Alexandre Padilha: “Lula é o candidato”
Ministro afirma não existir plano B para a eleição presidencial de 2026 e critica o mercado por viver numa espécie de 'síndrome do pânico'

Em 1º de janeiro de 2003, Alexandre Padilha estava no gramado da Esplanada dos Ministérios em meio à multidão que acompanhava a posse de Lula na Presidência. Desde então, ele galgou os escalões da burocracia federal, ganhou a confiança do mandatário e se tornou uma estrela petista. Ainda no segundo governo de Lula, assumiu o Ministério de Relações Institucionais. Depois, na gestão de Dilma Rousseff, comandou a poderosa pasta da Saúde. Com a derrocada do partido no plano federal, concorreu e venceu duas vezes a disputa para deputado federal por São Paulo, mas se licenciou do cargo, em janeiro de 2023, exatamente duas décadas após aquela longínqua festa de posse, para voltar a comandar a articulação política. A área é uma das mais criticadas da atual gestão, e há pressões diversas para que Padilha seja demitido ou remanejado de função. Ele não quer sair: “Estou feliz aqui”, afirma. Médico, o ministro diz que a economia brasileira está bem do ponto de vista clínico, apesar da disparada do dólar e dos juros, e garante que o presidente Lula será candidato à reeleição. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que há tanta crítica à articulação política do governo? Desde que assumi o cargo, sei que aqui é lugar de águas agitadas, mas sempre digo que mar tranquilo não faz bom marinheiro. Terminamos os dois primeiros anos de mandato do presidente Lula com a maior taxa de aprovação de projetos de iniciativa do Executivo desde a redemocratização. E não estou botando nessa conta propostas de iniciativa do Congresso que foram decisivas, e que o governo apoiou, como a reforma tributária. Toda a agenda prioritária foi aprovada para garantir um novo ciclo de crescimento na economia e a reconstrução de políticas sociais. Nós saímos do governo Bolsonaro, que mantinha um relacionamento tóxico com o Congresso, o Judiciário e a imprensa, e construímos um verdadeiro programa de reabilitação das relações institucionais.
Mas a aprovação de projetos prioritários no fim do ano passado só ocorreu após a liberação de bilhões de reais em emendas parlamentares. Não é essa a explicação para o balanço positivo? Tenho certeza de que o sucesso da agenda econômica e social do governo não tem relação com as emendas, mas com uma visão realista sobre a necessidade de dialogar com o Congresso e de construir uma pauta compartilhada. Os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da base e da oposição tiveram papel importante para aprovar essa agenda. E, graças a um diálogo com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, conseguimos aprovar também um projeto para aprimorar o mecanismo das emendas, garantindo mais transparência e enquadrando o crescimento do volume de recursos ao arcabouço fiscal.
O Orçamento de 2024 reservou cerca de 50 bilhões de reais para as emendas. Não é muito dinheiro? A questão não é ser muito ou pouco, mas se o investimento é efetivo. Sou parlamentar e sei que, muitas vezes, conheço mais a realidade de Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, ou de Araçatuba, no interior do estado, do que um técnico na Esplanada dos Ministérios. A emenda é um mecanismo importante desde que esteja alinhada às prioridades que o próprio Congresso estabelece quando aprova o plano plurianual do governo. Se o recurso for aproveitado para reduzir filas de cirurgia e de exames, para ampliar a escola em tempo integral, é muito positivo.
“Não é hora de o presidente Lula pendurar as chuteiras. Ele é o nosso Pelé e estará em campo, não ficará no banco de reservas. Chegará em 2026 com vontade de defender o que está fazendo”
Se as relações institucionais vão bem, por que realizar uma reforma ministerial? Primeiro, o presidente nunca falou sobre reforma conosco. Mas é natural que todo treinador leve os titulares e os reservas para o vestiário para se preparar para o segundo tempo do jogo. O governo precisa acelerar a colheita das ações programáticas e o projeto eleitoral de 2026. Isso significa consolidar a aliança com alguns partidos que apoiaram Jair Bolsonaro em 2022, mas que, depois do 8 de Janeiro, passaram a participar do nosso governo.
Dizem que o senhor pode ser demitido ou remanejado de cargo nessa reforma ministerial que se avizinha. Tanto o time titular quanto o banco de reservas estão no vestiário neste momento. Quero dizer que estou feliz onde eu estou. Sei as dificuldades do papel que cumpro aqui. E, como também já disse, mar tranquilo não faz bom marinheiro.
Alguns desses partidos já têm pré-candidatos à Presidência, como o governador Ronaldo Caiado, do União Brasil. Não vou entrar na questão interna de partidos. Uma coisa é se anunciar candidato, outra é vir a ser candidato. Os ministros desses partidos reafirmam o tempo todo não só o compromisso com a defesa do projeto do presidente Lula até 2026 como ajudam a fazer com que suas bancadas votem as propostas prioritárias do governo. É com eles que contamos para manter o crescimento econômico. Há uma década o Brasil não tinha dois anos consecutivos de crescimento acima de 3%.
