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Burocracia ‘dilacerante’ retarda reconstrução do RS, diz Paulo Pimenta

Ministro rebate as críticas sobre a comunicação do governo e diz que falas de Lula são estratégicas

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Gustavo Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jul 2024, 12h00 - Publicado em 5 jul 2024, 06h00

Em meio a toda a devastação, tristeza e desespero provocados pela inundação que deixou cidades inteiras do Rio Grande do Sul submersas, o ministro Paulo Pimenta se deparou com uma ingrata surpresa ao assumir a secretaria extraordinária criada para ajudar a reerguer o estado. Entraves de uma burocracia “dilacerante”, afirma, emperram o avanço das medidas que levarão, em um momento ainda incerto, a população de volta à vida normal. São dificuldades com bancos, de falta de mão de obra, exigências exageradas de apresentação de laudos e pareceres que postergam a execução de um trabalho que, sessenta dias após a tragédia, ainda é emergencial. Apesar de o governo federal ter injetado 55 bilhões de reais apenas para subsidiar e facilitar o acesso ao crédito, os gaúchos penam para conseguir a liberação dos recursos. Natural do Rio Grande do Sul, Pimenta deixou a Secretaria de Comunicação, para onde pretende voltar “no momento adequado”, após receber a missão direta do presidente. Nesta entrevista a VEJA, ele culpa os tais entraves burocráticos pelas críticas que tem recebido sobre a agilidade — ou a falta dela — no trabalho de reconstrução, fala das mudanças na estratégia de comunicação do governo e defende as declarações recentes de Lula que têm gerado abalos no mercado e na política.

O governo prometeu um investimento significativo para reconstruir o Rio Grande do Sul. Sessenta dias depois da tragédia, quanto desse dinheiro já chegou de fato? Nós já disponibilizamos 90 bilhões de reais para o Rio Grande do Sul. Esses 90 bilhões envolvem transferência direta, antecipação de benefícios, uma cota a mais do Fundo de Participação dos Municípios para as prefeituras, um adiamento de cobrança de débitos fiscais e empréstimos bancários. Grande parte desse recurso é subsídio para as linhas de crédito.

Mas, na ponta, quanto já chegou? Já foram pagos em torno de 20 bilhões de reais. Mas quanto já chegou é relativo. No auxílio humanitário, a gente passa o dinheiro direto para a prefeitura em 48 horas. Mas o grosso do dinheiro é para a reconstrução, que vai para o governo do estado e para as prefeituras. Esse recurso é empenhado, mas o dinheiro começa a ser liberado no momento em que a prefeitura contrata a empresa que vai executar a obra. Então, a rigor, esse recurso está disponível. Mas gastá-lo depende muito mais das prefeituras e das empresas.

Por se tratar de uma emergência, não há como acelerar esse processo? Nós tivemos no ano passado a experiência do Vale do Taquari, uma espécie de protótipo do que estamos vivendo agora, quando autorizamos a construção de 1 670 casas. O dinheiro está liberado, está na conta. Sabe quantas casas começaram até agora? Nenhuma. Desde o ano passado nós liberamos recursos para a reconstrução de 22 escolas que foram destruídas. Quantas começaram? Nenhuma. E é culpa do governo federal? Não.

“A complexidade das normas e os critérios de análise de crédito criaram um emaranhado burocrático que hoje, sem resolver isso, as coisas não vão andar na velocidade que a gente precisa”

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Onde está o problema, então? A complexidade das normas, das regras que ao longo do tempo foram criadas, os critérios de análise de crédito para a aprovação de financiamentos ou de projetos, na minha opinião, criaram um emaranhado burocrático e jurídico que hoje, sem resolver isso, as coisas não vão andar na velocidade que a gente precisa. Isso ocorre na relação com a iniciativa privada, que faz variadas análises e exigências, e também no poder público, que precisa licenciar e aprovar projetos. Muitas vezes uma prefeitura não tem um corpo técnico. Algumas têm um engenheiro, uma ou duas pessoas da defesa civil para atender todas as demandas. Eu nunca repeti tanto que banco só empresta dinheiro para quem não precisa. Há uma quantidade enorme de exigências e de critérios que são utilizados para análise de crédito.

O fato de o senhor ser um potencial candidato ao governo do estado não está na raiz de alguns ruídos políticos que surgiram depois de sua indicação? Em primeiro lugar, acho que a gente tem de afastar essa coisa de que existe um ruído. A minha relação com o governador (Eduardo Leite) é excelente. Eu votei nele e acho inclusive que ele votou no Lula. Da mesma forma com os prefeitos. Nunca perguntei qual o partido de nenhum deles. O presidente Lula precisava de alguém que tivesse trânsito nos partidos. Eu fui deputado estadual, deputado federal, conheço todo mundo, tenho uma boa relação com o governador, tenho acesso aos ministros e uma linha direta com o presidente. Qual é o outro nome que poderia preencher essas características? Fui designado para cumprir uma missão. Na última eleição, nós tivemos um candidato ao governo, o Edegar Pretto, que teve um excelente desempenho. Não foi para o segundo turno por 2 441 votos. Então, na minha opinião, a primazia do nome para ser candidato a governador é dele. Meu nome está à disposição do partido, do presidente, mas eu tenho esse respeito e essa consideração pelo Edegar.

