As redes atuais fazem mal, diz Orkut Buyukkokten
Engenheiro de dados turco que criou uma das primeiras plataformas sociais do mundo propõe um novo modelo que valorize a relação sadia entre as pessoas
É difícil não notar quando o milionário Orkut Buyukkokten entra em um ambiente. O engenheiro de dados turco de 47 anos quase sempre usa roupas de cores chamativas. Não só isso. Com um sorriso no rosto, em geral troca o aperto de mão por um abraço caloroso — sem se esquecer de perguntar ao interlocutor se pode fazer isso. Egresso da Universidade de Stanford, Buyukkokten foi responsável por um dos primeiros serviços de redes sociais do mundo, batizado com o seu nome. A plataforma, criada por ele e administrada pelo Google, se tornou tão popular no Brasil por causa de suas comunidades (quem não se lembra daquela Eu Odeio Acordar Cedo?), que chegou a alcançar no país 30 milhões de usuários — 55% do total no planeta. Apesar do pioneirismo, a rede acabaria sendo encerrada em 2014, depois de perder usuários que migraram para concorrentes que despontaram com força no cenário, como Twitter e Facebook. Nesta entrevista, concedida em São Paulo após dar uma disputada palestra na feira tecnológica Campus Party, Buyukkokten critica as atuais redes, dispara contra Elon Musk, põe em xeque o metaverso e fala sobre os planos de criar uma nova plataforma.
Com o Orkut, o senhor praticamente inventou o conceito de redes sociais. O que acha delas hoje em dia? Se você pensar nas redes sociais de antigamente, com o Orkut e as comunidades, vai lembrar que as pessoas usavam a plataforma para fazer novos amigos. E há tantas histórias incríveis sobre usuários que encontraram o emprego dos sonhos, conheceram o melhor amigo ou engrenaram romances, casando-se e tendo filhos. Aqueles eram dias, no início dos anos 2000, em que a mídia social existia para as pessoas se conectarem, se sentirem menos solitárias e serem mais felizes. Desde então, houve enormes avanços em tecnologia, como a inteligência artificial de aprendizado de máquina. Agora temos os algoritmos que selecionam nosso feed de conteúdo, e isso mudou o cenário de forma relevante.
O senhor considera, então, que algoritmos são o grande problema das redes sociais? A pergunta é outra. Os algoritmos são otimizados para aumentar a felicidade e unir as pessoas ou apenas para produzir lucro? As mídias sociais de hoje têm tudo a ver com ganhar dinheiro. Se pensar no mundo atual, vivemos em um ambiente de vigilância. Cada experiência humana que temos on-line é convertida em dados. E essas informações são usadas para construir modelos que preveem o comportamento de cada pessoa. Nós, humanos, tomamos decisões de maneiras previsíveis. Como resultado, os códigos são capazes de facilitar a manipulação.
E quais as consequências? É justamente isso que torna as plataformas tão prejudiciais, porque todos nós lutamos por engajamento em vez de tentar nos conectar. Como resultado, está se criando um ambiente de muita depressão, ansiedade, isolamento, infelicidade e outros sérios problemas de saúde mental, que podem levar até ao suicídio.
“Nas redes, nós lutamos apenas por engajamento em vez de tentar nos conectar uns com os outros. Como resultado, há casos de depressão e até suicídio”
Muitas plataformas implantaram moderação de conteúdo, inclusive ajustando algoritmos. O que mais é possível fazer para evitar que esses males aconteçam? Já vimos essa história muitas vezes no passado. As empresas de tabaco disseram que fumar não prejudicava os seres humanos, e uma multidão morreu de câncer. As grandes companhias farmacêuticas disseram que os opioides e analgésicos não eram viciantes, e muita gente ficou viciada. O mesmo está ocorrendo com as mídias sociais. Elas são altamente prejudiciais. O que precisamos, de fato, é sair das redes, porque elas estão afetando a nossa saúde. Muitos dos meus amigos que pararam de usar esses serviços e plataformas reconhecem estar mais felizes agora.
Qual seria a alternativa? O ideal seria redes sociais que queiram unir as pessoas em vez de só lucrar com elas. A mídia social é imensamente lucrativa, como se sabe. Mas não há razão para ser tão ganancioso. O Orkut tinha anúncios nas páginas da comunidade e nunca provocou efeitos colaterais prejudiciais.
Depois do Orkut, o senhor lançou o Hello, em 2016, que se baseava principalmente no compartilhamento de imagens. O que houve com essa plataforma? O Hello foi uma ótima experiência. Na realidade, o que fizemos foi um betateste. No Brasil, chegamos a ter quase 2 milhões de inscritos. Fomos, na ocasião, capazes de obter o que chamamos de usuários avançados e criar comunidades para descobrir quais eram as suas expectativas em relação às mídias sociais e de que tipo de recursos e funcionalidades eles gostavam. Criamos um aplicativo de muito sucesso que registrou tanto envolvimento quanto Facebook, Instagram ou Twitter. Vamos aproveitar toda essa experiência para lançar, mais adiante, uma rede social totalmente nova.