A dubiedade do presidente Lula em relação ao ajuste fiscal tem gerado instabilidades no mercado e previsões negativas sobre o desempenho da economia. O presidente Lula tem um compromisso inequívoco com a questão fiscal. Além de ter combinado responsabilidade social com responsabilidade fiscal em seus dois primeiros mandatos, ele já repetiu que o governo fará tudo o que for necessário para que o contrato de médio e longo prazo firmado com o Congresso e a sociedade, que é o marco fiscal, seja absolutamente cumprido.
Essa garantia, ao que parece, não foi muito convincente até agora. Quem vai falar agora é o médico. Na reta final do ano passado, houve uma espécie de síndrome do pânico e, a partir dela, uma crise de ansiedade, que não afetou o coração da economia. A gente vai dissipar isso com serenidade, sair um pouco do terreno da psicanálise, onde cada um fica tentando adivinhar o que está no subconsciente do outro, e voltar para o terreno da clínica, onde existem dados concretos, como crescimento acima do previsto, desemprego em queda e maior aumento de massa salarial desde 2012. Tudo isso com as metas fiscais devidamente cumpridas.
2024 também terminou com inflação acima da meta, dólar recorde e juros subindo. Esses sintomas devem ser ignorados? Repito: são sintomas típicos de uma síndrome do pânico, mas que não afetam o coração da economia.
O PT se prepara para eleger uma nova direção. Que rumo o partido deve seguir? O pessoal fala que o PT tem de fazer uma guinada para a esquerda, ou para a direita, ou para o centro. Para mim, o partido tem de fazer uma guinada em direção à nova realidade da população brasileira. Realidade cultural, social, na forma de trabalhar, de professar a sua fé, de ocupar o espaço nas cidades e no campo. Isso significa atentar para as mudanças na sociedade que aconteceram no Brasil e no mundo. O que sempre diferenciou o PT de organizações tradicionais de esquerda foi a capacidade de interagir com a realidade do povo brasileiro, e não vir com uma visão apartada dessa realidade. Esse é o nosso grande desafio.
Isso não pode frustrar uma parte do eleitorado mais à esquerda que não vê, por exemplo, a pauta identitária avançar? Não. Ter compreensão dessa realidade não descarta ter compreensão da pauta sobre defesa do direito das mulheres, das pautas antirracistas. Não existe contradição alguma. Enfrentar a violência contra as mulheres e defender que as mulheres recebam o mesmo salário que os homens são pautas civilizatórias.
O PT considera a possibilidade de este ser o último mandato do presidente Lula? O presidente Lula é o favorito para a disputa eleitoral do ano que vem. Não é hora de ele pendurar as chuteiras. Ele é o nosso Pelé e estará em campo, não ficará no banco de reservas. Lula é o candidato. O presidente chegará em 2026 com muita vontade de defender o que está fazendo em termos de crescimento econômico, redução da desigualdade e reposicionamento do Brasil no mundo. Basta ver o papel que ele desempenhou para garantir a democracia e derrotar os golpistas.
“Na reta final do ano passado, houve uma espécie de síndrome do pânico e, a partir dela, uma crise de ansiedade, que não afetou o coração da economia. A gente vai dissipar isso com serenidade”
E se em 2026 o “Pelé “ estiver contundido, cansado ou satisfeito com o resultado do terceiro mandato e desistir de concorrer, não há um plano B? Esse “se” não existe. Aliás, a preocupação do PT não tem de ser com quem vai suceder o presidente Lula, mas fazer com que o partido seja cada vez mais conectado com o legado dele e com a realidade da sociedade, para que seja a força política que continuará impulsionando um ciclo de crescimento econômico e redução da desigualdade no país.
Quais as prioridades do governo para o segundo tempo do terceiro mandato de Lula? Nós já aprovamos praticamente toda a agenda prioritária. O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) quer realizar o debate da PEC da Segurança Pública. O governo também fará o debate sobre a proposta de isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais mensais e a compensação desse valor pelos mais ricos, os multimilionários, com o compromisso de que o resultado será neutro do ponto de vista fiscal. Ou seja, ao governo não interessa arrecadar 1 real a mais, nem perder 1 real de arrecadação.
Na área internacional, o que muda com a ascensão de Donald Trump? Em princípio, nada. Respeitamos o processo eleitoral de outro país e continuaremos defendendo nossos interesses econômicos e nossa soberania. O presidente Lula sempre teve ótimas relações com presidentes de partidos diferentes nos Estados Unidos, fosse democrata, fosse republicano. Acho que nós temos uma vantagem adicional neste momento que é o fato de o Brasil ter construído novas parcerias, o que reduz a dependência em relação à economia americana.
Jair Bolsonaro acredita que a volta de Trump ao poder pode catalisar a proposta de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro, incluindo entre os beneficiários ele mesmo. Não tenho dúvida de que ele foi o mentor intelectual do ataque à democracia. Durante quatro anos, semeou o ódio contra o Supremo, contra a imprensa e também as suspeitas de que teria havido fraude eleitoral. Esse foi o caldo para que criminosos chegassem a ponto de achar que podiam assassinar um presidente eleito, o vice e um ministro do STF. Não há espaço para defender anistia para esses criminosos.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927