Em que nível essa tragédia pode impactar as eleições municipais, por exemplo? Acho que ela vai ter um impacto muito forte, principalmente na região metropolitana (de Porto Alegre), que são os municípios maiores, e são municípios em que a população está convivendo há muito tempo com a tragédia. Então não é uma chuva que alagou e amanhã voltou à normalidade. As pessoas estão com montanhas de lixo há sessenta dias na frente de casa. As pessoas querem saber se podem voltar tranquilas para casa. Os empresários querem saber se podem reabrir a empresa. Então, a primeira resposta que a população, de forma correta, precisa é a seguinte: quem é que vai me dar a garantia de que esse negócio não vai se repetir? Os prefeitos naturalmente estão sendo chamados a dar essa resposta, porque essa gestão acaba sendo no âmbito dos municípios. Isso tem uma interferência no dia a dia da política, a forma como cada prefeito enfrentou esse problema, discutiu a proteção, a habitação, o apoio às empresas. É impossível imaginar que isso não vai ter um efeito eleitoral no Rio Grande de Sul.

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O que explica a queda de popularidade do governo e do presidente Lula? O presidente Lula fez 39% do total de votos na última eleição, pegando como base o total de pessoas que poderiam votar. Nosso adversário fez 37%. Esse resultado indicou um país extremamente dividido e ideologicamente muito calcificado. Então, quando a gente tem índices de aprovação que chegam a 45%, 46 %, estamos trabalhando com 39% das pessoas que votaram no Lula e uma parcela importante de pessoas que não votaram ou votaram no nosso adversário e aprovam o presidente. Se olhar os índices de aprovação do presidente Lula em 2004, eram mais ou menos esses. Na época, a pesquisa dizia assim: “Se a eleição fosse hoje, Serra venceria em todos os cenários”. Quando chegou a eleição de 2006, o presidente Lula bateu o recorde histórico, com 58 milhões de votos. Pesquisa é a fotografia do momento.

Aliados apontam as declarações do presidente e a comunicação como os principais problemas do governo. Tem três coisas das quais todo mundo sabe a receita: futebol, internet e comunicação. Normalmente as pessoas apresentam uma solução simples para um problema complexo. Quando o presidente Lula defende uma política de enfrentamento com o Banco Central, não é um problema de comunicação. O que há é que setores da sociedade não concordam. Então nós não vamos deixar de ter opinião sobre as coisas, não vamos deixar de defender aquilo que a gente entende que é correto por causa de uma eventual divergência que um ou outro setor possa expressar. O presidente Lula sempre foi uma pessoa de posicionamento, é uma pessoa corajosa para a política, não é uma pessoa que se esconde. Ele é o nosso melhor comunicador.

Há alguma estratégia de comunicação no fato de o presidente usar termos como “cretino”, “canalha” ou “titica de galinha” para se referir a críticos e adversários? O presidente Lula está viajando mais, falando nos eventos e dando entrevistas para a imprensa. Evidentemente, isso também gera uma especulação sobre as opiniões dele. Mas isso, para nós, é bom. Queremos que as pessoas saibam que o Lula é contra a política de juros do Banco Central, queremos que as pessoas saibam que nós governamos para todos e para todas, mas que temos um olhar especial para aqueles que mais precisam, na hora em que as pessoas mais precisam. Queremos que as pessoas saibam que o Lula acha que saúde e educação não são gasto, são investimento, e por isso a gente quer gastar mais em saúde e em educação. Por mais que algumas pessoas discordem, a gente quer exatamente que essas mensagens cheguem a todos.

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“Nós não vamos deixar de ter opinião, não vamos deixar de defender aquilo que a gente entende que é correto por causa de uma eventual divergência que um ou outro setor possa expressar”

O senhor pretende voltar para a Secom quando terminar a missão no Rio Grande do Sul? O presidente Lula pediu que eu assumisse essa função. Disse: “Tu vai lá, cumpre essa tarefa e volta pra tua função na Secom”. Então ele me deu uma tarefa e ao mesmo tempo me manteve com uma responsabilidade. Nós temos um ministro interino, que é uma pessoa muito correta, muito dedicada. Eu não interfiro no cotidiano, não despacho com os secretários, mas evidentemente acompanho o debate da política de comunicação do governo.

A campanha Fé no Brasil teve como objetivo atingir o eleitorado evangélico? Essa foi uma campanha concebida por mim, uma ideia que eu trabalhei muito dentro do governo. Na realidade, Fé no Brasil não tem por objetivo especificamente falar com os evangélicos. A primeira etapa da campanha do governo foi O Brasil Voltou. Porque o Zé Gotinha voltou, o Mais Médicos voltou, o Minha Casa, Minha Vida voltou. Depois, a gente começou uma campanha chamada Brasil no Rumo Certo, que foi o PAC, a aprovação da reforma tributária, a mudança da política de preço da Petrobras e do salário mínimo. Quando a gente chegou ao final do ano, percebeu que havia um reconhecimento grande, mas ao mesmo tempo continuava tudo muito polarizado. Aí fizemos a campanha que teve por objetivo despolarizar o país e fazer as pessoas baixarem as armas: Somos Um Só Povo, Um Só País. Quando chegou fevereiro, percebi que as pessoas baixaram as armas, mas estavam aguardando: “O.k., vamos diminuir a polarização, mas quando a minha vida vai começar a melhorar?”. Então a campanha mostra a confiança de que as coisas vão melhorar. Fé é uma palavra muito forte no Brasil, não é uma palavra usada só na religião.

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Qual seria o impacto eleitoral no Brasil de uma eventual eleição de Donald Trump? Eu não trabalho com essa hipótese, em primeiro lugar. Acho que o Trump vai perder a eleição.

O que leva o senhor a acreditar nisso? O otimismo da vontade.

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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