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“A intolerância mata”, diz Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos

Professora e ativista, que assumiu após escândalo de assédio sexual na pasta, critica ofensiva conservadora e defende a investigação de crimes da ditadura

Por Bruno Caniato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 18 jul 2025, 16h45 - Publicado em 18 jul 2025, 06h00

Professora, assistente social e ativista do movimento negro, Macaé Evaristo, 60 anos, assumiu o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em setembro de 2024 em meio a uma severa crise de imagem na Esplanada, após a queda de seu antecessor, Silvio Almeida, acusado de assédio sexual. Deputada licenciada em Minas Gerais pelo PT, ela tem a missão de viabilizar a intenção de Lula de fazer da defesa dos direitos civis um diferencial em relação à gestão Jair Bolsonaro. À frente de um orçamento modesto (574 milhões de reais, o equivalente a 2,5% do que se destina à Justiça e Segurança Pública), a ministra tem investido na inclusão e no acolhimento de setores vulneráveis, como a população LGBTQIA+, quilombolas e vítimas de violência de raça e de gênero, no fortalecimento dos canais de denúncia, em programas de proteção de ativistas e testemunhas e na produção de material educativo sobre temas como diversidade e uso seguro da internet. Em entrevista a VEJA, ela advoga um Estado sem preconceitos religiosos, diz que é fundamental esclarecer crimes da ditadura para não repeti-los, contesta a anistia ao 8 de Janeiro e defende maior regulação das redes sociais. “A misoginia e o racismo hoje são monetizados”, afirma.

O país vive uma ofensiva conservadora para emplacar pautas de conteúdo moral. Por que esses temas têm apelo eleitoral? É uma resposta fácil a questões de grande complexidade, mas que não se sustenta a longo prazo. Precisamos pensar no direito a ser quem se é. À intolerância com a população LGBTQIA+ se segue a intolerância com negros, indígenas e pessoas com deficiência e isso leva a um Estado que mata. No Brasil, pessoas trans são assassinadas com crueldade. Temos que pensar: quem é que cabe no meu conceito de humanidade? Quando desumanizamos esses grupos, legitimamos a sua morte.

Tramita na Câmara um projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio. O que pensa sobre isso? É um tema que perpassa crenças religiosas. Nós respeitamos as religiões, mas o Estado é laico e estamos pensando na defesa da dignidade humana. Muitas pessoas são completamente contrárias ao aborto legal, mas se calam diante de abusadores e violadores. Muitas vezes eles estão no ambiente familiar e abusam de mais de uma geração de meninas. É bom lembrar que o maior número de vítimas de estupro são crianças de até 13 anos de idade. Estamos fazendo uma campanha para dizer que criança não é mãe, e o violador é quem estuprou essa criança.

Existe uma tentativa de interferência da religião na política? Não só no Brasil. Isso sempre existiu, mas os Estados, ao aprimorar os processos democráticos, cada vez mais separaram as crenças religiosas da política pública. Toda pessoa tem direito ao seu sagrado, e o Estado não pode fazer assep­sia de pessoas em função de suas crenças. Ninguém pode ser perseguido, violentado ou levar pedradas em decorrência da religião que professa.

“Respeitamos as religiões, mas o Estado é laico e estamos pensando na defesa da dignidade humana. Muitas pessoas são contrárias ao aborto legal, mas se calam diante de abusadores”

O discurso de endurecimento das leis e maior rigor com os criminosos tem ganhado espaço. Qual sua opinião a respeito disso? Em vez de pensar em prevenção e melhoria da qualidade de vida, pensamos sempre em ampliar políticas repressivas posteriores ao crime. E existe uma hipocrisia: muitos defendem que bandido bom é bandido morto, mas, quando o episódio acontece no seu ambiente familiar, defendem alternativas para que a pessoa seja ressocializada. Há também uma queda de braço sobre armar ou não a população, e eu sou completamente contra. Mais armas não significam garantia de segurança. Precisamos acalmar paixões ideológicas e focar no que é importante: a proteção da população.

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É possível equilibrar firmeza na segurança pública e respeito aos direitos humanos? A segurança pública é um direito humano, mas hoje quem tem direito à segurança? As pessoas nas favelas não têm, são vistas como sujeitos de não direito. As grandes inteligências por trás do tráfico, em geral, não estão nas comunidades que sofrem a maior violência em nome da segurança. É preciso entender quem é vítima e quem é algoz nesse cenário, seguir o dinheiro e chegar a quem lucra com o tráfico de drogas e de armas. Não podemos ter uma política que pensa somente em forças policiais, porque o direito a um ambiente seguro passa por boas escolas, unidades de saúde, parques, moradia adequada e saneamento básico.

Há políticos buscando referências em El Salvador para o nosso sistema prisional. Como vê esse movimento? Qual é o projeto de sociedade que nós temos? É um projeto que quer encarcerar a maioria da população? Eu desacredito dessa fórmula, que interessa a alguns segmentos do mercado porque envolve auferir lucros com o aprisionamento. Muitas vezes, a alimentação na prisão é mais cara que na escola, e não significa que é melhor. Temos estruturas criminosas transnacionais e, portanto, precisamos de inteligência e cooperação transnacionais, mas o Brasil precisa fazer a lição de casa e pensar numa segurança que olhe para o cidadão e respeite a sua cidadania.

