ser neste ano por causa justamente da PEC da Segurança Pública, já que o relatório deve ser apresentado em dezembro. Mas tenho ainda que conversar com o governador sobre isso.
“Lula e o PT têm uma dificuldade muito grande com segurança pública porque eles têm visão diferente do que a população espera. O brasileiro quer o endurecimento das punições”
A política de segurança em São Paulo recebe muitas críticas por excessos dos policiais. Onde o senhor acha que acertou e onde errou em sua gestão? É difícil fazer essa autoavaliação. Nosso maior acerto foi ter um plano estratégico de combate ao crime organizado, que São Paulo nunca teve. Fazer com que as polícias trabalhassem de forma coordenada e integrada, principalmente focadas no serviço de inteligência, foi uma grande vitória. O maior desafio da minha vida foi ter exercido a função de secretário de Segurança Pública. Se fosse para pontuar alguma coisa, não como um erro meu, mas talvez um erro do governo, foi não ter divulgado mais o trabalho que a secretaria e as polícias fizeram. Por exemplo, a gente acabou com a cracolândia.
Se Tarcísio disputar a Presidência, o senhor se colocaria como candidato a governador? Ele teria o meu voto.
E quanto à disputa para o Palácio dos Bandeirantes? Eu tenho o desejo de ser senador. Nunca escondi isso e fiquei muito feliz por ter sido lembrado para disputar essa vaga. É natural que o partido a que eu pertenço tenha as suas pretensões políticas, mas, da minha parte, estou focado na campanha para o Senado. Ao longo desses três anos como secretário, ficou comprovado que o problema da criminalidade não está na governança, na gestão — a questão é da legislação. Eu posso contribuir muito mais estando na Câmara ou no Senado, com novas propostas ou com discussões relevantes.
A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro bagunça o xadrez da direita para 2026? Em primeiro lugar, vejo uma grande injustiça sendo cometida contra Bolsonaro. Lamento demais todo esse processo e a forma como ele foi julgado. Estamos falando de um presidente que não tem nenhum escândalo de corrupção, que não foi condenado em primeira ou segunda instância por cometer qualquer tipo de crime no exercício de sua função. Gostaria muito de vê-lo concorrendo à Presidência da República. Se isso não acontecer, como um patriota que sou, vou esperar o cenário ficar mais claro e declarar apoio a quem a direita, que é liderada por Bolsonaro, indicar.
Pretende se juntar aos deputados bolsonaristas e batalhar pela anistia do ex-presidente? Sem dúvida. Não só do ex-presidente, mas de várias pessoas que estão presas até hoje, do 8 de Janeiro, que poderiam estar com as suas famílias. Será que essas pessoas realmente queriam cometer um atentado contra o estado democrático de direito? Eu tenho certeza que não. Muitos ali nem sabiam o que estava acontecendo e foram presos.
Se a campanha ao Senado fosse hoje, quais seriam suas principais bandeiras além da segurança? Sou um político conservador, defensor da família tradicional, dos valores judaico-cristãos, sou católico apostólico romano. Vou à igreja todo fim de semana. Não uso isso como bandeira política, mas eu sou assim. Digo que o povo de direita no Brasil tem que enxergar nessa eleição para o Senado a possibilidade de exercer de fato o sistema de freios e contrapesos da República. Precisamos ter maioria.
Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972