Recentemente, o senhor reativou o Orkut com uma mensagem dizendo que, em breve, daria notícias. Essa nova plataforma será uma espécie de Orkut 2.0? O Orkut é uma ótima marca, porque tem tudo a ver com aproximar as pessoas. Antigamente tudo era mais focado na internet, porque os indivíduos acessavam a web em seus laptops e computadores, não em seus telefones. Com a nova rede social, haverá inevitavelmente um foco maior em smartphones. Se há uma coisa que nunca vai mudar, entretanto, é o fato de necessitarmos de comunidades. Precisamos capacitar essas comunidades porque são elas que unem as pessoas — na maioria das vezes, as conexões mais poderosas são feitas em torno de semelhanças. Hoje em dia, as redes apenas nos atraem para um circo onde lutamos por engajamento. Infelizmente, não se trata mais de nos expressarmos.
O Twitter, com tudo que Elon Musk vem fazendo, inclusive relaxando a moderação das informações sobre a Covid-19, tem chance de sobreviver no longo prazo? Definitivamente, não. Os serviços de mídia social precisam ter ferramentas fortes de moderação e moderadores qualificados para garantir que o conteúdo não se torne tóxico e nocivo. Usar a liberdade de expressão como desculpa é intelectualmente desonesto e moralmente condenável. O discurso deve ser protegido desde que não cause desinformação e danos à sociedade. Existem todos os tipos de discurso, como terrorismo, tráfico humano, pornografia infantil e violência. Isso é muito grave.
E o que Musk precisa fazer para evitar que tais informações circulem? O Twitter tem o dever de proteger seus consumidores. Em um mundo off-line, quando uma mulher ou um homem são assediados sexualmente, não dá para simplesmente dizer: “Desculpe, assédio é liberdade de expressão”. Desde que Elon Musk assumiu o Twitter, você pode ver que há muito mais racismo e antissemitismo ali. Há muito mais raiva e ódio na comunidade. Isso também cria uma cultura tóxica dentro da empresa que leva à debandada de funcionários talentosos. Outra consequência é a saída dos anunciantes. Para que o Twitter sobreviva a longo prazo, Elon precisa reconstruir a confiança entre seus usuários e anunciantes estabelecidos.
No Brasil, os usuários do Twitter também buscaram outras plataformas. Houve um súbito interesse pelo Koo, o microblog indiano de nome peculiar. Acha que estarão apenas mudando de endereço? Os brasileiros são muito curiosos e apaixonados por novas tecnologias e são os primeiros a adotar aplicativos sociais. Não é de surpreender que o Koo tenha se tornado popular em um período tão curto de tempo. A questão principal é: eles estão aí para ficar? Por exemplo, quando o Clubhouse foi lançado no Brasil, obteve uma base de usuários bastante grande. Mas hoje ninguém mais fala dele. Para que esse novo Koo se sustente e alcance sucesso globalmente e no Brasil, ele precisa de qualidade de conteúdo e engajamento. O Twitter era muito bom em ambos nos primeiros tempos. Um grande desafio que vejo para eles no Brasil é que não estão tão familiarizados com a cultura e o público brasileiros.
“Usar a liberdade de expressão para propagar discurso tóxico é moralmente condenável. Desde que Elon Musk assumiu o Twitter, há na plataforma mais racismo e antissemitismo”
A Meta, holding que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, demitiu mais de 10 000 funcionários recentemente. Falou-se em queda de anúncios e êxodo de anunciantes. O modelo de negócios das big techs se esgotou? Duas coisas interessantes aconteceram no meio do caminho. Muitos usuários começaram a se mudar para o TikTok. O engajamento caiu e isso tem um impacto direto na receita. O segundo ponto foi a introdução do metaverso, que ainda não tem aplicações de uso amplo e abrangente. A empresa, por sua vez, gasta um volume enorme de dinheiro em pesquisas para desenvolver esse sistema. Como resultado, os ganhos não parecem tão bons quanto costumavam ser anteriormente. Uma das maneiras mais fáceis de melhorar seus números financeiros é reduzir custos. E o que é preciso fazer para reduzi-los? Demitir pessoas. Mas acho que isso é muito injusto.
O senhor mencionou o metaverso. Considera que estamos preparados para esse tipo de experiência? Existem aplicações nas quais ele funciona extremamente bem. Por exemplo, em games como Fortnite, Minecraft e Roblox. Mas acredito que a última coisa de que precisamos agora é ficar em uma sala de reunião com nossos avatares virtuais em 3D e conversar uns com os outros. Temos de estar em uma sala, isso sim, onde seja possível ver o rosto uns dos outros. Precisamos nos conectar mais, e as redes sociais estão nos fazendo interagir menos fisicamente. Também é importante ressaltar que ainda não atingimos o nível tecnológico para uma experiência completa e satisfatória nesses ambientes virtuais. Como sociedade, não deveríamos sequer estar lá. Pois se tem algo que a pandemia nos mostrou é que precisamos estar juntos mais do que nunca, em vez de ficar apenas no ambiente on-line.
O que o senhor vislumbra para o futuro das redes sociais? As redes vieram obviamente para ficar. Estarão em nossa vida por muito tempo. Elas afetam de maneira intensa relacionamentos, instituições, governos e a política. É muito importante usarmos o tipo certo de mídia social, aquelas que realmente nos deixam mais felizes, que realmente nos aproximam de outras pessoas. Também é indispensável estarmos atentos às notícias. Precisamos apoiar a imprensa e os jornalistas. Uma ótima maneira de fazer isso é consumir conteúdo acessando os sites de veículos sérios de notícias. Isso é mais vital do que nunca nesta era em que o volume de fake news não para de aumentar.
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820