Existe uma epidemia de violência nas escolas? Há um crescimento de casos envolvendo crianças e adolescentes, em parte, pela exposição ao ambiente digital. Algumas plataformas são locais propícios para a disseminação do ódio, onde vemos misoginia, pedofilia e racismo, e é preciso ampliar a regulamentação. Existem processos pedagógicos que precisam ser melhorados, mas temos também uma violência que vem do conjunto da sociedade.

O que o ministério tem feito para enfrentar esse problema? Temos um grupo de trabalho com o Ministério da Educação, criado logo após os episódios dos últimos anos, que coloca uma série de orientações a estados e municípios. Isso também acontece por meio da formação dos profissionais de ensino. Estamos fazendo um amplo mapeamento no Brasil de todos os cursos em várias áreas dos direitos humanos oferecidos por universidades, institutos federais, ONGs e órgãos de governos. Temos a Escola de Conselhos, que atua nos estados na formação dos conselheiros tutelares. O governo está bastante implicado. O presidente Lula sancionou uma lei proibindo o celular nas escolas, e temos feito um trabalho que articula vários ministérios em torno da violência no ambiente digital. Temos investido na conscientização de famílias e de unidades educativas e debatido com o Conselho Nacional de Justiça e o Legislativo a necessidade de ampliar a responsabilização das plataformas.

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O STF deu um passo importante na regulação das redes e o governo prepara um projeto sobre o tema, mas há muita resistência. Por quê? A misoginia e o racismo são monetizados. Inúmeros grupos lucram com a violência e o discurso de ódio nas plataformas digitais. O que segura a pauta é o receio de diminuir a lucratividade. Nosso grande desafio é produzir uma legislação que estabeleça limites de maneira objetiva e que não seja impeditiva à educação e à cultura que o meio digital pode promover.

A tecnologia agravou formas de violência como sexualização precoce e pornografia infantil? Isso não é um fenômeno novo. O que há de novo é a escala em que acontece e, muitas vezes, a impossibilidade de ir atrás dos responsáveis. Antes tínhamos revistas que estavam nas bancas, proibidas e censuradas, e hoje tudo isso está à disposição. Eu comparo essa escala aos jogos de apostas, que chamo de “cassino de bolso”, porque está na mão de cada brasileiro por meio do celular.

“Eu cheguei ao ministério em um momento de muita tensão. A equipe ficou bastante abatida. Tentei aprimorar processos internos de prevenção e criar um ambiente maior de diálogo”

As bets se tornaram uma crise de direitos humanos? Também, porque as pessoas estão perdendo tudo, até o salário do mês, e se endividando. O vício no jogo é um problema de direitos humanos e de saúde mental, e precisamos conversar sobre isso. As pessoas começam a não ter recursos para sustentar a sua própria vida porque estão colocando tudo em jogos de azar.

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Como o escândalo envolvendo o ex-ministro Silvio Almeida prejudicou a imagem da pasta? Eu cheguei em um momento de muita tensão. A equipe do ministério ficou bastante abatida, mas é preciso separar as instituições das pessoas. Assim que assumi, tentei aprimorar processos internos de prevenção e criar um ambiente maior de diálogo. Dentro do serviço público, temos pessoas que vêm de culturas e lugares muito diferentes. Muitos estão aqui há muito tempo, lidam com muito zelo pelas políticas públicas de direitos humanos, os servidores têm grande compromisso com essa pauta.

O que foi feito em relação às denúncias? Isso está sendo tratado nas esferas adequadas da Justiça e da Polícia Federal. Não é o ministério que tem de tratar dessa questão. Nós fortalecemos a Ouvidoria e a Corregedoria e o apoio psicológico aos profissionais. É muito difícil acabar de uma vez com o assédio. Fortalecer as instituições é também dizer onde denunciar e quem é responsável pelos procedimentos.

A senhora falou com o ex-ministro? Não. Conversei com a equipe que ficou, fizemos de maneira breve a transição e resguardei o momento do ex-ministro. Foi muito duro e difícil para todos os envolvidos, e temos a preocupação de que tudo seja devidamente apurado e todos sejam responsabilizados.

A apuração de crimes da ditadura patinou no início deste governo. Há resistência dos militares? Não posso dizer de nenhuma dificuldade no diálogo com o ministro da Defesa e com as Forças Armadas. Temos a Comissão da Anistia, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e temos tratado dos processos com muita tranquilidade. E não é só sobre a ditadura, estamos falando também da escravização negra no Brasil. Precisamos olhar para a história e saber que tivemos momentos tristes, mas que é preciso recuperar essa memória, trazer a verdade, garantir reparação e o princípio fundamental da não repetição. É para responder a casos concretos de mulheres que estão buscando seus filhos desaparecidos que a gente precisa avançar na identificação de corpos e ossadas da ditadura, por isso estamos trazendo ao Brasil algumas tecnologias que serão direcionadas para isso.

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O que acha do perdão aos envolvidos no 8 de Janeiro? Defendemos a anistia para quem foi sequestrado, preso e assassinado por um Estado autoritário, sem direito ao contraponto na Justiça. Mas agora são pessoas que cometeram o crime de atentar contra o estado democrático de direito. Temos que garantir o devido processo legal e julgamentos justos, que cada um apresente sua defesa e tenha todas as garantias expressas na Constituição.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953

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